sábado, 20 de agosto de 2016

Cultivo de Bons Vínculos

Gisele Bortoleto Fernandes: Nos dias de hoje, muita gente tem pavor do que é inseguro ou arriscado, mas é impossível requerer segurança eterna. Como se manter num mundo de relacionamentos líquidos, voláteis, sejam amorosos ou profissionais, que estão ótimos e seguros num dia e no outro, não mais? O que precisamos fazer?
Prof. Renato Dias Martino: O medo da insegurança é justamente o que esclarece essa indagação, já que nada é mais certo do que estar sozinho. Enquanto o outro pode me abandonar, o eu sempre estará lá. O narcisista é aquele que não tolera conviver com incertezas e as relações são naturalmente incertas, pois dependem de duas partes distintas, duas almas, dois corpos que desejam coisas diferentes. Portanto, o sujeito narcisista se envolve de maneira superficial pois assim se solta com muita facilidade frente a primeira dificuldade que ocorra. Por mais que exista um mundo que funcione deste modo, ainda assim, quando o que buscamos são vínculos saudáveis e duradouros (mesmo que sejam raros), não nos convenceremos com superficialidades, ainda que pareçam atraentes e prazerosas. 

Gisele Bortoleto Fernandes: Como adquirir a força interna que permita que os relacionamentos (de todo o tipo) durem mais tempo, sem se acabar de uma hora para a outra?
Prof. Renato Dias Martino: Na realidade, não seria uma força, mas uma capacidade de tolerar frustrações. Quando não é capaz de tolerar frustrações, o sujeito se torna mais suscetível à se envolver em relações superficiais e sem conteúdo.

Gisele Bortoleto Fernandes: Como podemos manter a estabilidade nessa instabilidade e fazer com que as relações não sejam tão voláteis?

Prof. Renato Dias Martino: Alguém que busca estabilidade deve também oferecê-la. De tal modo, é necessário envolver-se apenas com alguém que também busque isso. Alguém que  tenham o mínimo de capacidade emocional amadurecida. E isso não é de forma alguma difícil de se reconhecer naquele que se aproxima. O que realmente acontece é que, muitas vezes o sujeito intolerante acaba por ignorar sinais muito claros da incapacidade do outro, se envolvendo mesmo assim.
Gisele Bortoleto Fernandes: O que faz com que essas relações sejam tão voláteis nos dias de hoje?

Prof. Renato Dias Martino: 
Dificilmente as crianças têm sido cuidadas pelos pais. Quando não são deixadas com poucos meses de idade o dia todo em creches ou escolinhas, estão sendo cuidadas por babás. Isso representa no desenvolvimento dessa criança, uma relação de descompromisso, já que essa criança não é capaz de entender o que pode ter maior importância para sua mãe do que estar perto dele.

O maior prejuízo está na formação de um ciclo mórbido, que se retroalimenta. Vão se formando filhos inseguros de si mesmo, se transformando em adultos muito pouco capazes de amar, que proliferarão esse modelo de incapacidade. Do cuidado dedicado com os bebês depende o destino da humanidade. A paz que um dia partiu do colo tranquilo, daquela que cuidou com zelo, estabeleceu a serenidade interior daquele que hoje estende essa paz ao mundo.



Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17-991910375
prof.renatodiasmartino@gmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/

terça-feira, 2 de agosto de 2016

AINDA SOBRE RECLAMAÇÕES

O sujeito é normalmente muito pouco consciente do porquê reclama tanto. Na realidade, a maioria daqueles que muito reclamam nem mesmo percebe que o faz com tanta frequência. No entanto,mesmo imaginando ter tantas razões, muitas vezes, esse 'porquê' está escondido por de traz de um motivo desconhecido dele mesmo. Reclama de tudo e de todos que por algum motivo se opõe às suas ideias ou a suas satisfações. Contudo, ainda que concordem com ele ou o satisfaçam, mesmo assim encontrará motivos para reclamar.

Aquele que reclama demais parece sofrer de certa insatisfação ligada a algo que faltou a ele num período da vida onde não tinha capacidade de reconhecer e nomear essa falta, assim, reclama sem saber, pelo que não tivera e nunca terá. Uma insatisfação crônica que não tem remédio, pois o que poderia satisfazer parece não existir mais, se é que um dia existiu na realidade.

Ele reclama sobre a falta de algo que não conhece e que na realidade nunca conhecerá com clareza. A maior parte dos adultos que reclamam muito é daqueles que não puderam reclamar por suas necessidades básicas, quando criança. Muitas vezes, quando criança assistira o outro se satisfazer sem que pudesse compartilhar da satisfação. Hoje quando adulto e distante do motivo original enxerga a frustração em tudo que por acaso posso trazer a mínima insatisfação.

A inveja é um atributo que circunda esse modelo de funcionamento. Aquele que inveja não consegue reconhecer qualquer que seja a característica boa das coisas. Vê sempre com maus olhos tudo que se destaca. A admiração sem capacidade disputa lugar com a depreciação do objeto admirado, que assim se manifesta através da reclamação. Sem capacidade de reconhecimento, não pode existir, portanto, o desenvolvimento da gratidão.

O hábito de reclamar muito parece ser decorrente de uma falha na possibilidade de desenvolvimento da capacidade de reconhecimento. Quem nunca foi reconhecido em suas características boas nunca reconhecerá nada de bom em coisa alguma. Portanto, a reclamação parece ser gerada a partir da incapacidade de se perceber alguém agradável.

Alguém que reclama muito acaba por afastar as pessoas de si, sobrando apenas aquelas que não tem escolha, ou ainda aquelas que também tem esse hábito.