sábado, 18 de janeiro de 2020

SOBRE SER GRATO

Um sinal de que a mente está saudável e em pleno desenvolvimento é quando o sujeito está sendo capaz de ser grato. A manifestação de agradecimento pelos aspectos que permeiam a vida é sinal claro de uma mente que está funcionando bem. O sujeito está funcionando bem emocionalmente quando o está sendo capaz de ser grato por benefícios que tenha conseguido, ajudas que lhe foram prestadas.
Entretanto, essa gratidão não deve se restringir às coisas grandiosas, mas por manifestações singelas como o fato de ter um lar para se abrigar, a comida de cada dia,a água fresca que mata sua sede, assim como pelo simples fato de estar vivo, já que a vida é uma dádiva. Essa manifestação da saúde mental atinge seu ápice quando se está sendo capaz de ser grato, até mesmo por uma experiência dolorosa numa possível desventura, pelo motivo de ter sido uma chance de aprender e crescer com esse contratempo. A gratidão é antes de tudo e em última instância, o reconhecimento de que sozinho não é possível se dar conta de viver bem e crescer na vida.
Em sua obra INVEJA E GRATIDÃO de 1957, Melanie Klein (1882 — 1960) apóia que a gratidão é a máxima expressão da capacidade de amar. Segundo Klein, a gratidão estaria para inveja como pólo oposto, enquanto indicativos na escala evolutiva da maturidade emocional. O bebê inveja a mãe por conta de se sentir vulnerável e perceber que todo seu conforto, estabilidade e até mesmo sua sobrevivência dependem da dela.
A origem da inveja está na incapacidade de dar conta de si mesmo, assim como na impossibilidade de confiar em si próprio. É a possibilidade de experimentar da generosidade da mãe em oferecer seus cuidados nutridores que propicia a dissolução da inveja e permite a possibilidade de se desenvolver a gratidão. Sendo assim, a gratidão provém de uma consideração sincera do outro, como fonte de gratificação.
Na experiência da prática clínica da psicanálise, a cooperação do paciente no processo psicoterapêutico se expressa a partir do que chamamos de transferência positiva, fenômeno que acontece quando prepondera a tolerância e a capacidade de continência. Isso deve abrir a possibilidade de respeito, assim como ações amorosas num clima de sinceridade. A partir do desenvolvimento da gratidão, Klein chama a atenção para a iniciativa a reparação de qualquer dano que possa ter sido causado pelos ataques invejosos.
Por reconhecer que o outro tem qualidades relevantes ou mesmo fundamentais para sua sobrevivência e percebendo que esse outro fornece esse suprimento de forma generosa, nasce a iniciativa amorosa. A partir daí desenvolve-se a capacidade de cuidar, proteger, até mesmo de seus próprios ataques.
Portanto, estamos diante de uma manifestação do desenvolvimento bem-sucedido da mente.
A verdadeira gratidão parte de um ato espontâneo na ampliação da maturidade emocional, sendo assim, não pode ser aprendida pela educação, no nível do conhecimento intelectual. Ninguém pode ensinar alguém a ser grato. Não pode ser desenvolvida através de exercícios de educação, doutrinação, ou por meio de tarefas orientadas.
A gratidão é uma consequência do desenvolvimento da maturidade emocional, sendo assim, não pode ser desenvolvida independente da expansão do processo que conduz a essa maturação.
O conceito de gratidão tem ainda a característica nobre de coincidir com o conceito de reconhecimento, que por sua vez, também significa conhecer novamente (onde coincide com a palavra respeito – do latim respectus, particípio passado de respicere, re, “de novo”, mais specere, “olhar”). O sujeito passa a reconhecer a si mesmo a partir do reconhecimento do outro e isso o qualifica para reconhecer os demais.
Sendo assim, a saúde da mente, que viabiliza um franco desenvolvimento, está diretamente ligada a capacidade de reconhecimento sincero e amoroso. A ligação e manutenção de vínculos de respeito na capacidade de se re-conhecer a cada encontro, revela uma mente que está funcionando bem e ao mesmo tempo, proporciona a possibilidade de continuar funcionando assim. 


KLEIN, M. (1991). INVEJA E GRATIDÃO. (1957) e outros Trabalhos, vol. III das Obras Completas de Klein. Rio de Janeiro: Imago.
________. (1991). AS ORIGENS DA TRANSFERÊNCIA. (1952) e outros Trabalhos, vol. III das Obras Completas de Klein, Rio de Janeiro: Imago.
MARTINO, R. D.O AMOR E A EXPANSÃO DO PENSAR: das perspectivas dos vínculos no desenvolvimento da capacidade reflexiva, 1. Ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2013.







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