domingo, 27 de novembro de 2011

Paradoxo do tempo livre – Entrevista de Prof. Renato Dias Martino para o jornal Diário da Região.

Paradoxo do tempo livre – Entrevista de Prof. Renato Dias Martino para o jornal Diário da Região.

Elen Valereto - As pessoas reclamam que nunca têm tempo para nada, mas quando conseguem, não sabem aproveitar as horas vagas. Por que isso acontece? Falta desafios ou compromissos?


Prof. Renato Dias Martino - Se partirmos da ideia de que o desejo está naquilo que não podemos ter e quando temos já não desejamos mais como antes, então já podemos solucionar boa parte dessa questão. O fato é que, quando se imagina um tempo livre na vida, na maioria das vezes, se preenche esse tempo (na imaginação) com várias coisas que se pretende fazer, contudo, muito pouco se avalia as reais possibilidades disso. Assim, quando se consegue arrumar um tempo livre na realidade, se percebe que talvez não seja capaz de tornar proveitoso esse tempo.


Elen Valereto - Quais são os sentimentos que acometem uma pessoa que está com horas ociosas e não sabe como utilizá-las?

Prof. Renato Dias Martino - Talvez essa pessoa possa estar utilizando de alguma forma esse tempo, sem saber que esta o fazendo. A necessidade de reservar um tempo para retirar a mente dos compromissos e das realizações é tão importante quanto efetivamente realizar. Entretanto, se a proposta é realmente realizar algo, penso que existe a necessidade anterior de se estabelecer projetos. Sem se estabelecer projetos dificilmente se realizará qualquer que seja a idéia. Quando se estabelece um projeto, torna-se possível avaliar as reais possibilidades de efetivação do mesmo.


Elen Valereto - Muitas pessoas dizem que as horas de relaxamento são ideais para estimular a criação. Mesmo assim, permanecem inertes ou perdem tempo com televisão ou internet, e se sentem culpadas no final do dia (ou fim de semana) por terem desperdiçado o tempo de sobra. O que essas pessoas podem fazer para fugir dessa situação?

Prof. Renato Dias Martino - O momento da criação é sempre um processo imaginativo e sem compromisso direto com a realidade. Se estiver vinculado de forma direta com a necessidade de materialização, não pode ser chamado de criação. As maiores criações são geradas de um momento descontraído de ócio, onde não exista a necessidade de se concretizar nada. Essa idéia é difícil de se conceber num mundo onde o que se exige é justamente o contrario da criatividade. O que o mundo contemporâneo exige é justamente a produção padronizada que nada tem a ver com a realização.

Elen Valereto - Quais são os sinais de que estamos desperdiçando parte de nossa vida?

Prof. Renato Dias Martino - A ideia de se desperdiçar tempo é falsa. Isso nunca acontece. Usamos nosso tempo dentro de nossas capacidades. Se não estamos “produzindo” como o mundo nos cobra é por que ainda não somos capazes disso. Contudo, se o que se pretende é a realização, que é dependente da criatividade, então teremos que ser tolerantes quanto nosso tempo ocioso até que a criatividade chegue.

Elen Valereto - Quais são as dicas para descobrir a valorizar e usar as horas livres em nossas vidas?

Prof. Renato Dias Martino - A dica é respeitar o próprio tempo e a própria capacidade. Não saudável nos forçarmos a fazer aquilo que não somos capazes ou estejamos dispostos, pois certamente faremos mal feito, ou continuaremos nos cobrando de algo que na realidade não existe.

Matéria na integra: http://www.diariodaregiaodigital.com.br/Flip/Flip_Books/Bem_Estar-20111127/index.html#/6/

Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17991910375 
renatodiasmartino@hotmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Conferência Municipal da Criança e do Adolescente de Mirassol


Renato Dias Martino,
é o convidado da Conferência para dar palestra aos jovens
Conferência da Criança e do Adolescente acontece nessa sexta-feira
Um evento sério, mas muito divertido e interativo. Assim será a Conferência Municipal da Criança e do Adolescente de Mirassol, que acontece nesta sexta-feira (25.11), no Auditório da Uniesp, das 8 às 13 horas.

A intenção é tornar um ambiente agradável, preparado especialmente para o público jovem. Pensando em todos esses cuidados, o palestrante foi escolhido por um grupo de jovens e a abertura do encontro será feita pelos mirassolenses Drico e Zema, queridos entre os jovens e incentivados pelo Departamento de Cultura.

O palestrante, psicoterapeuta, professor e escritor, Renato Dias Martino, falará sobre a importância do cuidado na infância e na adolescência para o desenvolvimento de um adulto saudável e ético: “O encontro será a oportunidade de criação de certo ambiente, o mais livre possível das palavras de crítica, em prol da reflexão sobre temas fundamentais para um funcionamento emocional saudável dos futuros adultos”, afirma o convidado.
O encontro está sendo promovido pelo COMCRIAM e pela Prefeitura, por meio do Departamento de Ação Social e Assessoria da Criança e do Adolescente. “A Conferência será uma oportunidade de a Prefeitura prestar conta do que foi feito e discutir com a sociedade civil prioridades de investimento na área da infância e juventude”, afirmou o Assessor Jurídico da Criança e do Adolescente, Goy Montini.

 
“O auditório da Uniesp será decorado com os desenhos e os anseios das nossas crianças. Grupos serão formados e as ideias expostas levadas para a Conferência Estadual e Federal. O que o jovem de Mirassol pensa será utilizado lá na frente para a elaboração de políticas públicas para a Criança e o Adolescente”, disse a Diretora de Ação Social, Maria José Imbernom.

Texto e foto : Natália Campanholo
http://www.mirassol.sp.gov.br/Imprensa/Noticia.aspx?nid=1825

Prof. Renato Dias Martino
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domingo, 6 de novembro de 2011

Conflito: medo e desejo


Sigmund Freud (1856-1939) teve sua formação medica em neurologia, e desenvolveu a psicanálise a partir da percepção de que grande parte dos pacientes que ele atendia, não guardava a origem de suas doenças no corpo, ainda que se manifestassem ali. Exames clínicos não apresentavam diagnósticos fisiológicos e o organismo, em suas funções mantinha-se funcionando adequadamente, ainda assim, existia certa dor presente na queixa do paciente.
Sigmund Freud 
(1856-1939)
Entre 1892 e 1899, Freud desenvolveu uma serie de ensaios que juntos formam as Primeiras Contribuições à Teoria das Neuroses e nessa obra designou a ordem patológica que percebia em seus pacientes, o nome de neurose e nesse caso, mais especificamente, histeria de conversão. Algo que existia na dimensão do psíquico, mas se manifestava no corpo.


Ainda hoje essa visão de Freud nos serve como um excelente instrumento para pensar. É indiscutível o fato de que a dor quando aparece no corpo, por ser fisicamente perceptível, convence com maior facilidade, a nós mesmos e também ao outro. Por outro lado, quanto à dor é psíquica, está na ordem do não sensorial, assim, não pode contar com os órgãos dos sentidos para confirmá-la e fica dessa forma, desacreditada.

Dificilmente o funcionário de uma empresa conseguiria convencer seu chefe com a justificativa de que não foi trabalhar por estar angustiado. Mas, quando a manifestação passa a ser somática, ou seja, quando o corpo dá sinais claros de que se está doente, aí sim o outro se convence disso. Entretanto, o serviço prestados por um funcionário angustiado é imensamente mais danoso do que sua ausência temporária.

Ausência essa, necessária para que se possa reconhecer o conflito que ocorre em seu mundo interno. Uma guerra que se trava de forma interna, mas que ameaça transbordar os limites emocionais do eu psíquico e manifestar-se no corpo físico. Naturalmente, certo conflito entre um medo e um desejo. Uma ordem de conflitos que pode promover severas perturbações no funcionamento mental. Isso pelo fato de que o medo é filho do desejo.


Freud em seu “Esboço de psicanálise”, publicado em 1940:


Sigmund Freud 
(1856-1939)

“Os sintomas das neuroses, poder-se-ia dizer, são, sem exceção, ou uma satisfação substitutiva de algum impulso sexual ou medidas para impedir tal satisfação, e via de regra, são conciliações entre as duas, do tipo que ocorre em consonância com as leis que operam entre contrários, no inconsciente.” Pg. 199




Sem poder tornar-se consciente desse conflito, o sujeito vive certa batalha inconsciente que acaba por revelar-se nos vínculos. Onde adota certa prática especial nas relações. Passa a odiar como forma de distanciamento daquilo que na realidade tanto deseja. Apresenta assim um quadro obsessivo, de forma que se envolve cada vez mais com algo que na realidade evita compulsivamente.
Ou, por outro lado, movido pela culpa, torna-se subserviente á aquele do qual odeia tanto. Essa culpa quando em sua ultima consequência, pode sofrer certa conversão no nível orgânico e somatizada passa a representar-se numa patologia no corpo, ou seja, uma doença física. Isso porque o sujeito pode encontrar nessa doença física uma maneira de se auto punir. Agora fisicamente doente pode convencer o outro, assim como convencer-se a si mesmo do seu sofrimento.
Abre-se então a eterna e inexorável batalha entre o amor e o ódio: enquanto um ocupa o topo da consciência, o outro se mantém velado, numa forma latente, mas ainda assim, extremamente ativa e definindo “escolhas” na vida do sujeito. Mobilizado na impossibilidade pela proibição de integrar amor e ódio, o conflito provoca sintomas de inúmeras formas. Um processo gerado por uma vivência especial, onde àquilo que foi proibido de desejar (odiar) se torna justamente o que faz nutrir o maior desejo (ódio) inconsciente. Desejo que por ser inconsciente, amiúde é impulsionado para a ação de efetivação. Entretanto a concretização esbarra na proibição desse mesmo desejo, justamente onde é gerado o medo.


Mas, apesar do volume do impulso que impele à ação de consumação do desejo, aquilo que pode realmente apaziguar o conflito se encontra na dimensão do reconhecimento desse desejo e não da prática da ação. O reconhecimento do sentimento é o que induz o pensar e não é novidade o fato de que isso coincide justamente com a capacidade de adiar a ação. Mas ainda assim, o reconhecer é assustador. Isso por se tratar de um movimento interno que leva a abrir mão da satisfação do prazer que se encontra na efetivação da ação. A psicanálise nos ensinou com muita clareza que pensar é desistir da satisfação imediata, que apesar de ser prazerosa, é exatamente a responsável pelo conflito.

A proposta de considerar a dimensão do lado desconhecido da mente deve partir de certa experiência de humildade, na consideração da própria ignorância presente nas dores da alma.




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Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17-30113866
renatodiasmartino@hotmail.com
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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

INCAPACIDADE DE SENTIR A FALTA

Então, passamos a existir no mundo a partir de certa condição básica onde nos é possível nos responsabilizar por ele. Sendo capazes de nos responsabilizar por nos mesmos, estamos então qualificados a nos responsabilizar por aquilo que está para além de nós, no mundo externo. E é dessa forma que vamos nos tornado reais, ou pertencentes daquilo que chamamos de realidade.

 

Quando se adquire o status de ser real, inclui-se também a condição de falível, passível de falhas, ou ainda, responsável por faltas. Então percebemos que esse processo que conduz a capacitação da responsabilização e então a realização, está intimamente ligado a experiência da falta. Dentro de certa perspectiva saudável do funcionamento mental, somos conduzidos a identificar as faltas e nos responsabilizar por isso. É essa a função mental que fundamenta a possibilidade de nos tornarmos reais.

Concomitantemente com a tomada de consciência da falta, o “eu” sofre a experiência da integração. Passa e ser mais completo e adquire maior autonomia sobre suas escolhas. Isso por reconhecer-se a si mesmo, também em suas limitações e se propondo, a partir daí, a expansão das habilidades e de suas possibilidades.


Para aquele que se aventurou, mesmo que brevemente nos estudos do desenvolvimento do pensar, não é novidade alguma que o bebê aprende a pensar justamente na ocasião da ausência da mãe. Isso se dá quando o instinto de nutrição na forma primitiva da pulsão, o incomoda e por alguma razão a mãe não pode estar prontamente à disposição. Iniciam-se então tentativas imaginativas ou alucinatórias quanto a essa experiência. O bebê tenta imaginar o que poderia acontecer para que aquele desconforto (gerado pela fome) do qual sua capacidade primitiva ainda não permite compreensão, seja extinto.

Dentro desse ensaio, quando o bebê pode ser capaz de recordar experiências suficientemente boas com a mãe (real), para que seja possível sustentar essa falta, abre-se então a possibilidade daquilo que chamaremos aqui de pensamento simbólico. A falta é assim, sustentada por um símbolo, que servirá de amparo até que o objeto desejado (a mãe real) retorne. A partir de certa experiência que confirma a mãe na realidade, passa-se a tolerar com maior capacidade os períodos de sua ausência.
Logo, a função simbólica é o que qualifica o grau de maturidade emocional, pois é a capacidade de tolerar a falta da mãe da qual se intuiu real. Isso não qualifica apenas para enfrentar a ausência materna na primeira infância, mas serve como um modelo de simbolização que evoluirá na função de tolerar todas as faltas que permearão a vida daquele que busca se tornar real.

Para o psicanalista Wilfred Bion (1897 – 1979), “A incapacidade de tolerar frustração poderá obstruir o desenvolvimento dos pensamentos e da capacidade de pensar” (Bion [1952], 1994, p. 131). Bion apoia que o bebê começa a pensar quando se torna capaz de toleras a falta da mãe.

Wilfred Bion (1897 – 1979)

“se a capacidade de tolerar a frustração for suficiente, o não-seio se transforma em pensamento, e desenvolve-se um aparelho para “pensá-lo” (...) A capacidade de tolerar a frustração, portanto, possibilita que a psique desenvolva o pensamento como um meio através do qual se torna mais tolerável a frustração que for tolerada” (Bion [1952], 1994, p.129).


No entanto, na incapacidade de simbolizar, o sujeito fica preso à confirmação compulsiva da realidade. Isso ocorre por não cofiar na experiência que pode ter com a realidade. Vê-se então, impelido a se certificar repetidamente se ainda existe. Mesmo sendo adulto o sujeito revela uma forma de se vincular com o mundo, com a configuração primitiva de um bebê, que se desespera quando precisa da mãe e não pode confirmar sua presença. Ou ainda pode, em casos mais severos, de maneira psicótica, desistir definitivamente desta mesma realidade. Através de recursos narcisistas, desvaloriza a realidade e se aprisiona dentro de si mesmo.

Talvez por esse motivo o ser humano venha se dedicando tanto a desenvolver recursos para se manter a maior parte do tempo acreditando na ilusão de que nada pode ser perdido realmente. Acreditando nisso, muito pouco ou quase nada se dedica a desenvolver a capacidade de suportar a situação de perda, ou de tolerar faltas.

Desenvolve métodos avançadas para tentar dar conta da criação de meios para que não se sinta a carência de ninguém e não sinta a falta de nada. Através de tecnologias aperfeiçoadas, cria aparelhos que o mantém interligado constantemente com o outro, para que não sinta que está distante, ou esqueça que perdeu.
Na medicina, cria técnicas de cirurgias plásticas cada vez mais eficazes para afastar a verdade de que seu corpo está perdendo a juventude e decaindo com a idade.
Por meio de medicamentos psiquiátricos também simula uma sanidade para afastar a realidade de seu desequilíbrio mental. Isso quando não despreza experiências fundamentais e num funcionamento esquizofrênico desvaloriza aquilo que na realidade nunca pode ter. Desdenha justamente por nunca ter vivido. Vínculos fundamentais como os com a mãe, ou com o pai, perdem o valor. Na realidade essas figuras fundamentais nunca estiveram ali, perder o que (ou quem), então?


Esforçando-se então no intuito de uma tarefa danosa ao funcionamento saudável da mente, ele busca soluções para construir uma pseudo-realidade onde não se perde mais nada e também não se sente mais falta de ninguém.





Bion,W. R. [1952]. Uma teoria sobre o pensar. In: Estudos psicanalíticos revisados – Second thoughts. Rio de Janeiro: Imago, 1994.


Martino, R. D. Para Além da Clínica. São Paulo: Inteligencia 3, 2011.
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