quinta-feira, 14 de junho de 2012

A APOSENTADORIA E O REENCONTRO COM O VERDADEIRO EU

O guerreiro que finalmente tem o direito de se livrar da armadura pesada. Coloca sua indumentária posta à sua frente e senta-se questionador de si mesmo.
Nascemos e logo passamos a abandonar o que somos para aprender a sermos aquilo que esperam que sejamos. Muito cedo a criança começa a perceber aquilo que os pais (ou aqueles que se encontram nessa função) desejam dela e assim, inicia um doloroso processo de tornar-se isso.
Isso toma uma proporção extrema quando nos lembramos de que vivemos numa época onde as creches são autorizadas por lei a receber crianças com poucos meses de idade. Assim, colocando-nos enquanto humanos, como a única espécie de animal que entrega sua cria, ainda muito vulnerável, aos cuidados de um desconhecido.
Bem, engana-se aquele que pensa que ao nos tornarmos adultos concluímos esse mesmo processo. Na realidade, crescemos com muitas dúvidas sobre quem realmente somos, pois isso se confunde com aquilo que o outro nos "sugeriu" ser, ou mesmo exigiu que fossemos, pois lhe traria algum benefício.
O sujeito nunca sabe muito bem diferenciar aquilo que ele ouve daquilo que realmente houve, e a criança, então se perde dentro da “educação”, muitas vezes sem poder contar com respeito algum, mas que ainda assim, lhe é imposta durante seu desenvolvimento. Quase sempre guiado por adultos incapazes da tarefa de cuidar, munidos de razões hipócritas ilustradas em frases como; faça o que eu falo, não faça o que eu faço.

Dessa forma o sujeito torna-se adulto e deve então escolher sua profissão. A busca de um caminho profissional que, pelo menos a priori, deveria ser uma extensão do “eu”, logo, adequado com sua essência. Entretanto, sabemos o quanto isso é raro. Mesmo quando se tem a sorte e a habilidade de encontrar e desempenhar a profissão, de maneira muito boa, ainda assim temos que nos equipar de uma carga enorme de características falsas no desempenho profissional.
Assim como nos propõe Donald Woods Winnicott (1896 —1971), importante pediatra e psicanalista inglês, somos constituídos psicologicamente por duas partes. O eu verdadeiro, que carrega a essência do sujeito e o falso eu, que deve existir para proteger o verdadeiro.

Raramente podemos expor nosso verdadeiro eu que é essencialmente frágil e sensível, no ambiente de trabalho, que é por natureza, tóxico quanto a sentimentos e emoções narcisistas. Dessa maneira, como certo recurso defensivo, vamos gradualmente e sem nos darmos conta disso, agindo pelo falso eu. E nos apresentando para o outro com essas características, o convencendo de que somos realmente isso.
Ora, a questão não é nada simples, na medida em que, quando somos verdadeiros nos machucamos, quando nos protegemos muito acabamos por ofender o outro. Passamos a vida tentando achar um equilíbrio nesse conflito inexorável.

Dessa forma, depois de uma vida de trabalho o sujeito aposenta-se. Como um guerreiro que retorna da batalha. Pelo menos profissionalmente o sujeito está isento de sustentar as estruturas pesadas do falso eu. Pode agora, aliviar-se do peso de sua existência e gozar da possibilidade de viver o verdadeiro eu.
No reencontro com o verdadeiro eu, é muito importante que se possa contar com um ambiente seguro e acolhedor. Quando isso não ocorre, pode haver a manifestação de formas antigas e infantilizadas de funcionamento mental, que foram fixadas em fases anteriores do desenvolvimento emocional e afetivo. Na situação onde o sujeito perceber-se desprotegido e inseguro, o verdadeiro eu, sem a ‘casca’ do falso eu defensivo, se manifesta de forma imatura.
O sujeito que julgava se conhecer, agora, contando com certo ambiente acolhedor tem a chance de reconhecer-se.



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