A figura paterna é para
a psicanálise freudiana elemento central por configurar-se naquilo que deve
estruturar a personalidade do sujeito.
“Não consigo pensar em nenhuma
necessidade da infância tão intensa quanto a da proteção de um pai.” (Freud, em
O MAL-ESTAR NAS CIVILIZAÇÕES, 1930). A importância paterna é indiscutível mesmo
no senso comum se pensarmos que uma mãe precisa se sentir segura o suficiente
para cuidar dos filhos de maneira bem sucedida.
“Um modelo muito
interessante é o da formação da natureza, onde a fêmea prenha busca um local
seguro para se aninhar e receber seu filhote. Nesse momento contará com o
resguardo do macho que a protegerá das ameaças externas e proverá recursos para
que ela se ocupe em assegurar as melhores condições possíveis para o
desenvolvimento deste que nasce. Uma fêmea sem esse resguardo nunca poderá
cuidar do que precisa ser cuidado.”. (Martino, em PRIMEIROS PASSOS RUMO À
PSICANÁLISE, 2012).
Nos grupos de primatas
mais evoluídos, como é o caso dos chimpanzés que compartilham de 98 a 99 % de
DNA com os humanos, existe uma clara estrutura de liderança do macho mais
velho, que oferece proteção às fêmeas e aos machos mais jovens. No entanto, na
raça humana o papel do pai nas famílias parece estar sofrendo severa transformação,
especialmente nas últimas décadas. Existe uma decadência muito clara da
presença paterna nos lares que parece, a cada dia, ameaçada de extinção. Isso
fica evidente tanto através da prática clínica quanto na vida cotidiana. Falo
aqui deste mesmo humano que vem ameaçando de extinção também o chimpanzé, assim
como outras espécies de animais.
A ausência do
referencial masculino pode acarretar inúmeros prejuízos que por mais que sejam
ignorados pelo olhar social, ainda assim se pronunciam diante de nossos olhos
desde a dificuldade de definição da sexualidade até nos casos de delinquência.
Essa ausência pode tornar a criança aversiva às orientações dos adultos, tanto
de representantes femininos quanto masculinos. Com isso pode se tornar um
adulto que não consegue se adaptar às regras básicas de convívio, interpolando
as duas posições: ora subserviente, ora revoltado com as regras.
Assim como
Melanie Klein (1882 — 1960) bem nos orientou sobre o fato de que, quando a
experiência com a realidade não pode ser vivida de maneira bem sucedida o
sujeito não consegue integrar os objetos do mundo externo que fica dividido em
amável e maldoso. Com isso também a figura paterna ausente fica desintegrada e
segundo Klein: “É preciso uma identificação mais completa com o objeto amado e
um reconhecimento mais completo de seu valor para que o ego perceba o estado de
desintegração a que o reduziu, e continua a reduzir.” (Klein, 1935).
O modelo masculino se
faz essencial na formação e estruturação da personalidade da criança e é desse
referencial que angariará recursos para elaboração de complexos importantes no
funcionamento psíquico. A ausência desse modelo pode dificultar a capacidade de
estabelecer parâmetros de relacionamento que podem obstruir a capacidade de
vinculação saudável na vida adulta. Ainda que este modelo possa não vir
necessariamente do pai biológico é importante que essa outra figura masculina
não seja um avô, um tio ou qualquer outro parente consanguíneo, já que a
importância dessa figura está ligada aos processos edípicos. Esse homem
representará a imago daquele que vem possuir a mãe e com isso libertar a
criança do risco do incesto. Assim, essa figura deve encontrar-se num namorado
da mãe que seja afetuoso e presente, ou um aspirante de padrasto, por exemplo.
“O estabelecimento de
limites é característica central da presença emocional paterna. É do pai a
função de dizer “não”, por exemplo, quando a mãe faz isso é sempre em nome do
pai: “Espera só seu pai chegar!”, entretanto essa definição deve contar com uma
boa dose de afeto. A ausência do afeto nessa experiência resulta na criação de
um funcionamento cruel com ele mesmo.” (Martino, 2013).
Quando esse modelo não
pode estar presente, a criança tem grande dificuldade na identificação e
definição sexual, ou de gênero. A criança que de início vive uma configuração
bissexual buscará na figura paterna uma referencia tanto de identificação (o
que eu sou) quanto de escolha pelo par amoroso (quem eu quero ter) da vida
adulta. Na prática clínica fica claro que pacientes que apresentam “queixas de
impotência sexual, ou quaisquer que sejam as questões que impedem um desenvolvimento
saudável de uma vida sexual e até mesmo, certo casos de homossexualidade, em
sua maioria, carregam históricos extremamente conturbados, no que diz respeito
às vivências de descobertas da vida sexual.”. (Martino, PARA ALÉM DA CLÍNICA,
2011).
Dessa maneira a
presença de ambos os pais é o que permitirá que a criança viva de forma mais
natural possível os processos de identificação e diferenciação, o que em sua
ausência de um deve ocorrer a saturação no papel do outro. Na ausência do pai, por exemplo, ocorre a
saturação da presença da mãe, minimizando e até anulando a personalidade da
criança que quando adulto tanto pode se tornar subserviente a todos, quanto
tornar-se um narcisista arrogante para compensar o sentimento de inferioridade.
“É de extrema importância
que, ao se arriscar nesse abismo chamado bebê, a mãe conte com um alguém
(marido/pai) que mantenha a mão seguramente dada. De outra forma existirá
sempre um grande risco de se perder nesse abismo. A mãe e o bebê se confundem,
e essa importante experiência de discriminação entre um e outro só pode ocorrer
com a entrada de mais alguém (o pai) na relação.” (Martino, em PRIMEIROS PASSOS
RUMO À PSICANÁLISE, 2012).
Quando trato aqui de
presença, ou ausência, quero me referir ao fato de que a necessidade afetiva
paterna está muito além da simples presença física. No entanto essa presença do
pai, que a princípio, deve ser uma ideia no interior da mãe, e assim,
transmitida para o bebê como autoconfiança daquela mãe que se sente segura por
poder contar com seu marido, deve ser sucedida do encontro com o pai físico no
plano sensorial. O bebê carece de ouvir a vós, sentir o cheiro, sentir o toque
daquele que cumpre essa função fundamental na estruturação de sua
personalidade. “Não se pode criar uma imagem interna sem um representante no
mundo externo.”. (Martino, em PRIMEIROS PASSOS RUMO À PSICANÁLISE, 2012).
No início da vida do
bebê ele se relaciona com pessoas e coisas numa forma narcisista de ligação e
isso acontece num processo natural da evolução dos vínculos, se repetindo de
alguma forma, na vida adulta em cada nova relação travada pelo sujeito. A próxima
etapa inclui outra forma de ligação da qual Freud (1856 – 1939) denominou
ligação objetal, onde existe a possibilidade de ligar-se ao outro não mais por
identificação, mas agora levando em conta também as diferenças. “...onde
anteriormente se sentia como uma extensão da mãe, como sendo parte de um só,
numa ligação por identificação.” (Martino, em O LIVRO DO DESAPEGO 2015).
A
psicanálise nos ensinou que o processo de evolução da ligação por identificação
para a ligação objetal deve ocorrer a partir da introdução da função paterna na
relação, que até então era entre dois e agora expande-se na perspectiva da
tríade, requerendo maior capacidade. Existe então uma quebra de narcisismo,
onde se configura impreterivelmente um afastamento entre mãe e a criança que a
partir daí deve começar a buscar novas experiências para além do triangulo.
“Experiência dolorida de se viver! Mas a mãe dedicada cuidará para que o bebê
se magoe o mínimo possível nesse distanciamento e assim possa viver o luto da
relação.” (Martino, em O LIVRO DO DESAPEGO 2015).
Contudo, o desempenho
dedicado da função paterna inclui a capacidade de tolerar o sentimento de
inveja gerado pela atenção da mãe que se concentra na chegada do filho. Ser um
pai realmente presente é uma tarefa que demanda grande dedicação. Não é
simplesmente prover o que se encontra na ordem material, mas consiste em se
colocar presente no apoio e no amparo emocional nessa experiência tão delicado
que é a chegada do filho, assim como a manutenção da vida que brota da união do casal.
Bem, não é só a figura
paterna que parece estar em decadência nos lares, mas a figura materna também
vem se ausentando e a maioria das crianças parece ser hoje criada na melhor das
hipóteses por babás, quando não, crianças com menos de seis meses são deixadas,
muitas vezes o dia todo e todos os dias, em instituições publicas ou
privadas. ...e assim, continuamos a
condenar a criança pela incapacidade do adulto em cuidar de seus próprios
filhos.
Freud, S. 1930. O MAL-ESTAR NAS CIVILIZAÇÔES, em OBRAS
PSICOLÓGICAS COMPLETAS - Edição Standard Brasileira, IMAGO (1969-80)
KLEIN, M. 1935. UMA CONTRIBUIÇÃO À PSICOGENESE DOS
ESTADOS MANÍACO-DEPRESSIVO. In:____. Amor, culpa e reparação e outros trabalhos
(1921-1945). Rio de Janeiro: Imago Ed., 1996.
MARTINO, Renato Dias. PARA ALÉM DA CLÍNICA. Renato
Dias Martino - 1. ed. São José do Rio Preto, São Paulo: Editora Inteligência 3,
2011.
_____ . PRIMEIROS PASSOS RUMO À PSICANÁLISE, 1. ed.
São José do Rio Preto, SP : Vitrine Literária Editora, 2012.
_____O LIVRO DO DESAPEGO, 1. ed. São José do Rio
Preto, SP : Vitrine Literária Editora, 2015.
_____ SOBRE A FUNÇÃO DO PAI. http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com.br/2013/08/sobre-funcao-do-pai.html
Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17- 991910375
prof.renatodiasmartino@gmail.com
pensar-seasi-mesmo.blogspot.com.br
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17- 991910375
prof.renatodiasmartino@gmail.com
pensar-seasi-mesmo.blogspot.com.br
7 comentários:
Texto excelente
Nossa, rolou uma constatação e descoberta difícil pra mim... Ao mesmo tempo tão acalentadora essa leitura. #gratidão 🙏
Bravíssimo
GOSTEI MUITO DESSE ARTIGO É MUITO BOM, COMPLETO E BEM EXPLICADO PARABÉNS PROFESSOR CONTINUE POSTANDO.
Obrigado por está aula,aprendi mais um pouco, muito esclarecedor, excelente texto.
Sensacional
Excelente texto! Existe alguma estratégia para ajustar essa perda sigficativa em um adulto masculino ou o mesmo está condenado às consequências de tal falta?
Postar um comentário