sábado, 22 de novembro de 2025

TOLERÂNCIA AO SILÊNCIO DA SATURAÇÃO AUDITIVA - Prof. Renato Dias Martino


TOLERÂNCIA AO SILÊNCIO DA SATURAÇÃO AUDITIVA - Prof. Renato Dias Martino

DÁ ATITUDE À PALAVRA

No início da vida, o bebê não tem a capacidade, não tem a habilidade da fala. Ele não consegue atribuir às coisas um nome e verbalizar este nome. Então a gente vai chamar essa etapa do desenvolvimento do bebê de pré-verbal. Então, os gestos vão guiar as comunicações. Quando ele começa a conseguir verbalizar, quando ele começa a adquirir a habilidade da fala, ele tem uma fase verbal, se comunica através da fala. Posteriormente, a gente vai ganhar uma outra amplitude ou ampliação nas relações onde se resgata o gesto, mas não por conta de uma inabilidade do uso da palavra, mas porque esta palavra passa a ser desnecessária. E a gente começa a se relacionar muito mais através das atitudes, dos gestos, do que daquilo que a gente fala. Aquilo que a gente fala diz muito menos do que aquilo que a gente está tendo como atitude. Porque muitas vezes a gente fala uma coisa e tem uma atitude contrária à aquilo que a gente está falando.

SILÊNCIO 

Quando a gente está falando de uma etapa pós-verbal, o silêncio fala muito mais do que as palavras. A capacidade de tolerar o silêncio é muito mais importante do que verbalizar. O gesto vai dizer, a atitude vai dizer e vai dizer de uma forma que a palavra não consegue expressar.

CONCEITO UNÍVOCO

Na fase verbal, a gente tem a capacidade de transformar algo num som. Se você está com sede, você pode comunicar ao outro esta necessidade de água com uma breve e simples palavra. A palavra passa a ser o conceito que representa a água. E este conceito precisa ser universal, precisa ser unívoco para que ele possa abranger a todos na medida em que você tem necessidade ou na medida em que você tem a demanda daquilo que você está verbalizando. 

O QUE OUVE E O QUE SE OUVE

Muitas vezes a intuição está te dizendo alguma coisa que é o contrário daquilo que você está ouvindo do outro. Muitas vezes o outro está dizendo alguma coisa e a sua intuição diz que ele está pensando o contrário daquilo, mas na maioria das vezes a gente dá muito mais crédito a aquilo que o outro está falando, desmerecendo a nossa própria intuição. Ah, mas você falou aquilo. Pois é, ele falou aquilo, mas você estava sentindo outra coisa. Mas você desmereceu aquilo que você estava sentindo, acreditando naquilo que ele estava falando. A gente aprendeu a desmerecer aquilo que a gente sente em nome daquilo que a gente sabe. A gente aprendeu a valorizar o que a gente ouve e desvalorizar aquilo que realmente ouve. 

O QUE E O COMO

Qualquer coisa que eu venha comunicar ao meu paciente, precisa estar irrigado de respeito, de amor, de consideração. Eu posso comunicar qualquer coisa para o paciente se estiver irrigado desses alimentos. Então, não é o que eu vou dizer ao meu paciente, mas é como eu vou dizer ao meu paciente. O “como” transforma o “o quê”? 

PENSAR E INTUIR 

Pensamento é uma experiência de avaliar aquilo que eu tenho da realidade. É pesar. Então, eu tenho duas medidas. eu recebo alguma coisa da realidade e eu peso aquela coisa em relação a uma outra coisa que eu já tenho. Então isto é pesar, é pensar. Pera aí, deixa eu pensar. A intuição não passa pelo pensamento. A intuição é um sentimento que te diz alguma coisa. Você sente alguma coisa em relação àquilo que você tem da realidade. Então não tem a ver com pesar. Eu posso até depois pensar sobre a intuição, mas a intuição vem, brota de dentro. Intuir é interno e aí é sempre a palavra mais fiel em relação à realidade, mais do que eu pensar.

CURA PELA FALA

A psicanálise tinha essa ideia e a Ana O deu esse nome para psicanálise de talking cure. De cura pela fala. Mas hoje a gente olha para essa denominação que a Ana deu para a psicanálise. E tem duas coisas complicadas aí, porque hoje a psicanálise não fala mais de cura. E hoje a psicanálise está muito para além da conversação. Hoje a psicanálise é uma psicanálise de acolhimento, de atitude. O psicanalista precisa ser um sujeito de atitude, não um sujeito que fala. Não sujeito que ouve, mas um sujeito que tem atitudes de acolhimento. É muito mais do que falar, é muito mais do que ouvir. O Bion vai trazer, posteriormente a ideia de que a psicanálise não é não promove cura, mas promove uma procura, uma procura constante da verdade. Mas eu preciso ter coragem de dizer que não, a psicanálise não é, não busca nada. A psicanálise verdadeira não está em busca de nada. Não pode buscar a verdade. A verdade não pode ser buscada. A verdade precisa ser revelada. E a verdade vai ser revelada na medida em que o sujeito seja capaz de renunciar das suas ilusões. Quando você renuncia das suas ilusões, a verdade aparece por si só. Você não precisa ficar perseguindo, buscando. Quando você busca alguma coisa, você cria nesta coisa uma tendência de fugir.

FIGURA PATERNA

O Freud, por ser homem e pai de família, carregava essa figura paterna como central na geração da transferência. Então, o sujeito que vinha buscar psicoterapia, psicanálise com Freud, tinha uma propensão muito grande de projetar elementos da figura paterna. De alguma forma, ele ia buscar elementos paternos, elementos da função paterna que podiam ter falhado no seu desenvolvimento.

PRÉ-VERBAL

A criança se comunica com a mãe de maneira pré-verbal, através de gestos. Ela ainda não sabe falar, mas a mãe já está se comunicando com ela através de gestos e isso se configura numa linguagem pré-verbal. A mãe percebe a vontade do filho antes que o próprio filho possa reconhecer isso. Por isso, não há necessidade da palavra na relação mãe e bebê, porque ela está tão ligada a ele que as necessidades dele passam a ser necessidades dela também. Só aos pouquinhos isso vai se “desfusionando”, por assim dizer. 

A ENTRADA DO PAI 

De maneira saudável o desenvolvimento da fala vai coincidir com a entrada do pai. Não é raro a criança que aprende falar papai antes de aprender falar mamãe. A mãe fica o dia inteiro com a criança, a criança não fala nada. Quando o pai chega, ela fala: "Papai" e a mãe fica toda enciumada. Mas na realidade a relação que ela tem com a mãe é pré-verbal, não precisa falar, mas com o pai precisa. Usualmente a criança que não tem a presença paterna tem maior dificuldade de desenvolver a habilidade da fala, porque ela aprende a falar essencialmente para se comunicar com o pai, porque com a mãe ela não precisa.

UNIDADE MÃE BEBER

Lembrando que nós estamos falando aqui da mãe suficientemente boa. Nós estamos falando da mãe dedicada comum, da qual Winnicott vai chamar mãe e bebê, não de duas pessoas, mas de uma unidade.

AMBIENTE EMOCIONAL

Por que que a gente intitula a Melanie Klein como segundo nome mais importante dentro da psicanálise? Porque ela trouxe essa perspectiva materna para a prática clínica e ela vai configurando esta prática clínica dentro da perspectiva pré-verbal, onde o Freud tinha essencialmente uma prática verbal, interpretações verbalizadas. Com Melanie Klein, isso vai se transformando, abre-se a possibilidade de se transformar numa psicanálise muito mais ambiental do que interpretativa. Então, o ambiente fala mais do que as palavras.

PARA ALÉM DE FREUD

O Freud deu tudo aquilo que ele podia dar e com excelência, mas ele partiu de um princípio onde outras pessoas vieram para colaborar e expandir. E a Melanie Klein fez isso com excelência. Depois o Bion e o Winnicott fizeram mais ainda porque tiveram essa base. Quando a gente fala da psicanálise do Winnicott, a gente fala da psicanálise ambiental, de uma maneira bem efetiva no modelo da mãe ambiente. Quando a gente fala da psicanálise bioniana, então a gente está falando de uma psicanálise continente. E hoje a gente pode desfrutar disso tudo e dizer assim: "Nós temos a psicanálise do acolhimento”, que é mais um passo.

ATITUDE

Quando a gente fala de uma fase pré-verbal da criança, ou seja, quando ela ainda não desenvolveu a fala, isso quer dizer que ela é capaz de perceber as atitudes muito mais. Muitas vezes o adulto está falando alguma coisa, mas a atitude dele não condiz com aquilo que ele está falando. E a criança percebe a atitude porque ela não consegue decodificar a fala, porque ela vai perceber dentro da perspectiva da atitude. E isso é um grande problema, porque o adulto já se convence com as palavras. Mesmo que essa palavra não esteja sendo condizente com atitude, a criança não.

SATURAÇÃO

Quando a gente fala de saturação, a gente está falando de algo que acomete o aparato sensorial. Nós vivemos com um aparato sensorial extremamente saturado. Quando a gente olha para alguma coisa, na verdade a gente não está tentando ver alguma coisa nova, mas a gente está tentando encaixar isso que a gente está vendo naquilo que a gente já viu anteriormente. O nosso aparato sensorial da visão está saturado. Quando a gente ouve alguma coisa, a gente busca ouvir alguma coisa que a gente já ouviu, porque o nosso aparato sensorial auditivo está saturado de algo e busca apenas repetir aquilo que já está saturado. O nosso conhecimento também já está saturado. Então, quando a gente diz que está tentando saber alguma coisa, na verdade a gente está tentando encaixar isso que a gente está percebendo naquilo que a gente já sabia.

PALAVRA COMO SÍMBOLO

Quando a gente trata de um verbo, de uma palavra, nós estamos falando de um símbolo. Nós estamos falando da possibilidade de simbolizar alguma coisa ou alguma experiência em um som, em um vocábulo, em algo que a gente está dizendo. Esta palavra é um símbolo que representa alguma coisa ou alguma experiência. O Freud não acreditava que um sujeito que tivesse a predominância psicótica da mente pudesse ser tratado pela psicanálise, porque na realidade ele a fala como principal elemento terapêutico, por assim dizer. E se a fala é um símbolo, o maior problema do sujeito que tem a predominância psicótica da mente é justamente o de simbolizar. Então, as palavras teriam muito pouco efeito dentro da psicoterapêutica, psicanalítica.

PARA ALÉM DA PALAVRA

Uma psicanálise profunda precisa ir para além da palavra. Ela precisa ser capaz de acontecer antes da palavra e continuar acontecendo depois da palavra, dentro de uma atitude. Ela se dá em atitudes. Ela se dá através da capacidade do analista de acolher o paciente na sua atitude, mais do que das palavras, mais do que nas interpretações verbais, mais do que acolher aquilo que o paciente diz, mas aquilo que o paciente está sendo. 

PARTE PSICÓTICA

A psicanálise da parte psicótica da mente ou a psicanálise do sujeito que tem a predominância psicótica na mente não se dá através da fala, mas se dá através de uma experiência pré-verbal. E isso tem muito a ver com a função materna, com a maternagem. Logo, o psicanalista precisa desenvolver fatores da função materna para que ele possa estender a sua psicoterapêutica aos pacientes que possam trazer uma parte proeminente psicótica da mente ou ainda, o psicanalista que possa abranger a parte psicótica da mente, mesmo no sujeito que não tenha esta predominância.

PATOLOGIA

Para a psicanálise, tudo aquilo que pode ser chamado de patologia tem a ver com partes da mente que não se desenvolveram. uma patologia da mente pela ótica psicanalítica são pedacinhos da personalidade que não conseguiram se desenvolver junto com o todo, junto com a personalidade total. Então, pedacinhos foram ficando fixados e esses pedacinhos quando se manifestam se manifestam de maneira incongruente com o todo, logo apresentam sintomas que são vistos como patológico. Até um sujeito dito maduro que apresente características que possam ser vistas psicologicamente como patológicas são características que estão vinculadas ou associadas a partes da personalidade que ficaram fixadas em fases anteriores e não puderam se desenvolver. 

WINNICOTT E BION

A partir das intuições klainianas, se desenvolve dois pensadores extremamente geniais, o Winnicott e Bion. O Winnicott vai trazer o conceito de holding e o Bion vai trazer o conceito de rêveri, enquanto o holding é um fator da maternágem, segundo o Winnicott, rêveri é um fator da função alfa e a função alfa também é um integrante da ação ou da função materna. Qual é o intuito do fator holding da função materna? O da integração. Quando a mãe pratica o holding com o bebê, ela propicia a integração emocional do bebê. O bebê é por si só desintegrado, assim como a Klein colocou quanto à posição esquizoparanóide, o bebê é cindido e a partir da ação do holding, que em inglês é abraçar, ele vai se integrando numa personalidade total. E o holding não é praticado pela palavra, até porque o bebê não pode entender a palavra. A palavra infantil quer dizer que não é capaz de falar. IN, que é não, dentro do latim e FANTE, que é falar. Apesar de que uma fala mansa e delicada faz parte da ação de maternagem. 

MANUSEIO

O corpo do bebê é desintegrado. A moleira do bebê é aberta. O crânio não tem ainda a fusão das duas partes da calota craniana. Uma outra ação materna que o Winnicott vai nos trazer, além do holding, é o handling, que é o manusear o bebê. Com as mãos da mãe, a mãe vai propiciando que o bebê vá se integrando de maneira corpórea. Ele vai percebendo cada parte do corpo e essas partes do corpo vão se integrando umas às outras. 

INTUIÇÃO MATERNA

A mãe só pode dar para o seu bebê aquilo que ela teve. Se ela não recebeu, ela não tem como dar para o bebê. De alguma forma, ela precisa ter recebido. E se ela recebeu, aí é papel da intuição orientá-la como fazer com o bebê. Uma mãe que não foi bem cuidada enquanto bebê, dificilmente vai conseguir cuidar do seu bebê. E esta mãe que foi bem cuidada enquanto bebê, a partir do seu aparato intuitivo, ela vai ser orientada como cuidar do seu bebê. É isso que a gente chama de intuição materna. 

CAPACIDADE E CULPA

É um grande absurdo culpar alguém por algo que ele não é capaz. E é maior absurdo ainda culpar a si mesmo por algo que você não está sendo capaz. Por isso a culpa é um grande absurdo, porque se o sujeito não fez alguma coisa adequadamente, é porque ele não deu conta de fazer. Não existe escolha. Se houvesse escolha, ele faria adequadamente, seja porque ele percebeu que fazer inadequadamente iria trazer para ele um grande prejuízo, ou porque a conduta dele realmente é saudável. Mas não existe escolha. A gente faz aquilo que a gente dá conta de fazer, na melhor das hipóteses, depois a gente vai tentar reparar aquilo que não foi adequado. 

O EMOCIONAL E O COGNITIVO

A gente tem um aparato cognitivo, mas paralelo a isso, a gente tem um aparato emocional. Este aparato emocional, ele funciona paralelamente ao cognitivo. Dificilmente uma dimensão está vinculada à outra. Muitas vezes o cognitivo funciona de uma forma e o emocional de outra forma completamente distinta. Então, quando a gente fala de uma mãe que está com bebê chorando e muitas vezes chorando compulsivamente, a gente está falando de uma pessoa junto com outra pessoa desesperada. Por mais que o aparato cognitivo diga para ela que aquilo é simplesmente um choro de bebê, o aparato emocional está ligado a um desespero. Por mais que aquilo que ela venha a saber, por mais que o conhecimento dela diga alguma coisa, o funcionamento emocional dela está apontando para uma manifestação desesperada de outra pessoa. O bebê quando chora, ele está desesperado. E isso gera na mãe uma grande insegurança.

 FUNÇÃO ANÁLOGA

A função alfa é aquilo que faz com que a mãe receba o conteúdo caótico do bebê, que o Bion chamou de elementos beta, e transforme em elementos alfa, ou seja, em elementos que possam se ligar uns aos outros e devolva ao bebê. Nós não fazemos isto enquanto psicanalistas. O psicanalista não exerce a função alfa, mas ele exerce uma função análoga à função alfa. Por quê? Porque o paciente que ele recebe é adulto, porque ele não recebe elementos beta do paciente. O que ele recebe do paciente são desdobramentos da impossibilidade de elaboração dos elementos beta. Já não são mais elementos beta. Elementos beta são elementos puros, de necessidade, que nunca tiveram qualquer contato com o mundo externo. E na clínica a gente não recebe isso, mas a gente recebe um elemento análogo ao elemento beta. E vamos exercer uma função análoga à função alfa.

O CAMINHO

Não é função do psicanalista mostrar o caminho para o seu paciente. O caminho do paciente só ele vai conseguir encontrar quando ele estiver integrado. Quando ele estiver integrado, ele vai intuir o seu caminho, o único caminho, o caminho saudável, o caminho da vida, da verdade. Só o paciente vai poder intuir isso. O analista nunca vai conseguir fazer isso por ele, porque o caminho é do paciente. O caminho do analista é outro. O que o analista pode é estar junto do paciente para propiciar um ambiente para que o paciente possa se integrar e se sentir seguro bastante para acreditar na sua intuição, que dirá para ele o caminho que é um só. “Quando o sol bater na janela do seu quarto, lembra e vê que o caminho é um só”, já dizia o Renato Russo. Mas se abrem inúmeros outros caminhos ilusórios, alucinatórios, convidativos, sedutores. E isto confunde o sujeito que não está integrado. Cada pedaço dele quer ir para um caminho, mas quando ele está integrado, o caminho é um só. 

CONCÓRDIA

Quando a gente fala de um ambiente de concórdia, nós não estamos falando aqui de concordar no nível racional, o que importa quem tá com a razão. Concordar é estar junto de coração. COM-CORDES. E isso vai se dar para além do verbo. Isso vai se dar numa “psicosfera” pós-verbal. Pouco importa o que está sendo dito, se está configurado um ambiente afetivo de concórdia, onde o bem do paciente é o bem do analista, onde o trabalho que está sendo feito ali é de unificação, é de integração, não é um jogo, não é quem sabe mais, não é quem é maior, quem é menor, não é quem é superior, quem é inferior, não é quem é autoridade, não é quem é doutor. 

VERDADE E DISPUTA

Para que a verdade possa emergir, para que a verdade possa ser desvelada, para que ela possa aparecer, não pode haver disputa, não pode haver competitividade. Enquanto houver competição, enquanto houver disputa, a verdade não vai aparecer. A verdade vai aparecer na união dos opostos. É aí que a verdade aparece. E quando eu falo união dos opostos, é quando as partes são capazes de renunciar aos pressupostos cristalizados e saturados. Aquilo que ele tinha como certeza. As duas partes precisam disso. Os dois precisam se propor a pesar novamente, a repesar, a repensar.

FILHA DO SILÊNCIO

A concordância é filha do silêncio, não das interpretações. A concórdia é um desdobramento de um processo silencioso que tolera o silêncio e não fruto de uma falação desenfreada, de uma verborreia, de uma interpretorreia.

DEVOLVER

O paciente começa a falar, o analista já começa a ficar ansioso para devolver alguma coisa pro paciente. Mas devolver o quê? Se nada fez sentido ainda para ser devolvido? Você não tá devolvendo, você tá dando para ele algo que é teu. Então, é importante que a gente seja capaz de ter paciência, tolerância para ouvir o paciente e também abrir espaço para que o paciente possa se ouvir, porque muitas vezes ele também vai exigir que a gente entregue alguma coisa, sendo que nem ele mesmo se ouviu direito.

RESULTADO

O paciente chega desesperado por resultados e você entra na vibração do desespero dele para entregar este resultado. Mas resultado do quê? Você vai fazer igual o psiquiatra faz que ouviu o paciente ali, 10, 15 minutos já receitou um Rivotril? Não, a psicanálise não pode se prestar a isso. A psicanálise precisa ter uma escuta ativa. Escuta ativa. O psicanalista deve ser muito mais capaz de escutar do que de falar. 

TÉCNICA E ACOLHIMENTO

Não existe técnica que possa suprir a incapacidade do analista de acolher. Se o analista não for capaz de acolher, ele pode ser pós-doutorado, ele pode ter o conhecimento que for, a sabedoria que for, não adianta nada. A base de uma boa psicanálise, a base de uma psicanálise verdadeira é a capacidade do analista de acolhimento. E quando ele percebe que ele não está conseguindo acolher, ele precisa ser humilde o suficiente para encaminhar este paciente, porque existe algo nele que está obstruído e não está permitindo que ele possa exercer a sua função de acolhimento. E tudo bem, somos humanos.

ACOLHER

Enquanto psicanalista, você não é obrigado a acolher todo mundo. Ninguém é obrigado a acolher, mas é só a partir do acolhimento que uma psicanálise verdadeira pode ser bem-sucedida. Então, a humildade do analista de perceber que ele não está conseguindo exercer a sua função de acolhimento com um certo paciente, é importante que ele tome a atitude de encaminhá-lo. Ah, mas como ele vai fazer isso? Pois é, aí já é uma questão para ser tratada em supervisão, porque cada caso é o caso e precisa ser olhado de maneira singular.

BARULHO

Se o sujeito convive constantemente num ambiente ruidoso, barulhento, ele não consegue pensar, porque a atenção dele está sempre voltada para fora. E para que você consiga organizar o seu mundo interno, para que você consiga apaziguar o seu mundo emocional, você precisa se direcionar para dentro. A sua atenção precisa se nortear. para o interno. E quando a demanda externa é muito grande, eu não consigo fazer isso. E muitas vezes é justamente com esse intuito que o sujeito está sempre configurado em ambientes barulhentos e ruidosos porque ele tem medo de olhar para dentro. 

FUNCIONAMENTO SAUDÁVEL

Não tem como pretender um funcionamento emocional saudável enquanto inserido em vínculos ou em ambientes ruidosos, barulhentos e auditivamente tóxicos. Isso é perturbador. Então, muitas vezes o paciente chega se queixando de uma desorganização emocional que vai gerar angústias, que vai gerar ansiedades, mas ele está inserido num ambiente ruidoso, num ambiente barulhento, num ambiente poluído auditivamente. Enquanto ele estiver inserido ali, ele não pode, de maneira alguma pretender um bom funcionamento emocional. 

DESINTOXICAR

O vínculo ruidoso, o ambiente ruidoso, ele não é nocivo somente enquanto o sujeito está inserido ali, mas depois que o sujeito se desloca dali ou que o ruído cessa, este ruído vai continuar ecoando na mente do sujeito e vai demorar um tempão para que ele possa se desintoxicar disso tudo e possa conseguir ali um mínimo silêncio, uma mínima paz interior. A gente não está falando só do efeito causado no momento do sujeito que está inserido num ambiente ruidoso, mas a gente tá falando que este barulho externo continua ecoando mesmo depois que o ruído cessa. E para se desintoxicar dessa saturação auditiva, leva tempo e dedicação. Você continua ouvindo isso, principalmente se esse ruído tiver alguma configuração sedutora para o aparato sensorial.

FRAGMENTADO

O sujeito quando está fragmentado, quando não está de acordo consigo mesmo, quando está em conflito consigo mesmo, o ruído externo é muito conveniente porque desloca o olhar que poderia estar sendo voltado para si mesmo, para o mundo externo, para o outro, para o ambiente externo. O silêncio é desconfortável para ele, mas na realidade o conflito já estava acontecendo. Então o silêncio é desconfortável porque faz com que ele volte a atenção para este conflito que já estava existindo. usuário de drogas, o usuário de álcool, o usuário de substâncias, nele também ocorre uma situação muito parecida. O sujeito já tinha um conflito e a substância veio para tamponar, para tampar este conflito. Então, fica parecendo que o problema dele é o uso da substância, mas não é. O problema dele é aquilo que acontecia com ele antes dele recorrer à substância que passou a ser usada compulsivamente. E quando ele suspende a substância, ele tem que encarar aquilo que fez com que ele aderisse à compulsão no uso da substância.

INTEGRAR

Quando o sujeito se integra emocionalmente, quando ele consegue certa integração mínima necessária para funcionar de forma saudável, ele não busca as coisas. as coisas vão se revelando, as situações vão se adequando a ele. Então, se por acaso ele está convivendo em vínculos ruidosos, em ambientes barulhentos, e quando eu falo ruidosos e barulhentos, são ruídos e barulhos que obstruem a possibilidade da reflexão, porque a mente, assim como a água do rio, precisa est calma para refletir. Quando o sujeito está integrado, quando ele começa a ter uma certa integração, ele já não o permite mais estar em ambientes ruidosos e ele acaba se retirando deste ambiente, se afastando desses vínculos que possam ser ruidosos.

DE BEM CONSIGO MESMO

Quando você começa a se integrar e se sentir bem consigo mesmo na sua própria companhia, quando você passa ser o seu melhor companheiro, você passa a não permitir, a não aguentar mais ambientes extremamente ruidosos, cheio de pessoas falando alto, você acaba sendo o estranho, você acaba sendo aquele esquisito. Você acaba sendo esquisito porque você está de bem consigo mesmo, porque você é o seu melhor companheiro. É até um contrassenso, né? 

COISAS NOCIVAS

O sujeito quando tá integrado, o sujeito quando está de bem consigo mesmo, quando existe uma integração no funcionamento emocional, ele não adere a coisas nocivas que possam vir do mundo externo. Ele vai repelir a isso. Ele vai repelir estas coisas olhando para isso como algo que não faz sentido para ele. Mas se ele estiver desorganizado, estas coisas nocivas do mundo externo vão ser muito bem-vindas.

SISTEMA

O sistema se mantém através da desorganização do sujeito. E essa desorganização é oriunda da família desestruturada. Uma família desestruturada produz sujeitos desestruturados, fragmentados, que vão alimentar um sistema caótico, um sistema de ideologias corrompidas, um sistema de diversões permissivas. E isso tudo está ligado ao processo do luto. Impedir o sujeito de viver o luto faz com que o sujeito permaneça desintegrado e aderindo ao sistema. Um sujeito que pode elaborar o seu processo de luto e se integrar novamente depois da perda, ele não adere a estes convites sedutores e nocivos.

 O SAUDÁVEL E O NOCIVO

O silêncio que em certo momento pode ser saudável, em uma outra situação pode ser nocivo, quando é um silêncio conivente para que a situação se mantenha da mesma forma nociva. Quando o sujeito, por conta de uma conveniência, permanece em silêncio para que as coisas se mantenham daquela forma, por medo da transformação. Existe um problema iminente, mas o sujeito, através do silêncio manifesta a sua negação em relação a esse problema não se manifesta, não se posiciona para que possa de alguma forma mobilizar possibilidades para que a transformação possa acontecer. Muitas vezes o silêncio pode ser muito conveniente para aquele que não acredita que possa tolerar o processo da transformação. Então ele se silencia como uma manifestação da negação da transformação. Este silêncio passa a ser obstrutor, porque o sujeito se abstém da atitude necessária para que possa propiciar um ambiente de transformação.

DEBATES INFECUNDOS

Muitas vezes o paciente chega perturbado por alguma questão, irritado ou de alguma forma turbulento no seu funcionamento emocional e ele pode te convidar e até mesmo te seduzir para um debate inútil, um debate infecundo. Muitas vezes ele pode te convidar para esse debate porque na realidade ele não está sendo capaz de olhar para questões desconfortáveis dentro dele e travando esse debate com o analista, ele vai conseguir de alguma forma fazer uma cortina de fumaça para que não apareça elementos que precisam ser pensados e elementos que são desconfortáveis. Muitas vezes o paciente é intelectualizado e ele pode te propor debates filosóficos, conjecturas teóricas e o ambiente da análise não pode se prestar a isso. A função da análise é outra. A função da análise não se encontra no nível cognitivo. Nós não somos professores dos nossos pacientes, nós somos analistas, acolhedores. A dimensão tratada dentro da análise é a dimensão emocional, não a cognitiva.

OUVIR-SE

Mais importante do que a sua interpretação quanto aquilo que o paciente está trazendo, é ele poder se ouvir. Muitas vezes ele te diz alguma coisa e é importante que ele possa ouvir o que ele está dizendo, porque na verdade ele não está dizendo para você, ele está dizendo para ele mesmo. E se você rebate muitas vezes com uma interpretação, ele perde a chance de se ouvir. Ele ouve a tua interpretação e não ouve aquilo que ele disse. Então é muito importante que ele possa se ouvir. E quando a última palavra foi dele, é esta palavra que vai ecoar internamente.

CLIMA DE HOSTILIDADE

Muitas vezes o silêncio na relação com o outro é importante para que o clima de hostilidade não se perpetue. Mas, muitas vezes o sujeito está com um clima de hostilidade dentro de si mesmo. E aí um convite do outro para esta hostilidade vai ser topado na hora. O sujeito vai concordar, o sujeito vai entrar num embate hostil, porque na verdade ele estava sendo hostil com ele anteriormente. E aí, o silêncio perde completamente a influência, porque vira uma disputa, o sujeito vai disputar com o outro algo que está ali sendo debatido, porque na verdade ele já estava disputando consigo mesmo interiormente.

SI MESMO

É importantíssimo que o sujeito esteja em concórdia consigo mesmo para que ele consiga fazer silêncio frente a uma hostilidade. Ele precisa estar de bem de si mesmo. Ele precisa estar junto de coração de si mesmo. Porque o silêncio equivale à solidão. Quando o sujeito faz silêncio, ele está próximo de si mesmo.

REPARAR

Se existe uma função fundamental da psicanálise e sobretudo desta psicanálise que nós tratamos aqui, que nós aprendemos chamar de psicanálise do acolhimento, é reparar o vínculo do paciente com ele mesmo. Qualquer que seja outra questão que possa ser tratada dentro da análise, será um desdobramento desta questão. Reparar o vínculo do sujeito com ele mesmo. O paciente usualmente chega em análise discordando de si mesmo, de mal de si mesmo. E a função do analista é apaziguar esta briga interna, essa disputa interna, essa rivalidade do sujeito com ele mesmo. Porque qualquer outra relação que o sujeito possa ter depende da qualidade da relação que ele tem consigo mesmo.

AMOR-PRÓPRIO

A relação saudável que o sujeito possa ter com ele mesmo não é uma relação onde o sujeito está gostando de si mesmo, onde o sujeito está orgulhoso pelos feitos que ele tenha realizado. Amar não é gostar. O amor próprio não pode estar subordinado a uma tarefa bem-sucedida que ele possa ter cumprido. O amor-próprio não pode estar subordinado a alguma coisa atrativa ou que seja digna de aprovação que o sujeito possa ter feito. Amor próprio é incondicional. Eu me amo, apesar de não gostar de mim mesmo. Eu me amo, apesar de não gostar das coisas que eu estou fazendo. Porque se eu me amar verdadeiramente, eu consigo melhorar e deixar de fazer isso que eu não estou gostando.

DIZER OU ESTAR SENDO

Nós aprendemos a considerar o que o outro está falando e desconsiderar aquilo que o outro está sendo. Mas aquilo que o outro está sendo diz muito mais dele do que aquilo que ele está dizendo.



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