terça-feira, 16 de dezembro de 2025

SOBRE O PROCESSO DO LUTO - Prof. Renato Dias Martino

 

A angústia é o aperto no peito que rege o período do luto. Por vezes transforma-se em ansiedade, mas logo retorna à angústia. É como as ondas do mar: vêm e vão, alternando o estado de humor. 

Quando perdemos alguém que amamos — mesmo que de forma sutil e temporária —, sentimo-nos culpados, como se não tivéssemos cuidado o suficiente daquele vínculo. Mesmo tendo-nos dedicado, muitas vezes de forma integral, mesmo tendo cuidado da maneira mais amorosa e adequada possível, na hora da perda a tendência é ressaltar as possíveis falhas. Não raro, acreditamos que foram elas as responsáveis pelo desfecho. 

O sentimento de culpa divide o sujeito enlutado: uma parte julga e condena a outra. Quando uma parte do eu se volta contra si mesmo, há um enorme dispêndio de energia. A autocondenação deixa a pessoa exausta e, muitas vezes, incapaz de realizar as atividades mais simples do cotidiano. O pior julgamento e a pior prisão acontecem dentro de si mesmo. Ali, o juiz, o réu e o carcereiro são a mesma pessoa.

Ainda assim, a vida segue e se propaga na transformação. 

Alguém poderia propor, então, o ato de perdoar-se a si mesmo. Mas, se concordamos que só fazemos aquilo que, naquele momento, temos capacidade de fazer, perdoar o quê, afinal? Não há o que perdoar. Fizemos o que era possível. Ninguém escolhe falhar intencionalmente; quem falha, falha porque, naquela circunstância, não foi capaz. Se fosse capaz, não falharia — mesmo que, teoricamente, escolhesse fazê-lo. Se não fizemos mais ou diferente, é porque não conseguíamos.

Somos humanos e imperfeitos. É fundamental reconhecer nossa limitação, aprender a respeitá-la e assumir responsabilidade pelas consequências. Todos somos falhos; por isso, no cristianismo católico, pedimos a Nossa Senhora que “rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte”. Somos todos pecadores que tentam, dia após dia, tornar-se pessoas melhores.

Quando exigimos de nós mesmos além do nosso limite real, a caminhada fica ainda mais pesada. Enquanto estivermos integrados — reconhecendo, respeitando e assumindo nossas limitações —, conseguimos seguir tentando fazer sempre o melhor possível. Não há como se tornar melhor nos exigindo do que não está sendo e, menos ainda, do que não foi possível. Pior do que se exigir sobre o que “deveríamos ser” é se culpar pelo que “deveríamos ter sido”. Exigir de nós além do humanamente possível é uma cruel ilusão.

Quando existe um vínculo saudável consigo mesmo e com aquele que já não está mais presente fisicamente, esse sentimento de culpa tende a ir se dissolvendo aos poucos. Só com o tempo vamos reconhecendo que fizemos o que era possível fazer. E há um ponto fundamental: só sentimos culpa em relação a alguém que verdadeiramente nos importa. 

Aos poucos, as lembranças tristes dão lugar às recordações que o coração guarda com carinho — registros de afeto, de presença, de amor. A tarefa maior é aprender a viver sem a presença física de quem tanto amamos.

No processo do luto, o mundo parece perder a cor e o sentido. Ondas de tristeza vêm e inundam o coração, quase nos afogando em angústia. Depois se amenizam, mas logo outra onda chega.

Nesse momento, são exatamente os vínculos afetivos saudáveis que cultivamos que nos devolvem, pouco a pouco, a ligação com a vida. É o cuidado do outro que apazigua o coração e nos despertar para voltarmos a nos interessar pela vida. Por mais paradoxal que pareça, a experiência nos ensina uma verdade profunda: cada perda significativa é também uma oportunidade de nos tornarmos pessoas melhores.


— Como você faria se soubesse que seria a última vez?

— Tenho tentado fazer tudo como se fosse a última vez.









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