quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O Vício e Sua Relação com o Inconsciente

Numa perspectiva clínica, onde o que se busca é a construção de uma relação terapêutica, a interpretação da defesa é muito perigosa se não existir a capacidade de acolher aquilo que foi reprimido. Quando transpomos essa mesma ideia para o âmbito do vício, o mesmo quadro se repete. 
Também nessa situação forçar uma abstinência deve ter como base a capacidade de acolher a emersão daquilo que realmente movimenta e sustenta a compulsão. 
Refletir sobre o vicio então, estaria na ordem de uma simples etapa rumo à reflexão de algo bem maior e de forma alguma pensado até então.


Dentro dessa perspectiva, o objeto do uso da droga, por exemplo, passa a ser percebido como um sinal de certa desorganização anterior a própria adicção á droga e sendo assim, não se pode resolver-se em si mesmo.
Cada um de nós possui certas compulsões, certos vícios, mas por algum motivo alguns se interessam mais, outros menos. São mecanismos de defesa e os mecanismos de defesa são inerentes ao funcionamento mental. Como que uma tentativa de fuga da realidade. No caso das drogas, a busca por uma alteração na percepção dessa realidade. 
Isso pois, por algum motivo a percepção da realidade se torna intolerável. 
Sobre isso, Freud escreve em 1911:

“Com a introdução do princípio da realidade, uma espécie de atividade do pensamento foi expelida (split off); foi mantida livre do teste da realidade e permaneceu subordinada apenas ao princípio do prazer. Essa atividade é o fantasiar.”

Na filosofia grega, o phármakon é descrito como sendo, ao mesmo tempo, logos (razão, força) e “filtro de esquecimento” (cegueira, fraqueza da vontade); “remédio” e “droga”; “contra-veneno” e “veneno”. Para Platão nos seus diálogos, Fedro, phármakon é certa substancia que pode ser remédio, veneno ou cosmético, dependendo do modo como é empregada. 


Na “Alegoria da Caverna” de Platão descreve a “paixão-sensível como cegueira, ignorância do real, em nome de uma vida ‘fantasmática’”, o que em psicanálise aparece como manifestação do imaginário, de modo mais ou menos deformado pelos processos defensivos, a realização de um desejo, um desejo inconsciente”.
Fica claro então, que o foco de nossa pesquisa se desloca da droga em si voltando-se para a fonte da necessidade de fugir da realidade.
Cada vício e cada viciado guardam uma história particular, é em si um sintoma de certa desorganização. 
O uso desmedido do phármakon numa severa incapacidade em tolerar frustrações.
A busca por certa completude. O sujeito tende a desaparecer no que seria o objeto. Tende a se tornar só um corpo que contém o objeto. 
Assim, fica inviável atingir processos mais elevados da mente que permitem o funcionamento do pensar, que necessariamente deve contar com a capacidade de abrir mão de certa cota de satisfação.
“O pensar foi dotado de características que tornaram possível para o aparelho mental tolerar uma tensão intensificada de estímulo, enquanto o processo de descarga era adiado.” ( Freud 1911)
Enquanto o sujeito se encontra sob efeito do phármakon não há o pensar. Só se pensa na falta e a falta não é percebida sob efeito. Quando o efeito passa a angustia volta. 
O phármakon coincide então, com o “Grande Outro”, que acolherá incondicionalmente. A figura poderosa que aplaca todo o desconforto. Na primeira infância é a mãe. Quem sabe mais de mim do que eu mesmo. Aquilo que me explica. 
A completude que conduz ao fim da pesquisa da vida. O objeto coincide com a coisa em si. O sujeito deixa de buscar por imaginar que já encontrou. Deixa-se de ser sujeito, não há o que se escolher. 

FREUD, S. Obras Completas. Standad 14, Londres: Hogarth, 1980.
Platão. (2003). Fédon (M. Ruas, trad.). São Paulo: Martin Claret.
Platão. (2004). A república (P. Nassetti, trad.). São Paulo: Martin Claret.





Prof. Renato Dias Martino 
Psicoterapeuta e Escritor 
Fone: 17-30113866 
renatodmartino@ig.com.br  
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com  

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