Um dia a guerra levou meu pai e eu imaginei que havia vivido
minha pior desventura. Num outro dia a guerra levou minha mãe e então, eu me
senti totalmente sozinho.
O cuidado para com sua cria é característica própria dos animais mais evoluídos. Essa classe de animais garante assim o sucesso das próximas gerações na proliferação da espécie, gerando bons espécimes de sua casta. Entretanto, essa prática parece, cada dia menos frequente na raça humana. E essa falta de cuidado parece coincidir com uma grande incidência de patologias e transtornos mentais, que parecem estar cada dia mais frequente nas catalogações psiquiátricas.
A medicina psiquiátrica tem criado nomes para
os transtornos mentais e os classificam em extensos compêndios de
psicopatologia. Entretanto, a habilidade em diagnosticar uma patologia mental não garante
a capacidade de acolhe-la. Além disso, o que na
realidade é catalogado nessas extensas listas psicopatológicas tem sido o resultado
da incapacidade do ser humano em cuidar daquilo que concebe. Rotula nas páginas
de seus códigos internacionais de doenças, as consequências de sua própria incapacidade
de responsabilização e cuidado por aquilo que gera.
Não é proposta desse texto a de criticar indiscriminadamente
a medicina psiquiátrica ou qualquer que seja a área da saúde, mas é de ciência para
qualquer um que se proponha ser atendido por esse tipo de serviço, que é muito
comum atendimentos e diagnósticos dessa espécie, não passarem de alguns
minutos. Na prática do atendimento em psicoterapia é frequente em relatos de
pacientes que precisam de atendimento psiquiátricos, que os atendimentos médicos
principalmente na psiquiatria (tanto no serviço público quanto privado),
raramente tem um olhar cuidadoso que possa proporcionar acolhimento, justamente
o que o paciente mais precisa.
Não é necessário ser um doutor ou mesmo um profissional
da saúde mental para perceber o fato de que simplesmente rotular as dores da alma ou receitar
administrações químicas é inútil sem que exista a capacidade de cuidado
dedicado para com o sujeito que sofre.
Também não é intuito desse texto a
generalização desordenada de que todo transtorno mental é originário da falta
de cuidados, é de ciência desse que escreve o fato de que existem fatores genéticos
e congênitos que podem justificar essa ordem de patologia, entretanto, se
submetidos a um olhar atento, é muito comum encontrarmos por traz de diagnósticos
como o de hiperatividade e déficit de atenção numa criança, ou mesmo de um transtorno
bipolar num adulto, um histórico de privação de cuidados e ausência de afeto
nas fases da tenra infância, quando a criança não tem qualquer capacidade de
lidar com o desamparo que naturalmente sente.
Por outro lado, os casos de transtornos e patologias mentais oriundas de outras fontes e que não trazem um histórico de falhas no cuidado, estão entre uma ínfima minoria da qual poderia ser muito bem cuidada e controlada. Além do mais, um lar que possa ser um ambiente saudável, repleto de afeto e sinceridade pode, sem dúvidas transformar uma realidade patológica em aprendizado e crescimento, identificando as limitações e aprendendo a respeitá-las. Diferente disso, existe um aumento inegável e descontrolado no uso de medicamentos psiquiátricos que estão evidente dentro de cada família, não carecendo acessar pesquisas estatísticas. Uso esse que está muito mais a serviço de aplacar a falta de ambientes saudáveis e incapacidade de estabelecimento de vínculos profícuos, do que propriamente adequados à patologias.
O que ocorre é que na maioria gritante dos
casos, justamente nas etapas do desenvolvimento em que o sujeito não era capaz
de responsabilizar-se por si mesmo, ele não pode contar com a responsabilização
de alguém preparado para isso. Assim, se desenvolve inúmeros transtornos como saída
ou tentativa para lidar com certa realidade que se mostra intolerável, onde não
pode contar afetivamente com ninguém. A realidade pode se tornar rejeitável quando percebida
ausente do amor sendo o afastamento dessa mesma realidade um recurso para se
continuar sobrevivendo, apesar disso.
O
humano é um dos poucos animais que revelam certa característica desprezível de entregar
sua cria, ainda muito frágil e suscetível a ser ferida, aos cuidados do outro. Mesmo sendo o bebê humano um dos
filhotes mais vulneráveis do mundo animal.
Muitas vezes esse sujeito que hoje é
diagnosticado com nomes catalogados em amplos sumários de psicopatologias, na
realidade foi submetido à relações emocionais onde além de privado de condições
mínimas necessárias, ainda fora obrigado a responsabilizar-se por situações das
quais não tinha a menor condição de sequer compreender o que ocorria. Se não pôde
ter afeto, acolhimento e cuidados necessários quando era criança, qual a chance
real de consegui-lo depois de adulto, agora carregando um pesado diagnostico psiquiátrico
no currículo?
Revela-se então a inabilidade do ser humano em responsabilizar-se
pelo cuidado daquilo que cria. Não fomos muito bem cuidados, com isso não
aprendemos cuidar de nós mesmo e muito menos a cuidar do outro. Na maioria das
vezes só passamos a cuidar quando somos forçados a isso, por culpa, remorso, ou
qualquer outro motivo distante do amor, comprometendo, com isso, a qualidade
disso que chamamos de “cuidado”.
A psicanálise nos ensina que o primeiro recurso
daquele que sente algo do qual não é capaz de suportar e se responsabilizar é
projetar no outro. Dessa forma, responsabilizamos o outro por características
que na realidade estão em nós mesmos, portanto rotulamos o incapaz com o resultado
de nossa própria incapacidade.
Pais
ausentes, cheios de afazeres e sempre muito bem apoiados na justificativa da
necessidade de produção para dar conta da demanda financeira. Um equívoco que comete
com o filho, que muitas vezes está distante da real necessidade financeira, mas
está comprometida pela incapacidade de superação do egoísmo dos pais. Egoísmo
que os impede de dedicar-se aos filhos. Pais desatentos da necessidade afetiva,
que está muito além da simples presença física.
A
verdadeira capacidade de cuidar deve ser incorporada pela criança através de
identificação no vínculo com os pais, nunca poderá ser doutrinada como algo
moralmente imposto.
O
que mais imagina ser possível deixar para teu filho que não seja um bom modelo?
Para que possa haver a formação de bons exemplares de certa espécie é preciso respeitar certas condições mínimas necessárias. O humano parece muito despreparado para respeitar suas condições.
Para que possa haver a formação de bons exemplares de certa espécie é preciso respeitar certas condições mínimas necessárias. O humano parece muito despreparado para respeitar suas condições.
Prof. Renato Dias Martino
2 comentários:
O ser humano é uma totalidade que não pode ser compreendido pela análise apenas de suas partes separadas. Como escreve, a psiquiatria procura olhar para apenas um aspecto humano e perde a dimensão emocional na sua maioria. Os psicoterapeutas, na sua maioria, focam na vida afetiva do sujeito. Temos que aprender a moderar as diversas dimensões do viver, claro que não contemplaremos tudo, mas seremos mais responsáveis e honestos com o indivíduo que nos procura pedindo ajuda.
A dificuldade de integrarmos os diferentes aspectos de nossa vida se mostram nos nossos relacionamentos, como citou no texto dos pais que se tornam ausente fisicamente para comparecer financeiramente. Precisamos nos atentar para o humano, e isso quer dizer encará-lo na sua totalidade.
Muito rica contribuição para a reflexão, querida Andreza Crispim!
Agradecido!
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