Já me propus, em outro momento, a refletir sobre os
desencontros que ocorrem frequentemente na busca pela satisfação sexual entre
homens e mulheres (Dos Desencontros do Sexo). Na ocasião a reflexão nos revelou que o funcionamento
feminino, no que se refere à satisfação sexual é enormemente diferente do que
ocorre com o homem. Nessa ocasião, pode ficar evidente que essa diferenciação
tem origem e desfechos desde a dimensão orgânica até o nível das relações
afetivas, no plano emocional. Cá proponho algumas características que se
mostram de grande importância na expansão da cogitação nesse assunto.
No processo que busca ajustamento da satisfação
sexual com a função reprodutora são inúmeros os desencontros e para cada
evolução na maturação sexual segue uma nova configuração de adequação.
Segundo
Sigmund Freud (1856 – 1939) nos ensinou em 1905, nos seus TRÊS ENSAIOS SOBRE A
TEORIA DA SEXUALIDADE, junto com a experiência da criança que a leva a aprender
a controlar os esfíncteres, a erotização desloca-se da região anal para então
concentrar-se nos genitais. “Nesta fase
surgem questões a respeito da diferença entre os órgãos genitais entre meninos
e meninas, não com habilidade de compreensão, mas com toda duvida e ansiedade
que é peculiar deste período.” (Martino, 2012)
A sensação de ser o detentor do falo, como símbolo
de poder, traz a fantasia de grande domínio e força para o homem, ou mesmo à
mulher que carregue a ilusão de possui-lo. É característica de certa fase do
desenvolvimento emocional a evidenciação dessa formação anatômica.
Biologicamente a área de maior excitação passa a concentrar-se na região dos
genitais. Nesse contexto, características masculinas podem ser incorporadas
naquela mulher que não foi capaz de elaborar a inveja de se descobrir sem pênis.
“A tentativa é de demonstrar a ausência
da distinção dos gêneros (masculino/feminino) por uma visão onde se encontram
fálicos ou castrados.” Martino (2012). A menina que por ventura nunca tenha
se sentido realmente amada pode atribuir a esse motivo a razão de seu
infortúnio.
Nessa época do desenvolvimento da sexualidade a
atenção é toda voltada para o órgão genital masculino (o falo), por conta da
configuração interna do órgão sexual feminino que fica escondido.
“O
complexo de castração nas meninas também inicia ao verem elas os genitais do
outro sexo. De imediato percebem a diferença e, deve-se admiti-lo, também a sua
importância. Sentem-se injustiçadas, muitas vezes declaram que querem ‘ter uma
coisa assim, também’, e se tornam vítimas da ‘inveja do pênis’; esta deixará
marcas indeléveis em seu desenvolvimento e na formação de seu caráter, não
sendo superada, sequer nos casos mais favoráveis, sem um extremo dispêndio de
energia psíquica.” (Freud, 1905).
Assim como nos orienta Freud, essa ilusão de supervalorização
do falo, quando na mulher, pode perdurar longos anos, sendo que em alguns casos
perpetua pela vida toda, sem nunca ter sofrido grandes transformações. No
entanto, no sujeito masculino isso corre o risco de se fixar como um modelo
mórbido e intransponível. Quando se aferra nesse representativo deve
desenvolver certa arrogância fálica. A rivalidade assim, estará sempre à
espreita nas relações, sendo que muitas
vezes o encontro que deveria surtir uma união dos opostos, se transforma num
ambiente de competitividade onde no final sobreviverá apenas um.
A forma externa do órgão sexual masculino oferece
maior acesso, logo maior facilidade de satisfação masturbatória.
Esse fácil acesso encontra ainda, no âmbito social, maior tolerância e isso fica evidente quando reconhecemos que se um garoto é por acaso surpreendido se masturbando tem bem menor punição do que acontece com as meninas. É muito comum o orgulho de alguns pais em exibir aos amigos o órgão genital do seu “filho homem”. Entretanto quando o assunto é o órgão genital da menina logo se instala certo desconforto geral. Ao menino se permite o que para a menina é proibido. Isso tudo constrói um modelo de funcionamento muito cedo na vida da criança, que permeará a vida toda se não encontrar chance de amadurecimento emocional.
Esse fácil acesso encontra ainda, no âmbito social, maior tolerância e isso fica evidente quando reconhecemos que se um garoto é por acaso surpreendido se masturbando tem bem menor punição do que acontece com as meninas. É muito comum o orgulho de alguns pais em exibir aos amigos o órgão genital do seu “filho homem”. Entretanto quando o assunto é o órgão genital da menina logo se instala certo desconforto geral. Ao menino se permite o que para a menina é proibido. Isso tudo constrói um modelo de funcionamento muito cedo na vida da criança, que permeará a vida toda se não encontrar chance de amadurecimento emocional.
A saber, o termo masturbação aqui mencionado
refere-se ao ato de satisfazer-se a si mesmo sem precisar da presença física do
outro e isso vai além da simples manipulação do órgão genital, se estendendo à
outras práticas. Essas práticas onde o sujeito dispensa o outro (mantendo a
imaginação dele) para chegar à satisfação de seu objetivo. Os Vedas nos
presenteiam com o conceito de maya
que mesmo sendo o domínio da característica criativa de Deus, é também a ilusão
cósmica que propicia a ignorância, dificultando o acordo com a realidade
ultima.
Apalavra maya tem sua raiz no
sânscrito, onde “mâ” significa “medir” e “ya”, que significa “aquilo”, sendo
que tudo que pode ser medido é parcial. Em maya
o que temos sobre o mundo configura-se sempre num universo parcial e
fragmentário. Por estar compreendida tão somente na realidade manifesta e
material, portanto impermanete, está fadado ao ciclo de nascimento (Brahma)
permanência transitória (Vishnu) e morte (Shiva).
Os modelos de normas da civilização e das fôrmas de
sociedade patrocinam ao homem maiores oportunidades para manter-se maior tempo
possível em maya. Isso dificulta o
processo de maturação, enquanto a mulher não tem muita escolha. Uma garota deve
provar condutas à sociedade, para ser aceita, das quais o rapaz não precisa
demonstrar. Na verdade muitos atributos que se julgam socialmente positivos num
rapaz, quando aplicados numa moça torna-se vulgar ou motivo de julgamento
perante o olhar crítico do outro.
De qualquer maneira percebemos com certa clareza a
tendência de maya a projetar-se como
sendo naturalmente masculina, assim como o formato físico dos órgãos genitais o
é. O sujeito masculino, então se vê envolvido com as “coisas externas” mais
frequentemente. O mundo material parece ser mais articulável ao sujeito
masculino e também às mulheres que carregam características masculinas. Já a
concepção genital feminina indica a capacidade uterina da continência. Um
modelo que deve revelar maior envolvimento com as questões internas. Isso
enquanto ela se mostrar saudável e não fixada nas características
masculinizadas próprias da fase fálica, o que a obrigaria se preocupar com as
questões externas. Nesse âmbito surgem maiores os obstáculos impostos à mulher
no que se refere ao desenvolvimento emocional, já que defender-se de uma ameaça
interna é uma tarefa muito mais complexa do que proteger-se daquilo que vem do
externo.
Por outro lado abre-se um mundo de opções
fantasiosas (maya) favorecendo o
sujeito masculino de subterfúgios imaginários de evasão, mesmo quando se tem a
oportunidade de se desenvolver num ambiente saudável. O homem é normalmente
favorecido por certos expedientes que não fazem mais que buscar satisfação
narcisista, impedindo o desenvolvimento da capacidade de amar. Por estarem
exclusivamente à serviço da busca pela satisfação à qualquer custo, não podem
tolerar o mínimo dos desconfortos o que seria imprescindível no desenvolvimento
da afetividade. Essa prerrogativa de subterfúgio imaginário da ao homem maior
chance de desviar-se da tomada de consciência da realidade interna, fato que o
obrigaria responsabilizar-se por ela. Bem, enquanto a menina configura-se em
receber, num movimento de introspecção, o garoto tende a se pronunciar em
direção do mundo exterior. Assim, a mulher, quando saudável em seu
desenvolvimento, tem maior chance de ampliar a capacidade do trabalho de
elaboração interna, enquanto o menino ainda esta testando sua força contra a
natureza externa.
Wilfred R. Bion 1897 – 1979 |
Bem, se pudermos aqui nos utilizar do conceito de
‘amor’ como sendo a capacidade de continência, assim como bem nos orienta
Wilfred Bion (1962), então isso nos permite a cogitação de que a mulher tem
naturalmente maior capacidade de amar e isso se revela de forma muito clara
nela própria, enquanto ciente de quem realmente é. O homem, que humilde de si
mesmo, encontra-se emocionalmente sadio, deve dispor-se a aprender com ela.
Srila Prabhupada, importante pensador e líder religioso que dedicou sua vida a ensinar ao mundo sobre a consciência de Krishna, no que é a mensagem de sabedoria espiritual mais nobre da Índia antiga. Em sua obra Ensinamentos da Rainha Kunti ele dedica um capitulo sobre a maior capacidade feminina quando observa que: “Em todos os países e em todas as seitas religiosas parece que as mulheres estão mais interessadas que os homens.”.
Bion que também receberá grande influencia da cultura da Índia, onde passou sua infância, ainda foi um bom discípulo de Melanie Klein e aprendeu com ela a importância do modelo de maternagem na aplicabilidade clínica da psicanálise. O termo continente tem sua etimologia latina no continere referente à conter, na psicanálise bioniana esse conceito denota uma condição pela qual a mãe consegue acolher e permitir que as cargas projetivas do bebê transformem em seu destino. A essa experiência Bion deu o nome de rêverie.
Donald Woods Winnicott (1896 — 1971) |
A partir desse vértice de pensamento a psicanálise cresceu e assim passou a exigir do psicanalista maior capacidade emocional. Houve então grande expansão, tanto nas elaborações teóricas como no desempenho da prática clínica, onde a psicanálise aprendeu muito com a mãe suficientemente boa.
Bion, W. Aprendendo com a Experiência. Rio de Janeiro: Imago. 1971 [1962].
Freud, S. TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA
SEXUALIDADE. Rio de Janeiro: Imago. 1905.
Martino, R, D. PRIMEIROS PASSOS RUMO À PSICANÁLISE.
1. ed. -- São José do Rio Preto, SP : Vitrine Literária Editora, 2012.
Prabhupada, A.c. Bhaktivedanta. São Paulo: Editora
The Bhaktivedanta Book Trust, 1982.
Um comentário:
Olá Renato, sempre um bom texto!
Sempre aprendendo!
Postar um comentário