Juliana Ribeiro - A série da Netflix, 13ReasonsWhy, teve estreia dia
31/03 e já tem record de audiência. É uma série que retrata como o bullying na
adolescência pode causar grandes estragos. No Brasil não há um levantamento
sobre o tema, mas diversos estudos em outros países apontam o crescimento da
depressão entre os jovens. Podemos dizer que esse aumento está relacionado ao
bullying sofrido nas escolas e quais outros fatores?
Prof. Renato Dias Martino - Na maioria dos casos o
sujeito que sofre grande desrespeito, violência ou qualquer que seja a agressão
no ambiente escolar, já tem um histórico de relacionamento malsucedido, dessa
mesma qualidade, em casa. Na realidade tudo aquilo que ocorre fora de casa
consiste em uma extensão das experiências ocorridas no seio do lar. Isso tanto
em relação às experiências saudáveis quanto às vivencias malsucedidas.
Juliana Ribeiro - Quais as consequência negativas que o bullying
pode trazer na vida de um jovem?
Prof. Renato Dias Martino - A mente tende a repetir as experiências
malsucedidas, como uma nova tentativa de elaboração. Sigmund Freud (1856 –
1939), em seu texto RECORDAR, REPETIR E ELABORAR de 1914, nos alerta que
tendemos a repetir em forma ação impensada, tudo aquilo que é desconfortável de
se recordar. “Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem,
naturalmente, saber que o está repetindo.”. (Freud, 1914). De tal modo, a violência que, muito
provavelmente já ocorria no lar, deve se repetir na escola e da mesma maneira,
acaba se desdobrando vida a fora. Manifestando-se na vida adulta, como assedio
moral e psicológico no ambiente de trabalho. Na realidade, a violência pode ser
percebida desde o berçário até os ambientes de casas de repouso de idosos,
independente da idade cronológica.
Essa ordem de experiência pode se repetir através de
dois modelos principais: a) a primeira, onde a criança repete a hostilidade
consigo mesmo, culpando-se pelo fracasso de sua vida. Dessa maneira retraindo-se
das experiências externas não conseguindo mais confiar no outro. b) Num segundo
modelo, de forma inversa, onde o sujeito que sofreu a violência desenvolve
características semelhantes as do que o agrediu, se tornando tão violento
quanto.
Poderíamos também pensar naquela criança que hoje é
agredida e que foi privado da presença paterna.
Aquele que o defenderia e assim traria um modelo para que se
desenvolvesse um recurso de autodefesa. Também ausência paterna poderia ser
geradora da falta de limite no que agora se coloca na posição de agressor.
Juliana Ribeiro - Adolescentes que praticam bullying, praticam de
forma consciente?
Prof. Renato Dias Martino - O conceito de consciência é um conceito muito
complexo. Nunca é possível saber o que realmente é consciente ou não, quando
avaliando o outro. No entanto, me parece que se tornar consciente dos seus atos
é o que liberta o sujeito da ação repetitiva. Essa regra não deve se aplicar ao
sujeito onde exista uma perversão grave, ou mesmo uma psicopatia, que o levaria
agir de forma sádica, violento conscientemente, pelo prazer de fazê-lo.
Juliana Ribeiro - Qual a responsabilidade da escola?
Prof. Renato Dias Martino - Não acredito na responsabilização da
escola por questões que deveriam ser cuidadas no seio da família. Nenhuma
escola pode proporcionar aquilo que faltou no lar. É claro que existem medidas
para que se possa tomar para amenizar a violência dentro da escola, mas casos
em que possa ter havido uma real reparação do dano, por conta de uma intervenção
da escola, são raros.
Juliana Ribeiro - A importância da atuação familiar?
Prof. Renato Dias Martino - Total! A responsabilidade é toda da
família, por mais que vivendo em nosso tempo, isso possa ter sido terceirizado
muito cedo para creches, escolas, faculdades, chegando às casas de repouso para
idosos. Assim como na planta, a raiz tem função de base, onde todas as
substancias que nutrem a vida são oriundas dali, também a família tem função
análoga, na vida humana. Esse problema tem origem no lar e só a partir do lar é que pode se
reparar qualquer dano.
Juliana Ribeiro - Na era
digital esse jovens estão se sentindo ainda mais só?
Prof. Renato Dias Martino - Não
vejo dessa forma. É muito conveniente culparmos os computadores pela solidão
originada do despreparo e do egoísmo dos pais. O advento da internet poderia
ser um veiculo de enorme expansão da consciência se pudéssemos contar com mais
respeito, companheirismo e responsabilização por si mesmo e por aquilo que
criamos.
Juliana Ribeiro - Quais
são os sinais de alerta que os pais podem ficar atentos?
Prof. Renato Dias Martino - Os sinais são evidentes, o grande problema é a
incapacidade dos pais em percebê-los e reconhecê-los, por estarem tão ocupados
tentando correr desesperadamente, atrás de sabe-se lá o que; talvez seus
próprios umbigos. Existe uma conveniência em não perceber os sinais do
sofrimento dos filhos, pois uma vez reconhecidos inicia-se um processo de ter
de se responsabilizar por isso. A grande dificuldade em se enxergar a realidade
é a conveniência em se manter cego.
Juliana Ribeiro - Para
esses jovens, que estão cada vez mais inseguros e, no momento se sentem
sozinhos, sem poder confiar em ninguém. Como fazê-los se abrir de forma
natural?
Prof. Renato Dias Martino - Essa
insegurança é fruto do despreparo dos pais em proporcionar um ambiente que
possa trazer o mínimo de estrutura para esses jovens. Falo de um lar que possa
contar com a presença dedicada dos pais, onde respeito, afeto e sinceridade
sejam atributos fundamentais. Um convívio cotidiano de paz e harmonia. Isso
tudo nada tem haver com condições financeiras, já que é possível viver isso
dentro de um lar que seja muito humilde. Só através da construção de um
ambiente saudável, por se mostrar realmente confiável, pode haver uma real
abertura.
Juliana Ribeiro - Há quem
acredite que por ser vítima de bullying deve praticar o ato com outras pessoas.
Como fazer com que isso não se transforme em um ciclo vicioso?
Prof. Renato Dias Martino - Uma vez instalado o trauma pela violência é
muito difícil se desenvolver recursos para se reverter. Nessa experiência a
questão da prevenção deve implicar num dispêndio bem menor do que a tentativa
de remediar. Ainda assim, a busca por reparação dessa ordem de traumas sempre
se encontra no acolhimento vindo da família, aliado ao um processo
psicoterapêutico de qualidade.
Juliana Ribeiro - Dá para superar o bullying e sair
fortalecido emocionalmente?
Prof. Renato Dias Martino - Na
medida em que se possa contar com um ambiente acolhedor, existe grande
esperança de superação. Ainda que cada caso deva ser avaliado separadamente,
conforme suas complexidades e particularidades, a disposição de um ambiente
acolhedor e livre de julgamento tem sempre poder curativo.
Juliana Ribeiro - Por que
quem sofre qualquer tipo de humilhação tem tanta dificuldade de falar, de
buscar ajuda? Essas pessoas chegam acreditar que são o que os outros dizem e
por isso não merecem ser ouvidas?
Prof. Renato Dias Martino - Depois
de ser hostilizado o sujeito tende a se fechar para as novas experiências, e
vive uma grande dificuldade em confiar no outro. Isso ocorre, pois cada nova
relação que se apresente virá carregada de desconfianças. O sujeito sempre
guardará suspeita (imaginária) de que em algum momento, igualmente será
hostilizado, de algum jeito. Isso pose se revelar-se na personalidade do
sujeito, na melhor das hipóteses, como um grande acanhamento, mas também pode
torná-lo uma “eterna vitima” das circunstâncias.
Prof. Renato Dias Martino
Fone: 17- 991910375
Um comentário:
Muito boa sua entrevista. Sempre a familia será a base da personalidade.
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