terça-feira, 15 de maio de 2018

O QUE É PSICOTERAPIA?

Psicoterapia é o processo de tratamento voltado para as questões emocionais e em consequència disso, o funcionamento afetivo. Pelo menos a priori é a busca por novas maneiras de relacionar-se com aspectos de si mesmo e em conseqüência disso, com as coisas do mundo externo. A palavra psicoterapia vem da junção de duas outras palavras: psique que vem do grego “psyche”, significando "respiração", "sopro” e seve para representar o "si mesmo", na dimensão da mente, da alma ou ainda do espírito, e terapia, que também vem do grego therapeutikos, e por sua vez diz respeito a quem serve, quem cuida. É um tratamento que propõe promover a saúde, a autonomia e o bem-estar emocional do paciente. Isso ocorre por meio de atividades peculiares, sem que haja a administração de medicamentos.

Existem várias modalidades de psicoterapias, que podem se utilizar de muitas abordagens teóricas diferentes. Nessas inúmeras formas, podem ser utilizados preceitos que vão desde as configurações mais superficiais, que tem o intuito de tratar comportamentos supostamente inadequados, através de fins palpáveis, de maneira operacional, definidos e observáveis, até abordagens que tratam o problema como um todo, por meio dos elementos físico, mental, emocional e espiritual num sistema complexo e profundo, incluindo tanto a causa da doença como os sintomas apresentados.

Nas formas mais profundas de psicoterapia a proposta é de tratar transtornos ou disfunções de uma parte da constituição do sujeito que não está disponível aos cinco sentidos e por conta disso inclui uma serie de obstáculos em sua prática. Não pode contar com exames sensoriais que possam revelar com clareza aquilo que precisa ser tratado. Por não estar disponível ao entendimento habitual e estar assim inacessível à lógica cotidiana, a psicoterapia tende a ser malvista pelo sujeito muito apegado a materialidade das coisas. 
O primeiro registro de um modelo de psicoterapia foi proposto por Sigmund Freud (1856 – 1939). Nunca antes, na história da humanidade houve essa espécie de proposta; onde duas pessoas se encontrassem para falarem sobre a dor psíquica, buscando a verdade dos fatos. Em seus Estudos sobre a histeria (1893-1895), Freud escreve sobre o caso da senhorita Anna O, onde ainda fazia uso do método catártico que tinha a hipnose como principal instrumento.
Porém, com o decorrer de seus estudos e de sua prática clínica, abandonou essa técnica se utilizando então de um método que propunha uma conversa livre onde os pontos importantes emergiam conforme a necessidade de pensá-los.
Por mais que possa ser confundida e até mesmo em algumas publicações, encontrada com o nome de aconselhamento, dar conselho não pode ser psicoterapêutico, principalmente dentro da perspectiva psicanalítica. Quando o que se busca é a expansão da maturidade emocional, o recurso mais importante, num processo psicoterapêutico é o ato de acolher. É a partir daí que os conteúdos impensados emergirão para que possam ser elaborados no seu tempo. No caso do aconselhamento, o suposto psicoterapeuta se julgando mais experiente, deve indicar o caminho que não pode estar de acordo com a realidade do paciente, pois este vive uma experiência particular. “Por mais que o conselheiro pareça saber do que fala, estará inevitavelmente distante da experiência vivida, que é sempre particular a cada sujeito de sua própria experiência.”. (Martino, 2013). O psicoterapeuta que tenta aconselhar, normalmente o faz por não ser capaz de tolerar e acompanhar o paciente, respeitando seu tempo no processo lento do aprender com a experiência. Muitos dizem o que se deve fazer, ou deixar de fazer, poucos se propõem a fazer junto.
Uma sessão de psicoterapia não deve parecer uma aula de como se resolver problemas emocionais. A pretensão pedagógica é nociva à esse processo que deve propiciar oportunidades na configuração de um ambiente confiável o bastante para se experimentar experiências emocionais reparadoras. “Aquilo que se sabe não pode garantir um bom desempenho de um analista, mas aquilo que ele realmente está sendo pode proporcionar o enriquecimento e a expansão do ambiente emocional.”. (Martino, 2015). De que adianta tanto conhecimento, quando não se consegue estar sendo a mínima parte do que se supõe saber? 
“Na formação de um psicanalista a instrução teórica não pode ter valor sem que esteja sendo administrada junto com a análise pessoal do aspirante a analista. A experiência do ser, então, é mais importante do que a experiência do saber.”. (Martino, 2015).  As teorias ou as técnicas utilizadas para isso importam muito menos comparadas com a capacidade do psicoterapeuta, no campo de sua maturidade emocional. 
Na verdade, a teoria que se possa usar como base da psicoterapia, não passa de um instrumento. E assim como uma faca, que serve a cortar o alimento, também pode servir para ferir. Muitas vezes o trabalho do psicoterapeuta se dá num âmbito não verbal, onde o acolhimento e a possibilidade de elaboração dos elementos psíquicos acontecem menos pelas palavras e mais pelos gestos. A palavra é a fonte do equívoco. Assim como nos orienta Wilfred Bion, em seu trabalho Atenção e Interpretação: “Às vezes, a função do discurso é comunicar a experiência emocional para outrem; às vezes, a função é comunicar a experiência emocional de modo errôneo.” (Bion, 1970).
A psicanálise é por excelência uma ferramenta apropriada para isso, sobretudo a psicanálise dos pensadores que vieram depois de Melanie Klein (1882 – 1960), como Wilfred Bion (1897 – 1979) e Donald Winnicott (1896 - 1971). Eles trazem uma proposta de psicoterapia incluindo o formato de continência num ambiente emocional que abriga os elementos projetados pelo paciente, que devem sofrer certa transformação a partir dessa vivência.
“Nessa classe de experiências a possibilidade de acolhimento passa a ser fundamental, na medida em que proporciona ambiente saudável para que haja a transformação e maturação dos elementos mentais.” (Martino, 2015). 
Portanto, o que realmente pode ser terapêutico é o vínculo de carinho e sinceridade, que proporcione o acolhimento necessário para que possa haver experiências emocionais saudáveis. No caso da aplicação da psicanálise for suficiente para que isso se realize ela se revela um bom método. No entanto, isso depende fundamentalmente da capacidade do sujeito que aplica esse método, combinada com a disponibilidade do paciente em sofrer o processo psicoterapêutico. “Nesse aspecto a psicanálise converge em um modelo que transcende a teoria e se pronuncia numa dimensão onde não existirá técnica que possa suprir a incapacidade no acolhimento.” (Martino, 2015).
Winnicott propõe o holding, e Bion propõe a rêverie, que parecem ter a mesma finalidade. A integração da personalidade numa forma total, que até então se encontrava não integrada. Da mesma forma, reintegrar quando se encontra desintegrada. “No holding, assim como na rêverie, o analista/mãe tenta se isentar ao máximo de atitudes autoritárias, sem o desejo de que paciente siga uma determinada direção.” (Martino, 2015). A partir dessa integração interna é possível se estabelecer a integração entre aquilo que é do mundo externo e o que é do si mesmo, já que essa separação não passa de uma ilusão. Assim como no corpo físico, o interno e o externo não estão separados de forma definitiva, já que o tecido é poroso, no mundo mental isso também é verdade. A realidade ultima é configurada como um todo.
Dessa maneira, para que o sujeito seja capacitado para ser um psicoterapeuta e assim cuidar do outro é impreterível que ele dê manutenção constante ao cuidado de si mesmo. Um psicoterapeuta que ofereça boa qualidade no que se propõe, o faz por ter sido instruído nisso através de sua análise pessoal. Esse processo é que tratará de suas próprias dores e confusões mentais, proporcionando o reconhecimento de seus limites, o que permitirá o reconhecimento do limite do outro (seu paciente).

BION, Wilfred R. Atenção e interpretação, tradução de Paulo Cesar Sandler. - 2. ed. 1970 - Rio de Janeiro: Imago, 2006.
______________. Conferências brasileiras 1 – São Paulo, 1973. Rio de Janeiro: Imago,1975.
FREUD, S. Estudos sobre a histeria (1893-1895), volume II. In Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição standart brasileira, Rio de Janeiro, Imago, 1996.
MARTINO, Renato Dias. O amor e a expansão do pensar: das perspectivas dos vínculos no desenvolvimento da capacidade reflexiva , 1. ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2013.
___________________. O Livro do Desapego, 1. ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.




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