terça-feira, 1 de janeiro de 2019

DESDÉM: o filho da inveja

A ampliação da inteligência acontece para suprir uma série de funções na experiência do desenvolvimento da vida. A combinação do impulso natural de querer conhecer com os desafios do mundo promovem a aumento da inteligência. Nas crianças isso ocorre de maneira muito intensa. A inteligência vai se estruturando para dar conta do que aguça a criança em suas demandas.
Entanto, muitas vezes a inteligência desenvolvida pode se concentrar na função de observar imperfeições, reparar equívocos, revelar falhas e então angariar justificativas para criticar as realizações do outro. É quando um sujeito com grande habilidade intelectual faz uso desse recurso para atacar e desdenhar a realização alheia.
Isso confirma a tese de que a inteligência não garante o funcionamento saudável da mente e ainda, revela-se nesse contexto um sujeito incapaz de lidar com suas próprias frustrações, assim como suas limitações. Trata-se de alguém emocionalmente imaturo, que padece de um mal, e, portanto carece de cuidado.  
O sujeito que se coloca a desdenhar do outro denuncia com isso, sua própria inveja. Inveja que é,  antes de tudo, um sinal de desrespeito à própria capacidade de realização. O invejoso é um desrespeitoso de si mesmo. Duvidando de si mesmo, tende a menosprezar o outro.
O invejoso desdenha do outro na tentativa de apaziguar o desconforto gerado por se sentir inferior. O sujeito que funciona assim o faz por talvez nunca ter sido reconhecido em suas realizações, no andamento das fases fundamentais no desenvolvimento da infância. Por conta disso, agora se tornou um crítico obstinado, que insiste em julgar, recriminar e achar defeito em tudo e em todos. 
Incapaz de acreditar que possa conseguir o que deseja e, por outro lado, sendo muito pouco capaz de renunciar aquilo que realmente não é possível (enquanto o outro consegue), o que resta ao invejoso é, ou se apossar indevidamente disso, ou então desvalorizar o objeto de desejo. Quando definitivamente reconhece ser inviável se apossar do objeto desejado, isso passa a ser percebido como ruim, desinteressante, sem valor, pois é visto com maus olhos. “A inveja, por sua vez, pode conduzir a percepção de maneira alterada quando vê essa mesma realidade com maus olhos, olhos invejosos.”. (Martino, em O LIVRO DO DESAPEGO, 2015). 
Só o prejuízo do outro é motivo de alegria do sujeito invejoso. Para o invejoso, o mal-estar do outro causa seu bem-estar. Assim como escreve Melanie Klein (1882-1960) em sua obra INVEJA E GRATIDÃO: "O invejoso passa mal à vista da fruição. Sente-se à vontade apenas com o infortúnio dos outros." (Klein, 1957).
O filosofo Baruch de Espinoza (1632 — 1677) descreve a inveja como sendo “o ódio que afeta o homem de tal modo que ele se entristece com a felicidade de outrem e, ao contrário, se alegra com o mal de outrem.”. De tal modo, nada pode trazer satisfação ao invejoso que não seja o mal do outro. Isso, pois, por mais que imagine poder se apossar do objeto de desejo, aquilo que realmente deseja é ser o que outro é e não ter o que o outro tem.

“O sonho do invejoso é ocupar o lugar do outro, logo, o ambiente de rivalidade deve culminar na exclusão, ou do eu, ou do outro.” (Martino, em PARA ALÉM DA CLÍNICA, 2011).

O grande problema é que, quanto maior a estruturação do recurso defensivo de desvalorizar a realização do outro, a possibilidade de desenvolver a capacidade de realização do sujeito fica cada vez mais difícil. Instala-se o que coloquialmente chamamos de “zona de conforto”, onde se nivela a configuração num nível abaixo do que o sujeito julga ser capaz. Nada pode se destacar além daquilo que o invejoso é capaz. Do contrário, será intensamente atacado até que perca seu valor. Pelo menos na fantasia do invejoso. 
Na realidade, tratamentos aqui de um modelo de personalidade que normalmente é desenvolvida num ambiente empobrecido de tolerância, privado de reconhecimento e ausente de afeto sincero. O invejoso normalmente é alguém que viveu as fases fundamentais de seu desenvolvimento num ambientes em que a disputa sobrepõe o companheirismo e a autoconfiança é muito pouco, ou quase nada ampliada. Dessa forma, qualquer mínima manifestação de crescimento, ou evolução, deve ser alvo de ataques.

Na atmosfera onde impera a inveja, não há espaço para qualquer que seja a mostra de gratidão. Isso, pois gratidão pode ser confundida com inferioridade, já que revela reconhecimento da capacidade do outro. Contudo, para que se dissolva a predominância da inveja no funcionamento mental é necessário que se desenvolva a capacidade de reconhecimento na dimensão da gratidão. E, para que isso seja possível é indispensável à autoestima bem estruturada, onde o sujeito possa contar minimamente com certo nível de autoconfiança. 

KLEIN, M. (1957). INVEJA E GRATIDÃO. In: Obras Completas. Buenos Aires: Paidós-Hormé, 1974. tomo VI.
SPINOZA, B. (1999). ÉTICA. Trad. de Bernard Pautrat. Paris: Seuil. (Ed. bilíngue).
MARTINO, R. D. MARTINO, Renato Dias. PARA ALÉM DA CLÍNICA.1ª ed. São José do Rio Preto, São Paulo: Editora Inteligência 3, 2011.
______________.O LIVRO DO DESAPEGO - 1. ed. São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária Editora, 2015.





Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Alameda Franca n° 80, Jardim Rosena,
São José Do Rio Preto – SP
Fone: 17 991910375
prof.renatodiasmartino@gmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com






2 comentários:

Mary disse...

E aí ? Como o invejoso pode sair dessa, se reestruturar?

Mary disse...

E a saída qual seria pro invejoso ? Diagnosticou o problema, mostrou as causas, mas, e a solução ?