domingo, 24 de novembro de 2024

MECANISMO EGOSSINTÔNICO




SINTÔNICO OU DISTÔNICO 

Egossintônica é quando a defesa está em sintonia com o ego. Quando o sujeito desenvolve um mecanismo de defesa e este mecanismo de defesa está sintônico, em sintonia com o ego. Então, ele acredita que aquele mecanismo de defesa não é um mecanismo de defesa, mas é um elemento inerente ao ego, é parte do ego. E aí, é muito difícil de tratar aquilo que está gerando o mecanismo de defesa. Quando este mecanismo de defesa começa a ser egodistônico, ou seja, quando ele já não está mais em sintonia com o ego, o sujeito começa a se incomodar com aquilo, ele começa a perceber que aquele mecanismo de defesa é algo que não está mais trazendo para ele algum benefício, mas começa a atrapalhar o fluxo da sua vida. Egossintônico é quando aquilo está em sintonia com o ego, quando a gente fala aí, do saber como um mecanismo de defesa e o saber é, o conhecimento, a busca do conhecimento é um mecanismo de defesa, o sujeito se defende tentando saber. Quando este mecanismo de defesa está em sintonia com o ego, o sujeito é o dito intelectual. Aquilo faz parte dele, aquilo faz parte da personalidade dele. Ele se contenta com aquilo, ele agrega aquilo, ele está em sintonia com aquilo. Quando ele começa a perceber que esse saber não garante nada e ele começa a duvidar desse saber, este mecanismo começa a ser distônico. E aí, ele começa a questionar o saber admitir a sua ignorância e passa a ser um eterno aprendiz.

EU SOU ASSIM MESMO

Muitas vezes, o sujeito desenvolve mecanismos de defesa que estão tão incorporados no ego, tão incorporados nele mesmo, na sua personalidade, que a gente vai chamar esse mecanismo de defesa de egossintônico, porque ele está tão eficaz, incorporada ao funcionamento do ego, que parece que é uma característica do sujeito. É um mecanismo de defesa, mas por estar dentro da ordem do egossintônico, ele passa a ser admitido pelo sujeito como característica dele e não como uma defesa. Na realidade, ele desenvolveu isso num momento onde ele se sentia inseguro, onde ele se sentia ameaçado por alguma coisa e passou a usar aquele mecanismo de defesa constantemente, mesmo depois que aquela ameaça não estava mais ali. Então, passou a ser um mecanismo egossintônico. Ele não enxerga mais aquilo como um mecanismo de defesa, mas ele enxerga como característica dele e este tipo de mecanismo de defesa é quase que intransponível. Você não consegue enxergar mais o que está por trás daquilo. Você já não consegue mais olhar para o que gerou o mecanismo de defesa, porque ele já se agregou como característica do sujeito. E aí, quando o paciente, na clínica vem com este tipo de mecanismo de defesa, ele não consegue ver aquilo como mecanismo de defesa, mas ele vê aquilo como “eu sou assim mesmo”.

EXEMPLO

Uma mulher que teve uma experiência malsucedida com o seu pai, uma moça que não conseguiu ter uma experiência bem-sucedida com o seu pai, seu pai não conseguiu exercer a função paterna de maneira adequada, ela passa então a desenvolver uma repulsa a homens. Esta repulsa que ela tem por homens é uma defesa em relação ao pai, mas ela hoje, carrega esta repulsa em relação a qualquer homem e ela passa a dizer assim: “eu sou assim mesmo, eu não gosto disso” Isso não quer dizer que não seja uma defesa, mas é uma defesa egossintônico ego.

DISSOLUÇÃO

Para que as defesas egossintônico possam ser dissolvidas, elas carecem de autoconfiança. Por mais que a psicanálise possa trazer para o sujeito a possibilidade de desenvolvimento da autoconfiança, não é só na psicanálise. É claro que dentro do ambiente psicoterapêutico nós temos uma configuração privilegiada. A psicoterapia tem um uma configuração que é propícia para isso, mas esta relação, esta relação de confiança consigo mesmo pode ser desenvolvida, por exemplo, com o seu cônjuge, com o seu companheiro. É claro que vai demorar mais. O companheiro não está preparado para trazer esta possibilidade de estar isento de memórias, de estar isento de expectativas e de estar isento do conhecimento sobre a situação e o analista tem esse privilégio. Então, vira e mexe, alguma expectativa do companheiro vai interferir. Vira e mexe, alguma lembrança do companheiro vai interferir. Vira e mexe, alguma tentativa de saber de conhecer vai interferir. Coisa que dentro da psicanálise, pelo menos dentro dessa perspectiva da psicanálise que a gente estuda, que a gente comunga nos nossos grupos e na nossa análise pessoal vai estar isenta, ou pelo menos, rebaixada ao máximo o resgate da memória, a tentativa de enquadrar na expectativa, a tentativa de enquadrar no já sabido.

AUTOCONFIANÇA

A partir desse ambiente acolhedor do setting terapêutico, da relação com o analista, ele passa a desenvolver autoconfiança. Quando ele desenvolve autoconfiança, ele passa a perceber que estas defesas já não são mais úteis. E aí, essas defesas, por si só, vão se dissolvendo com a entrada da autoconfiança. Então, não passa pelo racional. Ele, muitas vezes, nem entende nada do que está acontecendo. Em algum momento da análise, pode ser que ele perceba tudo isso e venha emergir a oportunidade de fazer um mapeamento do que aconteceu. “Você percebe que eu já não tenho mais aqueles medos?” “Eu já, também não faço mais isso, porque talvez isso também não me ameace mais...” Toda essa problemática racionalizada, toda essa problemática não tem tanta relevância como a transformação emocional que vai acontecendo gradativamente, na medida em que o analista dá conta de proporcionar esse ambiente também, porque muitas vezes é difícil para o analista.

ILUSÃO

Toda defesa é uma ilusão. Os mecanismos de defesa estão apoiados, amparados em ilusões. Quando essa ilusão começa a ruir e esse mecanismo de defesa passa a não ser tão eficaz, quer dizer que ele já está começando a ficar egodistônico. Ele já não está mais em sintonia com o ego. E aí, ele passa a se dissolver, a se diluir. Por quê? Porque o sujeito se sente seguro o suficiente para questionar os seus mecanismos de defesa. O trabalho da psicoterapia não é derrubar a defesa, mas é criar um ambiente suficientemente tranquilo, confiável, saudável para que o sujeito possa desenvolver a autoconfiança e passar a questionar as formas como ele tem se defendido das coisas, se defendido das coisas que muitas vezes são ilusórias.

TRANSFERÊNCIA 

É a base do que o Freud chamou de transferência. Voltando no exemplo da moça que não conseguiu ter um relacionamento bem-sucedido com o pai e hoje tem repulsa homens. Cada homem que ela se aproxima, ela transfere a imago do pai, e aí, ela age com essa pessoa nova que ela está se relacionando, não como esta pessoa real, mas com como ela se relacionava com o pai e passa a se defender desta pessoa assim como ela se defendia do pai. Mesmo que essa pessoa não venha a trazer as ameaças que o pai trouxera.



quarta-feira, 20 de novembro de 2024

O EU E O OUTRO - Prof. Renato Dias Martino



O LIMITE DO AMOR

Lá, no SOBRE O NARCISISMO UMA INTRODUÇÃO, o Freud fala sobre o que ele chamou de amor feliz. Eu tenho uma restrição quanto à ideia de feliz. Eu, mais adequadamente, colocaria: o amor real, ou um amor bem-sucedido. Mas, de qualquer forma, o Freud coloca lá que, para que possa ser chamado de amor feliz, a libido do ego precisa coincidir com a libido objetal, ou seja, o quanto o sujeito ama a si mesmo precisa coincidir com o quanto ele ama o outro. Todas as vezes que um uma tendência de interesse sobressair a outra, vai haver uma falta correlacionada. Se eu amar mais o outro do que a mim mesmo, eu não posso chamar isso de amor e se eu amar a mim mesmo mais do que ao outro, tanto quanto. E aí, a gente vai resgatar lá, a formulação religiosa com os dois mandamentos de Jesus Cristo. “Ama a Deus sobre todas as coisas e ama o outro como a ti mesmo”. E aí, é interessante, vale lembrar que, quando a gente lê na Bíblia, “mandamento”, isso não quer dizer que Jesus está mandando você fazer isso. Jesus está mostrando uma regra. Jesus está mostrando uma lei. Jesus está mostrando ali, um princípio. Então, ele está dizendo assim: “não há como amar o outro além do que você ama a si mesmo”. Não tem como. E antes de amar a si mesmo, você precisa estar amando a Deus. Amando a realidade, amando o todo. Porque, senão, isso que você tem com você não é amor, muito menos aquilo que você tem com o outro.

O OUTRO COMO AMBIENTE 

O Winnicott traz o conceito de mãe ambiente. Para o Winnicott, é importante que a mãe seja capaz de, antes de ser uma outra pessoa na vida do bebê, que ela possa ser o ambiente do bebê. Como uma extensão do que o útero foi para o bebê. Então, a mãe é o ambiente do bebê que cuida de toda a psicosfera, por assim dizer, para que ele possa se integrar ao todo. Depois que ele se integrou ao todo, ele está capacitado a reconhecê-la como uma outra pessoa e não simplesmente como o ambiente saudável que o circunda.
O INDIVÍDUO OU A ESPÉCIE 

O ser humano tem essa coisa do indivíduo, do individual, do individualismo. Ele tende, a todo custo preservar a si próprio. O seu desejo, aquilo que ele quer, mas a natureza não está nem aí para o indivíduo. A natureza não está nem aí para o sujeito. A natureza está aí para espécie. Schopenhauer já chamou atenção sobre isso. A natureza tem interesse que a espécie prolifere. Uma formiga não tem a menor importância, o que tem importância é o formigueiro. Ou você está de acordo com o formigueiro, ou você não tem a menor relevância para a natureza. E o ser humano é extremamente incapaz de estar de acordo com o todo, com a natureza. Ele quer saber dele próprio, do umbigo dele e ele, ele, ele, ele e nada mais.



domingo, 10 de novembro de 2024

JULGAMENTO, CONDENAÇÃO, CULPA E PUNIÇÃO - Prof. Renato Dias Martino



SENTIMENTO DE CULPA


Muitas vezes, o sujeito, na relação com a mãe, com o pai, ou com irmãos, ele desenvolve um sentimento de culpa. Culpa é um sentimento! Ninguém tem culpa de nada, a gente faz aquilo que dá conta de fazer. O sentimento de culpa é uma ilusão, mas muitas vezes o sujeito carrega um sentimento de culpa, por conta de uma relação malsucedida com a mãe, com o pai, com irmãos, sei lá com quem. Este sentimento de culpa vai trazer para ele um autojulgamento, uma autocondenação, o sentimento de culpa efetivamente, uma tentativa de autopunição, para que ele possa aplacar este sentimento de culpa. Quando ele se autopune, ele se sente menos culpado. Ele se sente culpado, mas ao mesmo tempo, ele está sendo punido por esta culpa e aí, entra a autossabotagem. O sujeito se autossabota como autopunição, porque estava se sentindo culpado. O desconforto do sentimento de culpa é aplacado pela autopunição, pela autossabotagem. Então, por mais que ele esteja sendo ali, prejudicado por aquilo que ele acabou se autossabotando, ainda assim, esta autossabotagem é menos desconfortável do que o sentimento de culpa.


A AUTOSSABOTAGEM E O INSTINTO DE AUTOPRESERVAÇÃO 

E esta autossabotagem inclui a desconexão com o instinto de autopreservação, ou seja, o instinto de autopreservação é aquilo que faz com que você cuide de si mesmo, se afaste daquilo que é nocivo. O instinto de autopreservação é tão primitivo que até plantinha tem. Então, a plantinha por exemplo, você cutuca ela, ela solta um leite ácido que queima a mão. Isto é um instinto de autopreservação. Então, o sujeito, quando ele está se autopunindo, se autossabotando por conta do sentimento de culpa, ele se desconecta desse instinto de autopreservação. E aí, ele passa a atentar contra a própria vida, ou se colocar em situações de risco, porque aí, ele consegue aquilo que vai trazer para ele a possibilidade de aplacar o sentimento de culpa.

O INSTINTO DE AUTOPRESERVAÇÃO E O SENTIMENTO DE CULPA 

Um dos fatores que mais contribui para o sujeito se desconectar do seu instinto de autopreservação é o sentimento de culpa. Muitas vezes, ele carrega um sentimento de culpa e passa por cima do seu instinto de autopreservação, descuidando de si mesmo, porque, muitas vezes, ele se sente merecedor de adoecer. Porque se sente culpado e o adoecer vai vir como uma autopunição. Esta autopunição vai fazer com que ele consiga equilibrar o sentimento de culpa. “Me sinto culpado, mas olha só como eu estou padecendo”.


PUNIR E SER PUNIDO

Muitas vezes, ele não consegue fazer isso consigo mesmo, atentar contra a própria vida e aí que que ele acaba se aproximando de pessoas que vão atentar contra a vida dele, fisicamente, emocionalmente, moralmente, de qualquer forma. Então, eu não dou conta de me autopunir, então eu me aproximo de alguém que vai me punir e vou ter atitudes que sejam dignas de punição. Muitas vezes, quem faz isso tem uma característica mais histérica da personalidade e ela se aproxima de uma pessoa que tem características mais obsessivas. Então, o obsessivo vai punir o histérico. O histérico se sente culpado e o obsessivo procura alguém que se sinta culpado. O histérico se sente merecedor de punição e o obsessivo quer punir alguém, procura alguém para punir.

LEGADO DO FRACASSO 

Eu começo a perceber que eu funciono de maneira diferente dos meus pais e cada atitude que eu tenho que não esteja em consonância com as atitudes do meu pai, ou da minha mãe, eu me sinto culpado por aquilo. Me sinto culpado me sinto culpado de sentir prazer, me sinto culpado de me sentir alegria, me sinto culpado de realizar, me sinto culpado das coisas, por quê porque meus pais estão identificados com o lugar do fracassado e por conta disso eu não posso avançar para além daquilo que meus pais fizeram. Porque senão eu me sinto culpado. Então, cada realização que eu consigo, cada prazer que eu sinto, cada alegria que eu sinto, vem junto com o sentimento de culpa, logo com um ímpeto de autopunição.



domingo, 3 de novembro de 2024

SOBRE A VONTADE E A PSICOTERAPIA - Prof. Renato Dias Martino




VONTADE OBSTRUTORA 

Se a gente for levantar aí as nossas aulas, pelo menos aí, nos últimos meses, a gente vai ver que a gente tem falado muito sobre a vontade, sobre a vontade e sobre o desdobramento dessa vontade no desejo. Por que isso é tão importante? Porque é justamente a vontade e o desejo no desdobramento da frustração da vontade que vai ser um fator fundamentalmente obstrutor da nossa prática diária da psicanálise na clínica. Todas as vezes que a nossa vontade sobressair ao reconhecimento da realidade e isso a miúde pode acontecer, este acordo que pode ser travado entre o sujeito e a realidade vai ser comprometido, vai ser poluído. Ou seja, o sujeito deseja alguma coisa, ou ainda a sua vontade está prevalecendo e por conta disso ele tem dificuldade de reconhecer a realidade, tendo dificuldade de reconhecer a realidade ele não é capaz de respeitar esta realidade, não sendo capaz de respeitar essa realidade ele não é capaz de se responsabilizar por si mesmo e pela realidade e aí, estamos obstruídos de um fluxo no vínculo que pode ser estabelecido com o paciente.

ACORDO

O Bion propõe a ideia de “sem memória, sem desejo e sem compreensão”, então ele diz assim quanto menos você resgatar dados da memória, quanto menos você estiver sendo conduzido pelo seu desejo, quanto menos você estiver com ânsia de saber, ou com uma ânsia de tentar encaixar aquilo que está acontecendo no que você já sabia, mais de acordo com a realidade você estará. No entanto, tanto o conhecimento, quanto o resgate dos dados da memória, estão subordinados ao desejo. É o desejo que faz você resgatar as coisas da memória. É o desejo que faz você tentar encaixar aquilo que você está vivendo no já sabido. Então, é muito importante que a gente possa olhar para o desejo como algo que é fundamentalmente obstrutor na prática da clínica. Nos impede de reconhecer a realidade e portanto nos obstrui de entrar num acordo com esta realidade.

RENÚNCIA E FRUSTRAÇÃO 

A questão de renunciar do desejo está subordinada à capacidade de tolerar a frustração, que é gerada pela incerteza. Quando eu não sou capaz de tolerar a incerteza, eu estou apegado àquilo que eu gostaria de ser. Eu tomo como real aquilo que eu gostaria de ser, ou aquilo que eu gostaria que fosse a realidade e isso é justamente o desejo.

PROJEÇÃO 

Quando o analista está vivendo uma grande dor, por exemplo e de alguma forma ele ainda evita sofrer essa dor. Isso é muito importante! A gente separar, sofrimento de dor. Sofrimento, sugere movimento e dor é algo que você sente. Sofrer a dor é diferente de sentir a dor. Quando você sofre essa dor, essa dor tende a se transformar. Diferente de quando você simplesmente sente essa dor. Quando o analista está com dificuldade de sofrer a dor, ele pode projetar esta dor que ele ora está sentindo no paciente. Quando ele projeta essa dor no paciente, porque o paciente sugeriu algo parecido com essa dor, ele passa a tentar solucionar ou resolver ou ainda amenizar essa dor do paciente então ele projeta, essa dor, no paciente e tenta então resolver a dor do paciente, amenizar a dor do paciente. Quando ele está em dia com a sua análise pessoal, quando ele está integrado, ele consegue tolerar esta dor até que ele possa sofrer esta dor para que haja uma transformação, mas para isso ele precisa ser capaz de renunciar ao seu desejo e adiar das suas vontades.

FUGA

Muitas vezes, quando a gente está sentindo uma dor muito intensa, quando a gente está sentindo uma angústia muito grande, uma ansiedade muito grande, a gente tende a fugir dessa dor, dessa dor psíquica, dessa dor emocional. E tudo bem! Não tem problema, nós vamos fazer isso a miúde, mesmo. Nós vamos fugir dessas dores. No entanto, a gente precisa ter consciência de que fugir de uma dor psíquica é impreterivelmente se iludir. A fuga da dor emocional é a ilusão, que vai gerar alucinação, que vai gerar delírios. Ninguém foge de um processo psíquico, ele se engana estar fugindo.

SENTIMENTO, EMOÇÃO, AFETO E VÍNCULO

Quando a gente fala de emoção, vamos começar pela emoção, eu penso ser muito importante a gente partir da semântica da palavra. “E + MOÇÃO” E, no latim é ex. Corta-se os X, aí quer dizer para fora e MOÇÃO é movimento. Então, movimento para fora, ou seja, algo que está dentro que vai para fora, se projeta no mundo externo. A emoção é impreterivelmente algo que eclode do mundo interno. O sentimento já é algo que você sente independente de externalizar. Eu sinto isso e isso não necessariamente vai gerar uma emoção. É claro que toda emoção é gerada de um sentimento, mas nem todo sentimento gera uma emoção. Sentimento é algo que me faz mobilizar algo internamente e emoção é quando eu externalizo isso. Quando eu coloco para fora, quando eu manifesto isso no mundo externo. E aí, vale acrescentar mais uma experiência que é do afeto. A quer dizer em direção alguma coisa e FACERE quer dizer fazer. Fazer alguma coisa em direção. Então, um sentimento gera uma emoção e esta emoção está buscando um afeto que possa afetá-la. Quando esta emoção encontra um afeto acontece um vínculo.

MODELO

Cada psicoterapeuta tem a sua técnica, cada psicoterapeuta tem a sua maneira, a sua metodologia de praticar a psicoterapia. Não só cada psicoterapeuta, mas existem inúmeras teorias de aplicabilidade psicoterapêutica, no entanto, seja a prática que for, seja o método que for, seja a técnica que possa ser usada, na realidade, o que realmente é transformador é o vínculo saudável que se estabelece entre as duas pessoas, psicoterapeuta e paciente. Como é que funciona isso? Você propicia a possibilidade de se estabelecer um vínculo saudável com esse paciente, este vínculo ora estabelecido vai começar a se tornar um modelo de vínculo para que o paciente possa internalizar e aplicar na relação que ele tem consigo mesmo. Muitas vezes, ele não consegue reconhecer a si mesmo. Muitas vezes, ele não consegue respeitar a si mesmo. Muitas vezes, ele não consegue se responsabilizar por si mesmo, mas dentro do vínculo psicoterapeuta/paciente vai haver a possibilidade disso. O psicoterapeuta vai reconhecer esse paciente, vai respeitar este paciente, vai se responsabilizar por esse vínculo com o paciente. E o paciente vai aprendendo isso e internalizando. E ele passa a fazer isso em relação a si mesmo. A partir desse vínculo que ele vai reparando consigo mesmo, ele vai sendo capaz de estender este mesmo modelo nas relações que ele tem com as pessoas. E não só estender este modelo na relação com as pessoas, mas ser capaz de avaliar se a pessoa que ele vem a se relacionar é capaz de manter um vínculo desta qualidade e se afastar das pessoas que definitivamente ele perceba que não são capazes de manter esta qualidade de vínculo saudável.

TRANSFORMAR 

A psicoterapia não promove transformação, ela propicia um ambiente para que a transformação possa acontecer. A transformação vai acontecer por si só, não é a psicoterapia que promove. A psicoterapia propicia um ambiente para desobstruir a possibilidade de transformação. O sujeito não se transforma porque ele está obstruído de um monte de coisas que ele foi criando e colocando no seu caminho e que vão represando a sua possibilidade de fluxo do desenvolvimento. A psicoterapia é um recurso de desobstrução. Então, o que realmente propicia desobstrução é um vínculo saudável, é um vínculo que tenha dedicação e limite, amor e verdade. Dedicação é amor. Acolhimento! O que é acolhimento? É amor com limite. Acolher é algo que carece de limite, mas também carece de dedicação, de doação, de atenção, mas isso tudo dentro do limite. Qual é o limite? O limite da capacidade de ambos. Precisamos respeitar o limite de cada um. O limite do analista e o limite do paciente. O quanto o analista é capaz de se doar. Tem um limite. O quanto o paciente é capaz de se doar. Tem um limite!

DEBRIS

Auto-lapidação! É muito bonito isso. O que é lapidação? É ir retirando as partes que não são tão nobres de si mesmo e se desfazendo daquilo que talvez não seja saudável de si mesmo e ficando só com a essência. Esta questão de auto-lapidação é muito bela. O Bion vai falar dos debris. Ele vai falar dos escombros, dos entulhos que o paciente chega na clínica e você vai ajudando ele a tirar aquilo de cima dele para ver o que é que sobra de verdadeiro. Então, essa questão é muito e interessante, é muito bela, de ir se autou-lapidando daquilo que não é nobre, daquilo que não te ajuda, daquilo que só te obstrui o fluxo da sua própria vida.

SOFRER A DOR

O Bion trata sobre essa questão do sofrer a dor e o sentir a dor lá no ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, 1970. Então, ele vai dizer que alguns pacientes não são capazes de sofrer a dor. Eles sentem a dor, mas eles não conseguem submeter essa dor ao sofrimento. Ele não consegue viver essa dor, então ele padece da dor. Ele sente aquela dor repetidamente, da mesma forma e ele se lamenta daquela dor. Ele reclama daquela dor, mas ele não consegue sofrer aquela dor. Quando ele coloca esta dor dentro da perspectiva do sofrimento e se propõe a realmente sofrer esta dor... O que é sofrer essa dor? É RECONHECER essa dor como sua, é aprender a RESPEITAR essa dor e é se RESPONSABILIZAR por essa dor. Quando ele consegue esses três “Rs”: reconhecer, respeitar e se responsabilizar, essa dor começa a se transformar em algo nobre, em aprendizado e já não está mais naquela perspectiva da lamentação, do padecimento, mas esse sofrimento leva à transformação. Não é simplesmente... Sofrer a dor não é simplesmente sentir a dor, mas é viver essa dor para que ela possa se transformar. Mas, para isso eu preciso de tolerar essa dor. Quando eu estou padecendo da dor e não estou sofrendo da dor, eu estou a aguentando essa dor, eu não estou tolerando a dor. Quando eu tolero, ela se transforma. Quando eu aguento... E o que é aguentar? É suportar como se suporta um peso. Então, quando eu aguento, quando eu suporto, aquela dor fica represada e não se transforma. E aí, a gente vai chamar em psicanálise isso daí de melancolia, de estado de melancolia. Quando o sujeito submete essa dor ao sofrimento ele passa a viver o processo do desta dor e aí é transformador.

RESPONSABILIDADE

Um exemplo claro de sentir a dor, de padecer da dor e não sofrer da dor: eu sinto essa dor dentro de uma perspectiva de angústia, de ansiedade, de medo, de insegurança e eu atribuo ao outro a responsabilidade disso. “Foi você que me deixou inseguro!” “Quando você faz isso eu fico assim!” “Foi você que provocou isso!” E aí, eu brigo com o outro, porque eu não sou capaz de reconhecer que essa dor é minha, que é uma insegurança minha, que eu não estou sendo capaz de reconhecer isso como meu, não estou sendo capaz de respeitar isso como meu e não estou sendo capaz de me responsabilizar por isso. Então, eu coloco no colo do outro e digo: “É você quem faz isso acontecer comigo!” E aí, o que acontece? Quando o sujeito sente a dor e padece da dor e não é capaz de sofrer a dor ele prejudica todo mundo que está em volta dele. Todo mundo se sente culpado por aquilo. Quando, na realidade, é o sujeito que precisa se responsabilizar por isso.

CULPA

Qual é o antídoto para dissolver a culpa? É a capacidade de se responsabilizar. Não existe outra coisa! Mas, qual é o benefício do sujeito manter a culpa, se manter se sentindo culpado? É justamente atribuir ao outro esta culpa. “A culpa é minha, eu coloco em quem eu quiser!” Manter a culpa tem um benefício. Reconhecer, aprender a respeitar e se responsabilizar pelo fato é muito trabalhoso. Requer uma dedicação enorme. Requer uma capacidade de frustração muito grande. Não é para qualquer um. É muito mais fácil eu jogar para o outro. É muito mais fácil eu armar um caos, sair brigando com todo mundo, gritando, esbravejando, do que me responsabilizar por isso, do que cuidar disso na minha análise pessoal.

REALIDADE

Nós temos a tendência de enxergar no mundo aquilo que coincide com a nossa vontade. A gente imagina alguma coisa e procura no mundo isso que a gente imaginou. A possibilidade de reconhecer as coisas reais do mundo é muito difícil para o ser humano. Ele só consegue fazer isso a partir de um encontro bem sucedido com o mundo externo. O bebê precisa encontrar com a mãe generosa, com a mãe suficientemente boa, porque a mãe é a primeira noção de mundo externo. Quando ele não consegue encontrar esta mãe generosa, essa mãe benevolente, essa mãe suficientemente boa, ele vai guardar uma dificuldade enorme de reconhecer as coisas do mundo externo, as coisas reais e vai priorizar aquilo que ele imagina e não aquilo que realmente é.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Tenho minhas restrições ali com o Saramago, porque era ateu, mas tudo bem, respeito, não tem problema, mas ele tem obras geniais e uma das obras geniais dele é o Ensaio Sobre a Cegueira, que depois virou um filme tão bacana quanto o livro. Então, muitas vezes, o paciente chega na clínica vivendo uma experiência muito parecida com esta obra. Ele é o único que está sendo capaz de ver, de enxergar, simbolicamente é claro, num ambiente onde está todo mundo cego. E ele chega desesperado por causa disso e muitas vezes, ele acreditando que o mal dele é enxergar. Porque está todo mundo cego e adaptado à cegueira, só que pendurado nele. Muitas vezes, na maioria das vezes o sujeito que procura terapia é o sujeito mais saudável emocionalmente da família.

REPARAÇÃO

Quando a criança é pequena, existe maior possibilidade dele conseguir reparar esta relação com o mundo externo. Conforme ele vai crescendo, conforme ele vai se desenvolvendo, vai se tornando cada vez mais difícil, porque esta interação quando vai passando o tempo, vai criando maiores obstruções maiores ilusões e ilusões muitas vezes, intransponíveis, que não podem ser ultrapassadas na barreira que separa o sujeito do outro. Então, quanto mais terra for a possibilidade de reparação, tanto mais ela pode ser bem-sucedida.