VONTADE OBSTRUTORA
Se a gente for levantar aí as nossas aulas, pelo menos aí, nos últimos meses, a gente vai ver que a gente tem falado muito sobre a vontade, sobre a vontade e sobre o desdobramento dessa vontade no desejo. Por que isso é tão importante? Porque é justamente a vontade e o desejo no desdobramento da frustração da vontade que vai ser um fator fundamentalmente obstrutor da nossa prática diária da psicanálise na clínica. Todas as vezes que a nossa vontade sobressair ao reconhecimento da realidade e isso a miúde pode acontecer, este acordo que pode ser travado entre o sujeito e a realidade vai ser comprometido, vai ser poluído. Ou seja, o sujeito deseja alguma coisa, ou ainda a sua vontade está prevalecendo e por conta disso ele tem dificuldade de reconhecer a realidade, tendo dificuldade de reconhecer a realidade ele não é capaz de respeitar esta realidade, não sendo capaz de respeitar essa realidade ele não é capaz de se responsabilizar por si mesmo e pela realidade e aí, estamos obstruídos de um fluxo no vínculo que pode ser estabelecido com o paciente.
ACORDO
O Bion propõe a ideia de “sem memória, sem desejo e sem compreensão”, então ele diz assim quanto menos você resgatar dados da memória, quanto menos você estiver sendo conduzido pelo seu desejo, quanto menos você estiver com ânsia de saber, ou com uma ânsia de tentar encaixar aquilo que está acontecendo no que você já sabia, mais de acordo com a realidade você estará. No entanto, tanto o conhecimento, quanto o resgate dos dados da memória, estão subordinados ao desejo. É o desejo que faz você resgatar as coisas da memória. É o desejo que faz você tentar encaixar aquilo que você está vivendo no já sabido. Então, é muito importante que a gente possa olhar para o desejo como algo que é fundamentalmente obstrutor na prática da clínica. Nos impede de reconhecer a realidade e portanto nos obstrui de entrar num acordo com esta realidade.
RENÚNCIA E FRUSTRAÇÃO
A questão de renunciar do desejo está subordinada à capacidade de tolerar a frustração, que é gerada pela incerteza. Quando eu não sou capaz de tolerar a incerteza, eu estou apegado àquilo que eu gostaria de ser. Eu tomo como real aquilo que eu gostaria de ser, ou aquilo que eu gostaria que fosse a realidade e isso é justamente o desejo.
PROJEÇÃO
Quando o analista está vivendo uma grande dor, por exemplo e de alguma forma ele ainda evita sofrer essa dor. Isso é muito importante! A gente separar, sofrimento de dor. Sofrimento, sugere movimento e dor é algo que você sente. Sofrer a dor é diferente de sentir a dor. Quando você sofre essa dor, essa dor tende a se transformar. Diferente de quando você simplesmente sente essa dor. Quando o analista está com dificuldade de sofrer a dor, ele pode projetar esta dor que ele ora está sentindo no paciente. Quando ele projeta essa dor no paciente, porque o paciente sugeriu algo parecido com essa dor, ele passa a tentar solucionar ou resolver ou ainda amenizar essa dor do paciente então ele projeta, essa dor, no paciente e tenta então resolver a dor do paciente, amenizar a dor do paciente. Quando ele está em dia com a sua análise pessoal, quando ele está integrado, ele consegue tolerar esta dor até que ele possa sofrer esta dor para que haja uma transformação, mas para isso ele precisa ser capaz de renunciar ao seu desejo e adiar das suas vontades.
FUGA
Muitas vezes, quando a gente está sentindo uma dor muito intensa, quando a gente está sentindo uma angústia muito grande, uma ansiedade muito grande, a gente tende a fugir dessa dor, dessa dor psíquica, dessa dor emocional. E tudo bem! Não tem problema, nós vamos fazer isso a miúde, mesmo. Nós vamos fugir dessas dores. No entanto, a gente precisa ter consciência de que fugir de uma dor psíquica é impreterivelmente se iludir. A fuga da dor emocional é a ilusão, que vai gerar alucinação, que vai gerar delírios. Ninguém foge de um processo psíquico, ele se engana estar fugindo.
SENTIMENTO, EMOÇÃO, AFETO E VÍNCULO
Quando a gente fala de emoção, vamos começar pela emoção, eu penso ser muito importante a gente partir da semântica da palavra. “E + MOÇÃO” E, no latim é ex. Corta-se os X, aí quer dizer para fora e MOÇÃO é movimento. Então, movimento para fora, ou seja, algo que está dentro que vai para fora, se projeta no mundo externo. A emoção é impreterivelmente algo que eclode do mundo interno. O sentimento já é algo que você sente independente de externalizar. Eu sinto isso e isso não necessariamente vai gerar uma emoção. É claro que toda emoção é gerada de um sentimento, mas nem todo sentimento gera uma emoção. Sentimento é algo que me faz mobilizar algo internamente e emoção é quando eu externalizo isso. Quando eu coloco para fora, quando eu manifesto isso no mundo externo. E aí, vale acrescentar mais uma experiência que é do afeto. A quer dizer em direção alguma coisa e FACERE quer dizer fazer. Fazer alguma coisa em direção. Então, um sentimento gera uma emoção e esta emoção está buscando um afeto que possa afetá-la. Quando esta emoção encontra um afeto acontece um vínculo.
MODELO
Cada psicoterapeuta tem a sua técnica, cada psicoterapeuta tem a sua maneira, a sua metodologia de praticar a psicoterapia. Não só cada psicoterapeuta, mas existem inúmeras teorias de aplicabilidade psicoterapêutica, no entanto, seja a prática que for, seja o método que for, seja a técnica que possa ser usada, na realidade, o que realmente é transformador é o vínculo saudável que se estabelece entre as duas pessoas, psicoterapeuta e paciente. Como é que funciona isso? Você propicia a possibilidade de se estabelecer um vínculo saudável com esse paciente, este vínculo ora estabelecido vai começar a se tornar um modelo de vínculo para que o paciente possa internalizar e aplicar na relação que ele tem consigo mesmo. Muitas vezes, ele não consegue reconhecer a si mesmo. Muitas vezes, ele não consegue respeitar a si mesmo. Muitas vezes, ele não consegue se responsabilizar por si mesmo, mas dentro do vínculo psicoterapeuta/paciente vai haver a possibilidade disso. O psicoterapeuta vai reconhecer esse paciente, vai respeitar este paciente, vai se responsabilizar por esse vínculo com o paciente. E o paciente vai aprendendo isso e internalizando. E ele passa a fazer isso em relação a si mesmo. A partir desse vínculo que ele vai reparando consigo mesmo, ele vai sendo capaz de estender este mesmo modelo nas relações que ele tem com as pessoas. E não só estender este modelo na relação com as pessoas, mas ser capaz de avaliar se a pessoa que ele vem a se relacionar é capaz de manter um vínculo desta qualidade e se afastar das pessoas que definitivamente ele perceba que não são capazes de manter esta qualidade de vínculo saudável.
TRANSFORMAR
A psicoterapia não promove transformação, ela propicia um ambiente para que a transformação possa acontecer. A transformação vai acontecer por si só, não é a psicoterapia que promove. A psicoterapia propicia um ambiente para desobstruir a possibilidade de transformação. O sujeito não se transforma porque ele está obstruído de um monte de coisas que ele foi criando e colocando no seu caminho e que vão represando a sua possibilidade de fluxo do desenvolvimento. A psicoterapia é um recurso de desobstrução. Então, o que realmente propicia desobstrução é um vínculo saudável, é um vínculo que tenha dedicação e limite, amor e verdade. Dedicação é amor. Acolhimento! O que é acolhimento? É amor com limite. Acolher é algo que carece de limite, mas também carece de dedicação, de doação, de atenção, mas isso tudo dentro do limite. Qual é o limite? O limite da capacidade de ambos. Precisamos respeitar o limite de cada um. O limite do analista e o limite do paciente. O quanto o analista é capaz de se doar. Tem um limite. O quanto o paciente é capaz de se doar. Tem um limite!
DEBRIS
Auto-lapidação! É muito bonito isso. O que é lapidação? É ir retirando as partes que não são tão nobres de si mesmo e se desfazendo daquilo que talvez não seja saudável de si mesmo e ficando só com a essência. Esta questão de auto-lapidação é muito bela. O Bion vai falar dos debris. Ele vai falar dos escombros, dos entulhos que o paciente chega na clínica e você vai ajudando ele a tirar aquilo de cima dele para ver o que é que sobra de verdadeiro. Então, essa questão é muito e interessante, é muito bela, de ir se autou-lapidando daquilo que não é nobre, daquilo que não te ajuda, daquilo que só te obstrui o fluxo da sua própria vida.
SOFRER A DOR
O Bion trata sobre essa questão do sofrer a dor e o sentir a dor lá no ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, 1970. Então, ele vai dizer que alguns pacientes não são capazes de sofrer a dor. Eles sentem a dor, mas eles não conseguem submeter essa dor ao sofrimento. Ele não consegue viver essa dor, então ele padece da dor. Ele sente aquela dor repetidamente, da mesma forma e ele se lamenta daquela dor. Ele reclama daquela dor, mas ele não consegue sofrer aquela dor. Quando ele coloca esta dor dentro da perspectiva do sofrimento e se propõe a realmente sofrer esta dor... O que é sofrer essa dor? É RECONHECER essa dor como sua, é aprender a RESPEITAR essa dor e é se RESPONSABILIZAR por essa dor. Quando ele consegue esses três “Rs”: reconhecer, respeitar e se responsabilizar, essa dor começa a se transformar em algo nobre, em aprendizado e já não está mais naquela perspectiva da lamentação, do padecimento, mas esse sofrimento leva à transformação. Não é simplesmente... Sofrer a dor não é simplesmente sentir a dor, mas é viver essa dor para que ela possa se transformar. Mas, para isso eu preciso de tolerar essa dor. Quando eu estou padecendo da dor e não estou sofrendo da dor, eu estou a aguentando essa dor, eu não estou tolerando a dor. Quando eu tolero, ela se transforma. Quando eu aguento... E o que é aguentar? É suportar como se suporta um peso. Então, quando eu aguento, quando eu suporto, aquela dor fica represada e não se transforma. E aí, a gente vai chamar em psicanálise isso daí de melancolia, de estado de melancolia. Quando o sujeito submete essa dor ao sofrimento ele passa a viver o processo do desta dor e aí é transformador.
RESPONSABILIDADE
Um exemplo claro de sentir a dor, de padecer da dor e não sofrer da dor: eu sinto essa dor dentro de uma perspectiva de angústia, de ansiedade, de medo, de insegurança e eu atribuo ao outro a responsabilidade disso. “Foi você que me deixou inseguro!” “Quando você faz isso eu fico assim!” “Foi você que provocou isso!” E aí, eu brigo com o outro, porque eu não sou capaz de reconhecer que essa dor é minha, que é uma insegurança minha, que eu não estou sendo capaz de reconhecer isso como meu, não estou sendo capaz de respeitar isso como meu e não estou sendo capaz de me responsabilizar por isso. Então, eu coloco no colo do outro e digo: “É você quem faz isso acontecer comigo!” E aí, o que acontece? Quando o sujeito sente a dor e padece da dor e não é capaz de sofrer a dor ele prejudica todo mundo que está em volta dele. Todo mundo se sente culpado por aquilo. Quando, na realidade, é o sujeito que precisa se responsabilizar por isso.
CULPA
Qual é o antídoto para dissolver a culpa? É a capacidade de se responsabilizar. Não existe outra coisa! Mas, qual é o benefício do sujeito manter a culpa, se manter se sentindo culpado? É justamente atribuir ao outro esta culpa. “A culpa é minha, eu coloco em quem eu quiser!” Manter a culpa tem um benefício. Reconhecer, aprender a respeitar e se responsabilizar pelo fato é muito trabalhoso. Requer uma dedicação enorme. Requer uma capacidade de frustração muito grande. Não é para qualquer um. É muito mais fácil eu jogar para o outro. É muito mais fácil eu armar um caos, sair brigando com todo mundo, gritando, esbravejando, do que me responsabilizar por isso, do que cuidar disso na minha análise pessoal.
REALIDADE
Nós temos a tendência de enxergar no mundo aquilo que coincide com a nossa vontade. A gente imagina alguma coisa e procura no mundo isso que a gente imaginou. A possibilidade de reconhecer as coisas reais do mundo é muito difícil para o ser humano. Ele só consegue fazer isso a partir de um encontro bem sucedido com o mundo externo. O bebê precisa encontrar com a mãe generosa, com a mãe suficientemente boa, porque a mãe é a primeira noção de mundo externo. Quando ele não consegue encontrar esta mãe generosa, essa mãe benevolente, essa mãe suficientemente boa, ele vai guardar uma dificuldade enorme de reconhecer as coisas do mundo externo, as coisas reais e vai priorizar aquilo que ele imagina e não aquilo que realmente é.
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
Tenho minhas restrições ali com o Saramago, porque era ateu, mas tudo bem, respeito, não tem problema, mas ele tem obras geniais e uma das obras geniais dele é o Ensaio Sobre a Cegueira, que depois virou um filme tão bacana quanto o livro. Então, muitas vezes, o paciente chega na clínica vivendo uma experiência muito parecida com esta obra. Ele é o único que está sendo capaz de ver, de enxergar, simbolicamente é claro, num ambiente onde está todo mundo cego. E ele chega desesperado por causa disso e muitas vezes, ele acreditando que o mal dele é enxergar. Porque está todo mundo cego e adaptado à cegueira, só que pendurado nele. Muitas vezes, na maioria das vezes o sujeito que procura terapia é o sujeito mais saudável emocionalmente da família.
REPARAÇÃO
Quando a criança é pequena, existe maior possibilidade dele conseguir reparar esta relação com o mundo externo. Conforme ele vai crescendo, conforme ele vai se desenvolvendo, vai se tornando cada vez mais difícil, porque esta interação quando vai passando o tempo, vai criando maiores obstruções maiores ilusões e ilusões muitas vezes, intransponíveis, que não podem ser ultrapassadas na barreira que separa o sujeito do outro. Então, quanto mais terra for a possibilidade de reparação, tanto mais ela pode ser bem-sucedida.