quinta-feira, 24 de abril de 2025

TOLERÂNCIA E FORÇA - Prof. Renato Dias Martino - Parte 1


PARADIGMA

 

Uma das funções da psicanálise é quebrar alguns paradigmas. Paradigmas que são cultivados, compartilhados socialmente no senso comum e que dentro da perspectiva da psicanálise há uma possibilidade de quebra deste paradigma. E não são paradigmas simplesmente cultivados aleatoriamente, mas são paradigmas que, no seu cultivo trazem um dano no funcionamento emocional. De alguma forma, compartilhar estes paradigmas vai trazendo para o sujeito, um adoecimento emocional e o tema de hoje é justamente a partir desta ideia. Tolerância e força.

 

FORÇA E SAÚDE

 

Dentro do senso comum, força é um indicativo de saúde. Um sujeito forte é um sujeito saudável. Esta é uma expressão quase que unânime. Se a gente não pensar de maneira cuidadosa, saúde mental e força conhecidem, no senso comum.

 

QUEM AGUENTA NÃO TOLERA

 

O sujeito que aguenta, ele não precisa tolerar. O sujeito que é capaz de aguentar, de suportar. ele não precisa aprender a tolerar. Ele aguenta o prejuízo, para que que ele vai aprender a tolerar? E quem aguenta é forte.

 

INTUIÇÃO

 

A visão é limitante e limitada, a audição é limitante e limitada, o tato é limitante e limitado e todos os outros sentidos... A intuição não. A intuição não mente. A intuição é pura, mas no convívio se civilizatório, no convívio social, nós não podemos usar da intuição. Por quê? Porque intuição não se explica, porque a intuição não tem embasamento teórico, porque a intuição não está atrelada ao conhecimento e para que o sujeito possa se utilizar da intuição, deste sentido que não está ligado ao sensorial, esta pessoa precisa estar sensível. Ela precisa estar sendo uma pessoa sensível para que ela possa reconhecer o mundo pela via da intuição. Sem sensibilidade sem intuição.

 

PSICANÁLISE E INTUIÇÃO

 

Um psicanalista, essencialmente é guiado pela sua intuição. Ele pode ser guiado pelos cinco sentidos, mas se estes cinco sentidos estiverem confirmando aquilo que a sua intuição está dizendo.

 

ADESTRAÇÃO

 

A diferença básica do ser humano para as outras espécies animais é que ele se ausentou, ele se distanciou da sua natureza. Isso que a gente chama de evolução do ser humano é o distanciamento dele da sua natureza. Ele não só se distanciou da sua natureza, mas ele levou junto algumas outras espécies de animais também. Então, os nossos ditos animais domésticos são animais que foram retirados da sua natureza, que foram humanizados. A sociedade espera que você também seja domesticado. A vida social, a vida civilizatória é baseada em adestramentos. Quanto mais “educadinho” você for, mais bem visto social você vai ser. E isso, voltando lá no início da minha fala, é adoecedor. O sujeito que está muito bem adequado a vida social e a civilização ele tende a adoecer.

 

CIVILIZAÇÃO

 

Uma característica muito peculiar da sociabilização e da civilização é que a criança, muito cedo, vai aprendendo a deixar de ser ela mesma para se tornar aquilo que o outro gostaria que ela fosse e me parece que hoje em dia cada vez mais cedo. Cada vez mais cedo, ela tem que se encaixar num critério pré-estabelecido para que ela seja aprovada socialmente.

 

SENSIBILIDADE

 

Se nós estamos falando de intuição, nós estamos falando de uma capacidade que só pode ser desfrutada por aquele que tem sensibilidade, que seja sensível. Um sujeito sensível pode desfrutar da sua intuição. A sensibilidade é o que fundamenta o uso do aparato intuitivo e a sensibilidade só pode ser desenvolvida por um sujeito que seja capaz de tolerar a sua fragilidade. Sensibilidade é um desdobramento da fragilidade. Um sujeito forte não pode ser sensível. A força anula a sensibilidade.

 

INTERNO E EXTERNO

 

Quando a gente está falando de sensibilidade e o desdobramento da sensibilidade na intuição, esta intuição vai perceber e a partir dessa percepção disponibilizar o reconhecimento, tanto daquilo que vem de dentro, tanto daquilo que vem do mundo interno, que são as pulsões que são as emoções, quanto daquilo que vem do mundo externo, que é aquilo que me afeta a partir do contato com o outro. A intuição ela tem tanto esta função de percepção interna, quanto de percepção externa. Tanto do funcionamento emocional, quanto do funcionamento afetivo.

 

INTUIÇÃO OU ALUCINAÇÃO?

 

Como eu posso reconhecer se aquilo que eu estou sentindo é intuição ou é uma alucinação? Qual é o mecanismo, qual é o referencial para que eu possa avaliar se aquilo que eu estou sentindo é a partir de uma intuição ou é a partir de algo reprimido, ou algum elemento não elaborado do meu mundo interno? Não importa! Se a tua intuição está dizendo alguma coisa, você tem que respeitar essa intuição, porque ela está apontando um limite. Ela está apontando uma limitação sua por mais que essa limitação seja de uma falha no funcionamento emocional por exemplo um medo se você tem medo de alguma coisa será que este medo é uma intuição de dizendo sobre algo real ou é uma Alucinação não importa esta intuição está te apontando algo interno uma limitação interna sua que vai te obstruir de conseguir ter uma relação bem-sucedida com o mundo externo se a intuição falou tá falado.

 

COMUNICAR INTUIÇÕES

 

Quando eu tenho uma intuição enquanto analista junto com o meu paciente é importante que eu possa comunicá-la a ele. Mas, qual é a maneira adequada de se comunicar uma intuição? Nunca através de uma afirmação, sempre através de uma dúvida, sempre através de uma indagação, sempre através de uma proposta de: “eu tenho a impressão que”, “me parece que”, “se faz sentido para você”. Nunca dentro de uma afirmação, nunca dentro de uma certeza, porque a afirmação ou a certeza são inimigas da intuição.

 

FORÇA E ILUSÃO

 

Reconhecer a sua fragilidade é um motivo para se desenvolver tolerância. Se eu percebo a minha fragilidade é porque eu percebi o meu limite e esta percepção me faz reconhecer até onde eu dou conta. Então, reconhecer a sua fragilidade é fundamental no desenvolvimento da tolerância. O que que é um sujeito forte? É um sujeito que aguenta, é um sujeito que enfrenta, é um sujeito que encara, é um sujeito que não avalia a configuração da experiência antes de se enfiar. É o sujeito que acredita que ele dá conta de qualquer coisa e isso é uma grande ilusão. A força, dentro da configuração emocional e afetiva só pode existir através da ilusão. O sujeito é forte quando ele está iludido.

 

FRAGILIDADE

 

Esse sujeito que se avalia como forte, ele acaba prometendo para o outro que ele é forte. O outro começa a acreditar que ele é forte. E aí, que está a grande cilada, porque ele não é forte e uma hora isso aí vai desmoronar. E vai desmoronar sabe quando? No pior no momento, mais inadequado. No momento mais inadequado vai se revelar a fragilidade que é a sua concepção real e natural. Nós somos frágeis.

 

SOB PRESSÃO

 

Muitas vezes, o sujeito chega ao ponto de dizer assim: “Eu trabalho melhor sob pressão. É aí que eu dou o meu melhor.” Não! Não é o seu melhor. O seu melhor você dar quando você está em paz. O seu melhor você dar quando você está tranquilo. O seu melhor você dar quando você está se dedicando a alguma coisa que você ama, que você está se dedicando a alguma coisa que você tem afinidade. Você está se dedicando a alguma coisa que reúne uma configuração de harmonia. É aí que você dá o seu melhor.

 

INTUIÇÃO OBSTRUÍDA

 

Todos nós temos a capacidade de intuir. A intuição é um dom de cada um de nós. Agora, quando a gente não está sendo capaz de reconhecer a nossa fragilidade, portanto a nossa sensibilidade, a gente fica obstruído de intuir. A intuição fica inacessível e quando ela vem eu acabo desacreditando dela. Menosprezando. porque muitas vezes eu estou apegado no saber e a intuição não tem explicação. Muitas vezes, eu estou dentro de uma perspectiva de força, de acreditar que eu estou forte e se eu sou forte aquilo que a intuição me aponta é irrelevante. Então, todos nós somos intuitivos, mas podemos estar obstruídos por conta de inúmeros fatores.

 

INTUIÇÃO E INSTINTO DE AUTOPRESERVAÇÃO

 

A intuição é um fator do instinto de autopreservação. Estão interligadas e são interdependentes. Intuição! intuir é olhar por dentro. Então, quando eu tenho uma intuição em relação ao outro é porque este outro já faz parte de mim, ele já está dentro de mim. Então, é como se eu usasse o meu instinto de autopreservação para preservar o outro. Intuir! Eu só posso intuir sobre alguém que está no meu coração, está dentro. Eu não tenho como intuir sobre uma pessoa que eu não tenha relação afetiva.

 

EXTRA-SENSORIAL

 

A intuição não é uma suposição. A intuição não é uma dedução. A suposição ou a dedução são subordinados ao aparato sensorial. Eu preciso saber sobre alguma coisa para deduzir, para supor. Isso tudo tem a ver com a opinião do jeito. A intuição é um reconhecimento da realidade. A intuição te aponta para alguma coisa que diz respeito à realidade, mas a uma realidade que não está disponível aos órgãos dos sentidos.

 

DESCONFORTO

 

Eu entro num ambiente e neste ambiente tem uma pessoa que me cria um desconforto, só de olhar para esta pessoa. Aquilo que popularmente a gente chama de “não fui com a cara”. Isso é uma intuição. Aí, você vai dizer: “Ah não! Mas, você pode estar projetando alguma coisa mal elaborada sua nesta pessoa”. Que seja! Se afaste dessa pessoa, porque você não está preparado para lidar com esta pessoa. Seja por uma característica da pessoa, ou seja por uma limitação sua em relação a esta pessoa. Então, vá para sua análise, trate das coisas mal elaboradas, depois você volta e tenta alguma coisa com essa pessoa.

 

REVISÃO DE CONCEITOS

 

Muitas vezes, a gente pode ter a impressão de que, ficar revendo conceitos pode ser uma questão meramente filosófica, ou meramente de adequação dos termos dentro da linguagem. Na realidade, não é isso. Pensar a conceitualização das experiências diz respeito a adequar a formulação do pensamento. Quando a gente usa a palavra força, ou forte, dentro da clínica, nós estamos reafirmando uma experiência superegóica, porque o sujeito tem que ser forte e a força é essencialmente ilusória dentro das formulações emocionais e afetivas. Então, quando a gente promove a ideia da força, nós estamos criando um ideal de eu no sujeito. Um ideal de força no sujeito. Um ideal de potência no sujeito, que ele vai ter que suprir. A função da psicanálise não é tornar o sujeito forte, mas é reconhecer fragilidades. E aí, quando a gente fala: reconhecer fragilidades, é muito importante que a gente possa distinguir fragilidade de fraqueza. Fragilidade é uma coisa e fraqueza é outra.

 

VERDADEIRO E FALSO EU

 

Um sujeito emocionalmente forte é um sujeito que tem uma casca grossa, por assim dizer. Força, dentro do âmbito emocional, diz respeito à defesa. Não existe como ser forte sem que o sujeito esteja cercado, ou munido de defesas. Quanto mais defesas, mais força, dentro do âmbito emocional e logo no âmbito afetivo. Quanto mais defesas ele tiver, mais prejudicada a essência estará. Aquilo que está dentro, pode se sentir sufocado por conta de uma defesa muito espessa. E aí, trazendo aí, dentro da perspectiva do Winnicott, do verdadeiro e do falso self, o verdadeiro selfie pode estar oprimido e sufocado por conta de um falso selfie muito enrijecido e espesso. Porque o falso selfie é a casca e o verdadeiro selfie é a essência. Quando eu tenho um falso eu muito grosso, eu estou sufocando o meu verdadeiro eu.

 

AMBIENTE HOSTIL

 

A força é muito importante enquanto sujeito estiver inserido num ambiente hostil, num ambiente ameaçador. Quando ele está vivendo num ambiente onde ele está sendo ameaçado o tempo todo. E quando eu estou falando ameaça, não estou falando simplesmente de uma ameaça direta, mas muitas vezes, dentro do âmbito emocional e afetivo, nós somos ameaçados indiretamente. Muitas vezes, sem que a gente perceba a gente convive num ambiente extremamente tóxico emocionalmente em que nós somos ameaçados o tempo todo. E aí, é interessante que o sujeito seja “cascudo”, por assim dizer, cheio de defesas. Forte! Porque senão, ele vai ser golpeado, ele vai ser machucado, vai ser ferido. Quando eu estou convivendo num lugar hostil, quando eu estou convivendo num lugar onde as pessoas promovem um ambiente tóxico emocionalmente e afetivamente é importante que eu seja forte, ou pelo menos que eu pareça ser forte. Esta força pode ser útil, mas mais importante do que essa força é a capacidade de avaliar o quanto este ambiente está sendo tóxico e me afastar deste ambiente o quanto antes. Quando eu acredito ter esta força, eu perco a capacidade de avaliar o quanto o ambiente está sendo tóxico. Porque eu aguento! Ou pelo menos, eu acredito aguentar.

 

MECANISMOS DE DEFESA

 

Segundo a teoria freudiana, as defesas são pré-conscientes. Ela vai ser gerada por uma parte do ego que está no limiar do inconsciente e do consciente, logo pré-consciente. Então, as defesas são pré-conscientes, no entanto a Melanie Klein traz uma classe defesas inconscientes que fazem parte da posição esquizoparanóide. O bebê se defende sem ter consciência que esteja fazendo isso. Quando nós estamos falando aqui de defesas esquizoide na terra infância, nós estamos falando de uma classe de defesas psicóticas, que estão propiciando ou promovendo uma cisão com a realidade. Se houver cisão, a defesa é inconsciente, mas se houver repressão, assim como acontece na perspectiva neurótica, aí nós vamos falar de pré-consciente, muitas vezes até de consciente.

 

PURITANISMO

 

O ambiente mais nocivo é aquele que está revestido de bondade, de falsa bondade, de puritanismo este ambiente passa a ser o ambiente mais nocivo. Mais nocivo do que aquele que tem uma hostilidade explícita, manifesta, porque esta hostilidade manifesta pode trazer para o sujeito a possibilidade de se defender, mas quando esse elemento nocivo vem revestido de falsa bondade o sujeito fica desarmado e não consegue se defender. É preferível você tomar um tapa na cara do que você receber um ataque revestido de puritanismo.

 

GRUPO DE AFINIDADE

 

Em 1921, Freud publica PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EGO e ali ele coloca que o humano não é um animal de grupo. Ele se insere no grupo na medida em que ele não esteja confiando nele mesmo. Ele busca benefícios no grupo, mas isso não é natural dele. Ele não é um animal gregário. E aí, eu vou para além. Quando você é obrigado a conviver em grupos onde não existe afinidade emocional, ou seja, quando as pessoas não funcionam emocionalmente como você, você tende a adoecer. Quando você é obrigado a participar de grupos onde você não tem afinidade, você tende a adoecer e adoecer de uma forma muito perigosa, porque você adoece sem perceber que está adoecendo. Porque esta configuração emocional acontece silenciosamente. Essa intoxicação emocional vai acontecendo sem que você perceba e você não consegue associar o seu adoecimento com a configuração que você está convivendo.








Prof. Renato Dias Martino


quarta-feira, 16 de abril de 2025

SOBRE AS DEFESAS DA MENTE - Prof. Renato Dias Martino



AUTOPRESERVAÇÃO

 

Todas as vezes que o sujeito estiver se defendendo, esta defesa foi ativada pelo seu instinto de autopreservação. A princípio ele vai se defender de uma forma primitiva, mas conforme o tempo vai passando e ele vai aprendendo com a experiência, ele vai refinando as suas defesas e ele vai aprendendo a se defender de uma forma mais adequada, com menor hostilidade, com menor agressão, com menor violência e com a maior capacidade de se distanciar daquilo que vem a ser ameaçador.

 

DEFESAS NOBRES

 

A maturidade emocional não diz respeito a você não se utilizar mais de mecanismos de defesa, mas diz respeito a você refinar, elaborar, trazer nobreza para as formas de se defender se defender, mas se defender de maneira nobre. Quais são as características nobres dessas defesas? Respeito, sem violência, sem agressão, distanciamento, diplomacia. Tudo isso são defesas, mas são defesas nobres.

 

AMBIENTE

 

Como é que eu faço para deixar de ser tímido? Como é que eu faço para ser mais extrovertido? Você tem afinidade no seu lugar de trabalho? Ele disse: "Não, as pessoas lá são muito nocivas, agressivas, hostis. Eu não me sinto à vontade lá”. Você se sente bem na sua casa? “Não! As pessoas não me tratam bem dentro de casa”. Então, ser tímido, ser introvertido, está sendo saudável para você isso. É uma defesa muito adequada para os ambientes que você vem frequentando. Não dá para deixar de ser introvertido. Não dá para deixar de ser tímido num ambiente onde você se sente ameaçado o tempo todo. Então, antes de ser diagnosticado por alguma coisa, verifique se você não está configurado num ambiente nocivo. Porque, muitas vezes, a sua manifestação, a manifestação do seu comportamento condiz com uma defesa adequada para o ambiente que você está configurado.

 

NOBREZA E FALHA

 

Dependendo do ambiente que você está configurado, a tua maior virtude vai ser julgada como falha, vai ser julgada como defeito. Dependendo do lugar que você está convivendo, a tua maior nobreza vai ser avaliada pelo outro, vai ser criticada pelo outro como um defeito seu, mas na realidade, aquilo ali está sendo uma manifestação da configuração do ambiente emocional e das relações afetivas que você tá conseguindo manter ali.

 

FUNCIONAMENTO E COMPORTAMENTO

 

O sujeito pode funcionar de uma forma e se comportar de outra, porque muitas vezes, ele pode estar inserido num ambiente nocivo e precisa se comportar de uma maneira, mesmo que ele não funcione daquela forma. Ele está funcionando de uma maneira saudável, mas precisa se comportar de maneira hostil, porque está se sentindo ameaçado e para se defender ele precisa daquela manifestação. Comportamento é a forma como o sujeito se manifesta, funcionamento é a maneira como o sujeito funciona. Muitas vezes, ele pode mudar o comportamento e não mudar o funcionamento e muitas vezes ele pode mudar o funcionamento e não mudar o comportamento. Ele pode continuar se comportando da mesma forma, porque daquela forma é prudente que ele se comporte para proteger o seu funcionamento.

 








Prof. Renato Dias Martino

terça-feira, 8 de abril de 2025

DESEJO E SOFIMENTO - Prof. Renato Dias Martino


DESEJO E NECESSIDADE

 

O teu desejo te afasta da tua verdade. O teu desejo te afasta de você mesmo. Quanto mais você tiver focado no seu desejo, menos você está sendo capaz de estar sendo você mesmo. Porque, para estar sendo você mesmo, você precisa estar de acordo com as suas necessidades. Na maioria das vezes, o sujeito está tão encantado com a ilusão do desejo, que ele não consegue suprir as suas necessidades básicas. Ele gasta dinheiro com viagem não paga um plano de saúde quando precisa de um médico vai lá disputar com pessoas carentes lá no serviço público e quando ele volta da viagem, ele olha para aquilo e fala: “E aí? Para que que serviu essa viagem?” “Ah! Para recordações!” Mas você pode viver recordações na sala da sua casa. Se você estiver de bem com você mesmo, você pode viver recordações belíssimas no jardim da sua casa.

 

SOFRE OU PADECER

 

Sofrer é diferente de padecer. Padecer é simplesmente sentir a dor e sofrer é ser capaz de submeter essa dor a uma transformação. Sofrer o processo! Podemos afirmar que o sujeito que é capaz de renunciar aos seus desejos ele está muito mais de acordo com a realidade e padece menos. Padece menos, mas não sofre menos, porque sofrer diz respeito ao processo e todos aqueles que estão vivos estão sofrendo. só não sofre aquele que morreu!

 

AMOR OU SEXO

 

Esse é um tema extremamente polêmico, porque nós aprendemos desde pequenininho que praticar o sexo com o outro é fazer amor. No entanto, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Desejo sexual não é amor. O desejo sexual é um desejo de se satisfazer com o corpo do outro, amor é justamente a capacidade de adiar a sua satisfação pelo outro. Uma coisa é o avesso da outra.  O sexo precisa ser de comum acordo dos dois. O sexo saudável é aquele que acontece quando os dois estão disponíveis, naquele momento. Esse negócio de que precisa haver sexo, tem que ter sexo, é uma conversa fiada. Não tem que ter sexo. O sexo tem que acontecer quando houver a sintonia das duas pessoas e aquilo acontecer como uma brincadeira. É muito mais um entrosamento dos dois, do que um desejo. O sujeito que é maduro emocionalmente, ele é capaz de adiar a sua vontade sexual, porque ele percebe que o outro não está disponível. Ele é capaz de renunciar ao seu desejo sexual por conta do outro. Porque desejo sexual é uma coisa, vontade de sexo é outra. Desejo sexual diz respeito a alguma coisa que vai para além da satisfação sexual. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Você tem vontade sexual e isso é fisiológico e você precisa do sexo para suprir esta vontade. Agora, o desejo sexual é outra coisa. O desejo sexual diz respeito a um biotipo específico, o desejo sexual diz respeito a “eu desejo ser desejada pelo meu companheiro”. Isso não tem nada a ver com satisfação sexual, dentro do âmbito da necessidade. Então, o desejo sexual é nocivo, a vontade de sexo é saudável.

 

RENÚNCIA OU REPRESSÃO

 

O pressuposto para a renúncia é a responsabilização. Aquele que não se responsabilizou por alguma coisa, não é capaz de renunciar a esta coisa. Ele só passa a ser capaz de renunciar a alguma coisa a partir do momento que ele reconhece aquilo, que ele passa a respeitar a si mesmo em relação à aquilo e passa se responsabilizar por aquilo. Aí ele pode realmente renunciar a isso. senão, não é renúncia. Senão, é repressão. Se não ficou escondido.

 

RENÚNCIA DO ÉDIPO

 

Eu vou te dar um exemplo básico. Vamos pensar no exemplo edípico, assim como Freud nos trouxe. A criança deseja ter a mãe só para ela, então, ela percebe que ela deseja a mãe só para ela. Consequentemente, inclui o desejo de excluir o pai. Ele passa a reconhecer que realmente esse desejo existe, passa a respeitar a si mesmo por conta daquilo. Porque, muitas vezes, quando o sujeito reconhece isso ele passa não respeitar isso. E aí, ou ele pode abortar o processo, ou ele pode ali, desenvolver uma perversão e realmente pegar a mãe para ele e matar o pai. E aí, a partir desse respeito, ele passa a se responsabilizar por aquilo. “Não, realmente isso acontece comigo, eu me responsabilizo por isso.” A partir daí, ele é capaz de renunciar a isso, ou seja, sem julgamento. Eu passo a reconhecer, eu passo a respeitar e me responsabilizar, porque não me julguei, por conta disso. Porque, se eu me julgar por conta disso, o que que vai acontecer? Ou, eu vou me condenar, me sentir inferiorizado, ou eu vou condenar o outro, projetando esse desejo no outro e inferiorizando o outro. “Ou” e “e”. Pode acontecer uma coisa e outra. Se ele não reconhece, não respeita e não se responsabiliza, o que ele pode fazer é reprimir isso e reprimindo isso, ele vai desenvolver um modelo substitutivo para isso. Ou seja, ele vai levar isso vida fora, desdobrando em outras relações, com outras coisas, que vão repetir este mesmo modelo.

 

DEVERIA SER OU ESTAR SENDO

 

Nós psicanalistas, temos o hábito de condenar o superego. Nós temos uma propensão automática de perceber um sujeito que tem ali, uma conduta de um ideal de eu, daquilo que ele deveria ser e nós atribuímos isso a um superego rígido. E nós não estamos equivocados, no entanto, a gente precisa olhar sempre para além daquilo e quando a gente fala de um superego rígido, antes de um superego rígido, nós temos um ego desnutrido, um ego desacreditado. Eu costumo dizer que o ego é aquilo que eu estou sendo. E na medida que eu consigo reconhecer, respeitar e me responsabilizar por aquilo que eu estou sendo, eu confio naquilo que eu estou sendo, logo eu tenho muito pouco que me importar com aquilo que eu deveria ser, que é o superego. O sujeito, quando ele está desnutrido naquilo que ele está sendo, num recurso natural e importante, o superego vai se enrijecer. Ele precisa que o superego se enrijece, ele precisa que o superego seja firme. Porque ele não está confiando naquilo que ele está sendo e ele passa a confiar naquilo que ele deveria ser, no ideal de eu, no superego e não no ego. Todas as vezes que a gente olhar para um superego rígido, nós precisamos olhar para além desse superego rígido, porque atrás desse superego rígido, tem um ego desnutrido, desacreditado. Um sujeito que desconfia daquilo que ele está sendo. Tudo aquilo que ele está sendo, tudo aquilo que ele está fazendo, passa por um crivo de desconfiança e esta desconfiança dá na mão do superego o controle da vida dele.








Prof. Renato Dias Martino