Logo
de início, parece-me importante deixar claro que este texto não se trata de uma
afirmação científica, mas de uma analogia que tenta aproximar uma formulação
psicanalítica de uma configuração política.
Sigmund
Freud (1856–1939) propõe duas tendências dentro do âmbito do funcionamento
mental: uma tende à união, à junção entre as partes num movimento de
integração; a outra tende a separar, a dividir o todo em partes dissociadas.
Essa ideia Freud desenvolveu especialmente em ALÉM DO PRINCÍPIO DO PRAZER (1920).
Segundo Freud, essas duas tendências operam concomitantemente, sem que uma
anule a outra. No entanto, pode haver a predominância de uma sobre a outra,
causando certo desajuste no funcionamento da entidade em questão. À tendência
que busca à união Freud chamou de pulsão de vida e à tendência que busca
dividir chamou de pulsão de morte. A pulsão de vida tem a função de ligação.
“Ocorrendo do interior para o exterior, eclodindo para fora, na ligação com o
mundo, com outro (objeto), e também agindo no mundo interno, na integração das
partes do eu” (Martino, 2024). A pulsão de morte se manifesta com a
fragmentação da personalidade e da percepção do mundo como um todo. “Um
movimento que tende à desvinculação das partes, por decorrência da
insuficiência na irrigação da libido” (Martino, 2024).
Esse
modelo, que ocorre no âmbito do funcionamento emocional e passa a reger as
relações no campo afetivo, também se manifesta na dimensão dos grupos humanos.
Essas duas tendências ficam evidentes quando aplicadas aos espectros políticos
do que se denominam direita e esquerda. A direita, no modelo do
conservadorismo, defende valores como as tradições, a família, a propriedade
privada e a ordem estabelecida. Admite mudanças, mas prudentes, graduais e
cautelosas, opondo-se a revoluções ou propostas de reformas radicais. Na
direita conservadora parece existir certa resistência a mudanças bruscas e
revolucionárias e isso parece estar ligada à autopreservação da pulsão de vida.
Para que possa haver um bom funcionamento é imperiosa a necessidade de
estabilidade, sendo que as mudanças precisam ser cautelosas e ponderadas. Freud
falava da pulsão de vida com a função de conservação e integração, e isso se
alinha com a ideia de que estabilidade é essencial para o desenvolvimento
sustentável e saudável. Isso pretende a coesão social através do cultivo de
valores partilhados.
A
direita ainda defende o Estado mínimo, onde a intervenção do governo na
economia e na vida dos cidadãos é mínima. Com isso, o Estado tem funções
essenciais como segurança, justiça, defesa e relações exteriores, já que, com a
estrutura familiar bem estruturada, a liberdade individual e a livre iniciativa
geram mais eficiência e desenvolvimento. Um sujeito que pode crescer numa
família bem estruturada terá sua personalidade bem estruturada por conta do
modelo bem-sucedido. Essa integração faz com que o sujeito se sinta parte
integrante do todo, reduzindo sua insegurança frente aos desafios, e isso
coincide com as características da função da pulsão de vida. Aponta-se,
portanto, que pelo menos esses preceitos destacados aqui estão de acordo com a
predominância dessa tendência pulsional. Cada ser humano é único e deve ser
respeitado independentemente da cor, raça ou gênero. Isso coincide com um
princípio fundamental e universal dos direitos humanos. Quanto mais autonomia
para cada cidadão, menor a carga do Estado, que deve cuidar do essencial.
Já as
pautas defendidas pela ideologia política da esquerda estão predominantemente orientadas
pela divisão, onde os temas do racismo, feminismo e a causa do trabalhador
sinalizam essa separação. A “luta de classes” é um termo central na proposta
teórica de Karl Marx (1818–1883), nome mais importante na formulação da
esquerda. No marxismo, a luta de classes é o conflito entre diferentes grupos
sociais, especialmente burguesia e proletariado, que, segundo Marx, é gerado
por conta de interesses econômicos antagônicos. Sendo assim, não me parece
absurdo afirmar que o espectro da esquerda parece ser preponderantemente regido
pela pulsão de morte. A justificativa para isso está na abordagem da esquerda,
no progressismo, sobre a desigualdades estruturais, opressões e injustiças
sociais. Ao erguer as bandeiras contra o racismo, o sexismo e a desigualdade de
classes, mesmo quando alega apenas ‘denunciar’ divisões já existentes, a
esquerda converte a diferença em antagonismo insolúvel e toda identidade em
bandeira de combate permanente — produzindo, na prática, uma fragmentação
social muito maior do que a integração que supostamente diz buscar. Ora, ao
destacar diferenças entre grupos, a esquerda acaba por dividir a sociedade em
campos opostos.
Além
disso, a esquerda ganha enorme força em sua militância, já que tem a aderência
de pessoas que se sentem excluídas, rejeitadas e oprimidas, o que fortalece as
pautas defendidas. Ou seja, um público que se sente dividido do todo, apartado
da sociedade. Bem, aquele que não teve a menor condição de conseguir sua
propriedade privada é um grande sugestionável a lutar contra esse direito.
Alguém que não teve uma família tradicional ou bem estruturada e, ainda assim,
conseguiu sobreviver, pode vir a ser convencido de que isso deve ser combatido.
O
movimento de esquerda usa a tática de “dividir para conquistar” (no latim,
divide et impera) ao enfatizar divisões sociais, como classe, raça e gênero,
para criar conflitos e, assim, alcançar apoio político e obter e manter o
controle.
É uma
estratégia antiga, não exclusiva do general chines Sun Tzu (544 a.C. – 496
a.C.) em sua obra A Arte da Guerra, mas usada por personalidades como o ditador
romano Júlio César (100 a.C. - 44 a.C.) e o estadista francês Napoleão
Bonaparte (1769
– 1821). Envolve separar inimigos em grupos menores com o intuito de
enfraquecê-los e então dominá-los.
Diferente
da direita conservadora, a esquerda defende um Estado forte e soberano que dá
manutenção à vida do cidadão. Esse movimento consiste em quebrar concentrações
de poder em entidades menores que não conseguem se opor efetivamente a quem as
controla. “Tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado”, assim
como na célebre frase de Benito Mussolini (1883–1945). Essa proposta foi
adotada, com variações de retórica, por grande parte dos regimes socialistas do
século XX — o que revela a convergência prática entre extremos que se dizem
opostos. O fascismo não é o oposto do socialismo, mas parece ser seu irmão invejoso
que trocou o internacionalismo pela nação. A frase serve ainda para ilustrar a
esquerda atual que insiste na narrativa de que o fascismo é uma característica
da direita contemporânea.
A
psicanálise nos ensina que o ser humano é narcisista por natureza, portanto,
não há como fundamentar realmente, um regime onde se pregue a igualdade social.
A partilha saudável é aquela que é espontânea. A partilha, quando imposta,
perde sua nobreza. Quando se obriga a partilhar frustra-se o próprio movimento
libidinal que a tornaria possível. Converte o dom em mágoa e o receptor em
dependente incapaz e raivoso. Pregar igualdade imposta ignora a natureza
egoísta, levando a resistências e falhas. A partilha espontânea (como em
caridades ou comunidades voluntárias) parece mais alinhada com a pulsão de
vida, pois surge de vínculos reais, não de coerção. Isso explica por que
tentativas de "igualdade forçada" muitas vezes geram novas
desigualdades. Isso fica claro nas elites partidárias em regimes socialistas.
“Os
comunistas acreditam ter descoberto o caminho para nos livrar de nossos males.
Segundo eles, o homem é inteiramente bom e bem disposto para com o seu próximo,
mas a instituição da propriedade privada corrompeu-lhe a natureza.” (Freud,
1930)
A esquerda propõe que a propriedade privada traz poder ao indivíduo o
torna um opressor daquele que não conseguiu o mesmo. Ainda assim, a hostilidade
não é gerada pela propriedade, mas sempre existiu bem pior do que é hoje desde
os tempos primitivos, quando a propriedade ainda era insignificante.
Em
última instancia, como a personalidade, quando dominada pela pulsão de morte,
caminha para a dissolução ou para o domínio tirânico de um supereu, que se
manifesta num “deveria ser” sádico, um povo dividido tem sua autonomia
drasticamente reduzida e, fragilizado, deve também padecer. O povo fragilizado
e fragmentado tende à anarquia autodestrutiva ou a subordinação a um poder que
prometa, falsamente, reunificá-lo.
Referência:
FREUD,
Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1930.
MARTINO, Renato Dias. Pensando melhor a psicanálise: do saber ao estar sendo
Nenhum comentário:
Postar um comentário