PROBLEMA CONTEMPORÂNEO
A relação da experiência de amar e do desapego. O amor está completamente subordinado à capacidade de se desapegar, de se tornar desnecessário e lembrando que para que alguém possa se tornar desnecessário, ele precisa ter sido necessário um dia. Não tem como se tornar desnecessário se um dia você não foi necessário. E este é um grande problema contemporâneo, porque as crianças não podem mais contar com os pais. As crianças não podem mais necessitar dos pais, logo elas não conseguem se desapegar desta necessidade de ter a função do pai ou a função da mãe na vida delas.
IMPORTÂNCIA REAL
Quando a gente trata do desapego, em nenhum momento a gente está falando de desinteresse, de descaso, mas a gente está falando de uma experiência de conseguir desapegar-se de alguma coisa que a gente um dia foi apegado. Então, existe um processo para acontecer o desapego e este processo inclui o apego. Primeiro se sente apegado e depois se desapega. No senso comum, se tornar desnecessário causa um desconforto. Parece que você vai perder a importância para o outro, mas na realidade, é justamente o contrário. Quando você se torna desnecessário para o outro é que acontece uma experiência de importância real, de um vínculo saudável.
DESDOBRAMENTO SAUDÁVEL
Ninguém tem que se desapegar. Isso é de fundamental importância. A experiência do desapego não pode estar no lugar da expectativa, não pode estar no lugar do “deveria ser”, do “deveria desapegar-se”. O desapego vai acontecer como um desdobramento de uma relação bem-sucedida, de um vínculo saudável. O vínculo saudável se desdobra no desapego.
DEPENDÊNCIA
A dependência é uma palavra delicada que precisa ser cuidada como delicada, porque a dependência não é ruim. A dependência não é nociva, mas a dependência precisa ser um estágio do processo a dependência. Precisa ser uma forma de desenvolvimento de um vínculo um vínculo bem-sucedido. Tem um início na dependência, mas precisa se desdobrar na independência. Um vínculo onde o sujeito não é capaz de amar, não é capaz de cultivar uma relação de amor sincero e saudável, a dependência vai se instalar como um fator cristalizado e engessado.
DOS PAIS
Na relação mãe e bebê, na relação mãe e filho, ou pai e filho a maior dificuldade do desapego está no pai e na mãe. A criança vai estar pronta a se desapegar na medida em que o adulto esteja sendo capaz de viver essa experiência. Como é que o adulto vai manifestar esta capacidade? Através da sua disponibilidade de estar cumprindo a sua função adequadamente.
FUNÇÕES
Incapacidade a dificuldade que as mulheres têm hoje de cumprirem a sua função materna e muito por conta da ausência do companheiro que possa estar ali do lado, se responsabilizando por aquela relação e cuidando daquilo que também é da sua função, tem que ser ampliado cada vez mais. A gente percebe isso com muita clareza na prática clínica. A gente percebe mulheres incapazes de cumprir a sua função de mãe e muitas vezes, aquelas que estão cumprindo essa função se sentem menosprezadas, porque na realidade, elas não conseguem ser reconhecidas na sua função, que na realidade, é a função, talvez seja a função mais nobre que possa existir na humanidade, ou na existência.
INSUFICIÊNCIA
Para que um vínculo de dependência continue sendo um vínculo de dependência sem conseguir evoluir para um outro modelo mais nobre, acontece impreterivelmente a insuficiência desta dependência. Quando o sujeito não consegue estar sendo dependente do outro porque o outro não está disponível a isso, então ele prolonga isso. Ele fica sempre esperando mais, porque não foi cumprido, porque ele não pôde realmente ser dependente. E aí, ele passa a ser um sujeito eternamente dependente de tudo. Ele não pôde depender da mãe, ele não pôde depender do pai e aí, ele continua sendo dependente. Dependente do estado, dependente do governo, dependente do “Bolsa Família”, dependente das coisas da vida e não consegue ter independência, porque na realidade, nunca pôde ser realmente dependente no tempo em que ser dependente era adequado.
VÉU DE MAYA
A palavra Maya, na sua semântica, quer dizer aquilo que pode ser medido, ou seja, aquilo que está na perspectiva material, concreta. O sujeito que não teve uma relação bem-sucedida dentro do âmbito emocional e afetivo, permanece com o Véu de Maya, apegado à materialidade das coisas. O sujeito que não aprendeu a tolerar a ausência da mãe, tolerar a ausência do pai. Como é que se tolera a ausência da mãe e do pai? Confiando que eles irão voltar. Acreditando que a mãe foi, mas volta, acreditando que o pai foi, mas volta. Quando o sujeito não conseguiu ter esse tipo de experiência, ele se apega à materialidade das coisas, ele se apega à Maya. Maya é ilusão. O Véu de Maya é estar iludido, mas o sujeito que não conseguiu se desenvolver emocionalmente, logo afetivamente, continua pegado aquilo que pode ser medido e o amor não pode ser medido. Mas ele continua apegado a isso.
CONSIDERAÇÃO
Qual é a semântica da palavra considerar? COM, quer dizer junto e SIDERARE quer dizer sideral. O espaço sideral. Considerar é implicar o todo, é estar junto do todo e desconsiderar é o mesmo radical da palavra desejo DESIDÉRIUM, CONSIDÉRIUM, considerar é incluir o todo. Desejar é desconsiderar o todo. Então, o sujeito, quando deseja, ele não inclui o todo, ele só olha para aquilo que ele deseja.
FRUSTRAÇÃO E ABANDONO
Na vida adulta, quando o outro me frustra, eu abandono. Ou seja, se não existe uma coincidência com aquilo que eu tenho expectativa, deixa de existir para mim. Hanna Segal vai chamar isso de equação simbólica. Se não existe fora, também não existe dentro. Este é um modelo de dependência na vida adulta que é nocivo. Se não corresponder aquilo que eu gostaria que fosse, não existe mais não serve mais para mim, ou eu vou chorar e vou reclamar e vou incitar culpa, vou incitar remorso até que você faça aquilo que eu quero que você faça.
MULHER E MÃE
Muitas vezes, uma mulher que nunca foi capaz de reconhecer as suas virtudes como mulher, pode ver num vínculo de dependência com o filho, uma forma de se reafirmar. E aí, ela pode se apegar a esse modelo e não se desapegar disso. Mesmo que o filho esteja crescendo. Porque senão ela vai retornar àquele estado do qual ela não acreditava em si mesma. E aí, ela pode estimular essa dependência ad aeternum, por assim dizer. Essa criança não vai conseguir se independer. A mulher nunca confiou nela mesma. E aí, ela tem um filho que olha para ela com um olhar de desejo que ela nunca tinha experimentado na vida e agora para elas desapegar deste olhar desejoso dessa criaturinha que depende dela é muito difícil.
AMAR A SI MESMA
A mulher não aprendeu a amar a si mesma, por isso não conseguiu amar o marido e por não conseguir amar o marido passa a ser dependente do olhar deste filho que vê nela tudo que ele precisa. E ela passa a se tornar dependente deste olhar de desejo do filho em relação a ela. E aí, é como se ela dissesse assim: "Eu abri mão da minha vida para cuidar de você e você está querendo se tornar independente? Como? Como que você quer crescer? Como que você quer ser um adulto?”
DUAS DEMANDAS
Duas demandas que a gente recebe na clínica. Ou porque a mãe não foi capaz de suprir a dependência do bebê e por conta disso ele não foi capaz de se independer, ou porque a mãe prolongou esta dependência para além do saudável e da mesma forma ele não conseguiu se independer. Essas duas demandas é o que futuramente iremos receber na nossa clínica.
RESPEITO
O respeito é elemento fundamental dentro de uma clínica bem-sucedida, de uma clínica psicanalítica real e adequada, o respeito é o elemento que está entre o reconhecimento e a responsabilização. É uma transição. É um elemento transitório entre a possibilidade de reconhecer e a possibilidade de passar a se responsabilizar. Respeito = RESPECTUS. A semântica da palavra. RE quer dizer de novo e ESPECTUS quer dizer prestar atenção. Quando eu presto atenção novamente é porque eu reconheci e estou aprendendo a me responsabilizar. Quando o respeito é introduzido, qualquer que seja o elemento nocivo começa a se dissolver, a ruir, a deixar de prejudicar o sujeito e as suas relações, mas este respeito vai precisar ser introduzido pelo analista. O analista começa a respeitar o paciente e traz uma um novo modelo de vínculo para este paciente. Na medida em que esse paciente começa a experimentar esse novo modelo de vínculo, ele começa a introjetar este modelo de vínculo dele para ele mesmo e não vai mais permitir qualquer outro modelo de vínculo com qualquer outra pessoa que seja.
RESPEITO E INDEPENDENCIA
Quando a mãe respeita o desenvolvimento do bebê, ela assiste o bebê se independer dela. É fácil pra mãe ver um filho se independer dela? Não! Não é! Muitas vezes, ela quer que ele seja independente em certos aspectos e em outros aspectos ela não quer. Aspectos que são convenientes para ela, ela quer que ele continue sendo dependente e aspectos que são convenientes para ela, ela quer que ele se desenvolva. Não! O desenvolvimento precisa ser no todo. Não é só naquilo que você gostaria que fosse.
CULPA PRAZEROSA
Pode parecer paradoxal isso que eu vou dizer. Pode parecer até um contrassenso o que eu vou dizer, mas a culpa é prazerosa. O sujeito pode se manter com um sentimento de culpa para se defender de um monte de coisas. A única forma de dissolver o sentimento de culpa é pela responsabilização e muitas vezes o sujeito não é capaz de se responsabilizar. Então, ele mantém a culpa, porque se a culpa for minha, eu coloco em quem eu quiser.
DEPENDÊNCIA CONVENIENTE
Muitas vezes, a pessoa reclama que o outro depende dela, mas isso está sendo conveniente para ela. Ela se sente extremamente importante tendo alguém dependendo dela, mesmo que ela reclame disso. Quando alguém depende de mim, isso pressupõe que esta pessoa é menos que eu e aí eu me sinto superior, por mais que eu reclame disso. Por mais que eu sinta o peso dessa pessoa dependendo de mim, ainda assim eu me sinto superior.
MEDO E DESEJO
O medo de perder é filho do desejo de posse. Então, todas as vezes que houver ali esse desejo de posse, de possuir o outro, de controlar o outro, o medo da perda sempre vai ser exacerbado, sempre vai ser maior e ele quer controlar o outro porque na realidade depende do outro.
O FILHO DA DEPENDÊNCIA
Emocionalmente, o amor é filho da dependência, mas o amor não é a dependência. Se não houve a dependência, não se desenvolve amor. Precisa ter havido dependência, mas essa dependência precisa ser transitória. Ela precisa ser transicional de um modelo para o outro. Da dependência para independência.
DEPENDÊNCIA SAUDÁVEL
O filho dependeu da mãe, hoje a mãe idosa, depende do filho. A dependência é um elemento das relações saudáveis, se for transitória, se estiver disponível a transformação. A dependência é nociva quando ela está no aspecto invariante. Quando ela está cristalizada, ela é nociva.
LUTO E INDEPENDENCIA
Dói se tornar desnecessário. Dói mais para mãe se tornar desnecessária do que para o filho não precisar mais da mãe, dispensar a mãe. É muito doloroso, é luto, é um sentimento de luto. A mãe, quando desmama o filho, ela se sente enlutada.
Prof. Renato Dias Martino