Sigmund Freud (1856-1939) teve sua formação medica em neurologia, e desenvolveu a psicanálise a partir da percepção de que grande parte dos pacientes que ele atendia, não guardava a origem de suas doenças no corpo, ainda que se manifestassem ali. Exames clínicos não apresentavam diagnósticos fisiológicos e o organismo, em suas funções mantinha-se funcionando adequadamente, ainda assim, existia certa dor presente na queixa do paciente.
Sigmund Freud (1856-1939) |
Ainda hoje essa visão de Freud nos serve como um excelente instrumento para pensar. É indiscutível o fato de que a dor quando aparece no corpo, por ser fisicamente perceptível, convence com maior facilidade, a nós mesmos e também ao outro. Por outro lado, quanto à dor é psíquica, está na ordem do não sensorial, assim, não pode contar com os órgãos dos sentidos para confirmá-la e fica dessa forma, desacreditada.
Dificilmente o funcionário de uma empresa conseguiria convencer seu chefe com a justificativa de que não foi trabalhar por estar angustiado. Mas, quando a manifestação passa a ser somática, ou seja, quando o corpo dá sinais claros de que se está doente, aí sim o outro se convence disso. Entretanto, o serviço prestados por um funcionário angustiado é imensamente mais danoso do que sua ausência temporária.
Ausência essa, necessária para que se possa reconhecer o conflito que ocorre em seu mundo interno. Uma guerra que se trava de forma interna, mas que ameaça transbordar os limites emocionais do eu psíquico e manifestar-se no corpo físico. Naturalmente, certo conflito entre um medo e um desejo. Uma ordem de conflitos que pode promover severas perturbações no funcionamento mental. Isso pelo fato de que o medo é filho do desejo.
Freud em seu “Esboço de psicanálise”, publicado em 1940:
Sigmund Freud (1856-1939) |
“Os sintomas das neuroses, poder-se-ia dizer, são, sem exceção, ou uma satisfação substitutiva de algum impulso sexual ou medidas para impedir tal satisfação, e via de regra, são conciliações entre as duas, do tipo que ocorre em consonância com as leis que operam entre contrários, no inconsciente.” Pg. 199
Sem poder tornar-se consciente desse conflito, o sujeito vive certa batalha inconsciente que acaba por revelar-se nos vínculos. Onde adota certa prática especial nas relações. Passa a odiar como forma de distanciamento daquilo que na realidade tanto deseja. Apresenta assim um quadro obsessivo, de forma que se envolve cada vez mais com algo que na realidade evita compulsivamente.
Ou, por outro lado, movido pela culpa, torna-se subserviente á aquele do qual odeia tanto. Essa culpa quando em sua ultima consequência, pode sofrer certa conversão no nível orgânico e somatizada passa a representar-se numa patologia no corpo, ou seja, uma doença física. Isso porque o sujeito pode encontrar nessa doença física uma maneira de se auto punir. Agora fisicamente doente pode convencer o outro, assim como convencer-se a si mesmo do seu sofrimento.
Abre-se então a eterna e inexorável batalha entre o amor e o ódio: enquanto um ocupa o topo da consciência, o outro se mantém velado, numa forma latente, mas ainda assim, extremamente ativa e definindo “escolhas” na vida do sujeito. Mobilizado na impossibilidade pela proibição de integrar amor e ódio, o conflito provoca sintomas de inúmeras formas. Um processo gerado por uma vivência especial, onde àquilo que foi proibido de desejar (odiar) se torna justamente o que faz nutrir o maior desejo (ódio) inconsciente. Desejo que por ser inconsciente, amiúde é impulsionado para a ação de efetivação. Entretanto a concretização esbarra na proibição desse mesmo desejo, justamente onde é gerado o medo.
Mas, apesar do volume do impulso que impele à ação de consumação do desejo, aquilo que pode realmente apaziguar o conflito se encontra na dimensão do reconhecimento desse desejo e não da prática da ação. O reconhecimento do sentimento é o que induz o pensar e não é novidade o fato de que isso coincide justamente com a capacidade de adiar a ação. Mas ainda assim, o reconhecer é assustador. Isso por se tratar de um movimento interno que leva a abrir mão da satisfação do prazer que se encontra na efetivação da ação. A psicanálise nos ensinou com muita clareza que pensar é desistir da satisfação imediata, que apesar de ser prazerosa, é exatamente a responsável pelo conflito.
A proposta de considerar a dimensão do lado desconhecido da mente deve partir de certa experiência de humildade, na consideração da própria ignorância presente nas dores da alma.
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Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17-30113866
renatodiasmartino@hotmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com
4 comentários:
M A R A V I L H O S O !!!!!
Gostei da escrita aborda profundidades de forma clara.
Te convido a conhcer meu BLOG Diálogos com a Psicologia e a Psicanálise: http://anafariaspsicologa.blogspot.com/
Abraços,
Anna Amorim
Este texto é ótimo. Freud realmente sabe explicar todos os nossos conflitos e psicoses íntimas.
Relendo esse texto, e compreendendo cada vez mais em como, seríamos Melhores para conosco se, pudéssemos fazer psicanálise!🙄🤔 Obrigada por nós permitir esse acesso Prof. Martino❤ grata🙏
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