Muito
provavelmente, se nos propusermos a pesquisar sobre as características que
possam exprimir a natureza humana, não tardaremos a perceber que a “falta”
estaria entre elas. Habita na alma a eterna
falta, um buraco. Um lugar (não-lugar) ou um
momento (não-momento) na corrente de ideias, onde parece não existir sentido,
palavra ou esperança. Poderíamos pensar na angústia que não consegue acalento
no mundo real. Ali o eu parece não existir, é como se a identidade falhasse
neste ponto e nos sugerisse: “ali,
não sei quem sou”.
O
ser humano não para de criar recursos que possam dar conta deste vazio. Através
de modelos, formas e explicação, o ser humano cria visões ou vértices para poder
perceber e explorar aquilo que percebemos (ou não) pelos órgãos dos sentidos.
Assim,
partindo das formas místicas, em direção à espiritualidade no sentido que
desfecha no ponto de vista religioso; nas artes, como tentativa estética de confirmação
da realidade, ou na forma cientifica que cobra, por si só, uma posição
concreta.
São
todas as criações humanas em nome da angústia. Servem-nos à nomeação, ao estudo
e à tentativa de conter, ou dar conta desta que é muitas vezes percebida como “dor”.
Talvez,
pudéssemos pensar em tentativas de criar um significado que pudesse simbolizar
este vazio. Criar símbolos; aquilo que fica em nós, enquanto não podemos confirmar
no real. O que está na mente antes de chegar, ou depois que já foi no real.
Tentativas de simbolizar a falta.
No
entanto, simbolizar a falta não é deletá-la, não vem com o compromisso de extingui-la,
não pode ser acabar com, pois é por ela que somos forçados a criar. É justamente
por ela que criamos.
Esse
vazio é parte integrante da alma e nela, tem certa função especial.
A
criatividade é filha da angústia. Símbolo, no grego, sym-bolon,
que significa juntar, ou seja, a cópula propriamente dita. O símbolo é a única via
segura de confirmação do que é real, pois é uma ligação afetiva com a
realidade. Uma experiência emocional (interna) que encontrou no real (no outro)
um representante se transforma em símbolo. Uma experiência amorosa com a
verdade. O amor a verdade. A verdade que não se conhece, mas, mesmo assim, se
persegue. Sem a promessa do prazer, a propósito o dito popular é coerente, “a
verdade dói”.
Immanuel Kant (1724 - 1804) |
Assim,
Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão, nos orienta no uso dela: “conceito sem intuição é vazio”.
O
exercício do simbolizar é algo dinâmico, que se transforma constantemente e
dessa forma, constantemente mutável. O eu
é construído através de símbolos, somos
feitos de símbolos. O bebê deve ter existido antes como símbolo que como carne.
Nas
palavras de Wilfred R. Bion ( 1897 – 1979): “pensamentos em busca de pensador”.
Os
pais imaginam o bebê antes que ele realmente nasça. O risco presente na
incapacidade de simbolização, quando relacionada à concepção de uma vida é especialmente
delicada.
Podemos aqui pensar no mito romano de Baco, ou Dioniso na Grécia.
Fruto de uma aventura extraconjugal de Zeus, Dioniso teve que ser retirado do ventre da princesa
Sêmele em chamas. Deste modo, Zeus implanta-o em sua coxa, para que possa
terminar a gestação (muito interessante à relação com a expressão contemporânea
de alguma tarefa que seja feita “nas coxas”).
A ausência do desejo pelo seu
nascimento é marcante na vida deste que, não é só o deus inventor do vinho, mas
dono de um ritual delirante, orgíaco, que busca eternamente na embriagues aquilo
que lhe instiga o desejo, ou seja, aquilo que na realidade nunca fizera parte
de sua concepção.
Penso
ser importante uma analogia com o histórico de vida de uma pessoa alcoolista,
onde a semelhante gravidez indesejada aparece.
Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17- 991910375
prof.renatodiasmartino@gmail.com
pensar-seasi-mesmo.blogspot.com.br
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