sábado, 16 de agosto de 2014

Pensando o Pensar

Mas sobre qual experiência estamos aqui cogitando, quanto ao “pensar”?
Se existe algum sentido em afirmar que fora do domínio da experiência, não pode existir aprendizado, então temos aqui, como ponto de partida para se entender o processo que compreende o desenvolvimento mental, ou seja, como ocorre a expansão do pensamento.
Nas tentativas de examinar atentamente o que chamamos de “pensar”, estaremos cogitando sobre a capacidade da qual os humanos se gabam perante os outros animais, mesmo, sendo muito pouco habilidosos, no uso deste recurso mental.
Digo isso, apoiado no pressuposto de que esses humanos, que somos nós, ainda fazem a maior parte das suas escolhas, por motivos, dos quais não puderam ser submetidos a um pensamento atido e dedicado. Fazendo isso por necessidades extremamente primárias, onde, na maioria dos casos, o pensamento não tem acesso.
O humano escolhe, sem pensar, onde a urgência se pronuncia. Escolhe sem pensar, onde a necessidade de satisfação imediata não permite tolerar frustrações.

Em um modelo muito primitivo de funcionamento mental, podemos encontrar o modo como os seres humanos contemporâneo fazem suas escolhas. Mesmo assim, tentaremos, aqui, fazer o possível para angariar o máximo de recursos nessa breve tarefa de pensar o “pensar”.

A palavra pensar parte do Latim PENSAREA, que diz respeito a pesar, ou avaliar o peso.

Aquilo que chamamos de “pensamento” faz parte do processo de construção do espaço interno mental. Esse espaço interno mental serve a várias tarefas, entre elas a de dar conta dos conteúdos internos como é o caso das emoções e também conter aspectos colhidos na realidade. Pois bem, mas que tipo de benefício poderia nos trazer o exercício e aprimoramento da habilidade de pensar?
Para Freud (1856-1939), o pensar tem função fundamental no adiamento da ação, resultado do impulso. É o que propõe nas Formulações Sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental, publicado em 1911: 
“o pensar, foi dotado de várias características, entre elas a que torna possível ao aparelho mental tolerar uma tensão intensificada de estímulo, enquanto o processo de descarga era adiado.”

O teste da realidade e seus recursos foram criados pelo aparelho psíquico com intuito de, viabilizar o confronto das fantasias com as informações advindas da realidade. Assim, logo percebemos o benefício de expandir essa capacidade. Quero propor que pensar é também capacitar-se no desempenho da vida, no que diz respeito à realização de mundo. É a criação do continente mental que sustenta o processo do pensar, sem que se entregue antes à ação. É quando a percepção, feita através dos órgãos dos sentidos, indica a necessidade de ação, a capacidade de pensar pode, adiar essa ânsia. Isso, até que se perceba com mais acuidade a realidade. 
Como vimos, o significado semântico da palavra nos orienta com grande ilustração e avaliamos pelo pensamento, o peso das ideias. Essa é talvez a primeira das funções do pensamento, ou a mais básica delas. A partir da capacidade em adiar ações inicia-se, uma série de expansões na perspectiva dos processos mentais.
A psicanálise nos mostrou com muita propriedade que só podemos aceitar no mundo real aquilo que já existe no mundo interno, ou seja, dentro de nós. Criamos espaço em nossas mentes e, só depois, conheceremos a realidade.

A capacidade de reconhecimento do mundo interno é o encontro e o reconhecimento de fantasias, medos, desejos apaixonados, ódios e tudo mais que está em nosso mundo interior. São características do incerto, do informe. Nosso mundo interno nunca é bem definido e sempre é pobre de referencias da razão. Por conta disso é um terreno escuro, sombrio e cheio de ameaças. No entanto, só buscando conhecer nosso eu interior é que podemos distingui-lo do que está fora e que chamamos de realidade. O estado emocional do “eu” (dentro) tem menor chance de se abalar em situações e ambientes emocionalmente danosos (fora), isso se estiver se dedicando a um reconhecimento do si mesmo. O pensamento é, por assim dizer, a capacitação do “eu” (compreendendo o mundo interno) na ligação afetiva com o mundo (externo).

Capítulo do livro Para Além da Clínica. Renato Dias Martino - 1. ed. São José do Rio Preto, São Paulo: Editora Inteligência 3, 2011.



Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Prof.renatodiasmartino@gmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com.br

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