É incansável a pesquisa na busca por modelos que
possam representar as coisas da alma. Penso que não podemos discutir, com
propriedade, qualquer outro assunto, se antes não pudermos falar na
responsabilização do ser humano por si mesmo e pelo mundo. Discutirmos assuntos
como a preservação da natureza, a ética na política, a violência nas ruas (seja
da policia ou do crime), é sempre mais produtivos (se é que de outra forma se
produz) quando podemos sinceramente nos responsabilizar pelo menos por nós
mesmos.
Insisto nisso, pois apesar de sermos animais
pensantes e até nos diferenciando dos outros animais por isso, a própria
capacidade de pensar ainda é muito pouco eficiente (diria até embrionária) no
humano atual. Humanos que na realidade, age muito mais por suas defesas, do que
por demandas que puderam ser pensadas (haja vista as atrocidades que hoje já
não têm mais hora para passar nas televisões ou redes de comunicação na
internet). Sinto extrema dificuldade em falar e escrever sobre esse tema, sem
experimentar uma estranha sensação de estar sendo “chato”, por tocar em algo
desagradável e que, a maioria das pessoas, prefere não mexer, e quem dirá olhar
com cuidado.
Podemos até confundir esse texto com um discurso
intelectual, mas o assunto aqui tratado está muito mais próximo de questões
emocionais na busca pela maturidade do que de qualquer construção da
intelectualidade. Seguindo esse caminho das pedras, penso que nos seria útil
distinguir duas ideias que amiúde se confundem e até parecem sinônimos, se não
atentos estivermos.
Porém, se pudermos manter certo vértice especial de
pensamento, perceberemos que os termos em que, proponho o pensar, proporcionam
um encontro antagônico. Quero propor que, nesse ponto de vista, algo prazeroso
não é necessariamente e ao mesmo tempo saudável, e, vice-versa. Na verdade, a
psicanálise nos mostrou, com muita propriedade, que a mente só pode se expandir
na medida em que podemos abrir mão de certos prazeres, em nome do pensamento,
até para que possamos perceber o que realmente é saudável pra nós.
Para mantermos esse ponto de vista, teremos que
lançar mão do conceito de símbolo ou da capacidade de simbolizar, recurso que é
criado na tentativa de preencher o vazio da realidade não sensorial. Quando o real não está ao alcance sensorial, o que sustenta a alma é um pensamento simbólico.
Sem o recurso do símbolo, ou seja, sem a capacidade de simbolizar, o que se
deseja e parece ser saudável será sempre o que é prazeroso e não existirá aí
qualquer chance de diferenciação entre as duas ideias.
Então poderíamos cogitar a hipótese de que: “aquilo
que é saudável caminha mais próximo da ausência do prazer, pois, quando a
satisfação do prazer sensorial se faz predominante, muito pouco se produz no
pensamento simbólico, que é o que nos liberta do concreto (apreensível pelo
sensorial ou órgãos dos sentidos), o que nos faz real e nos permite reconhecer
a própria realidade (o que poderíamos chamar de saudável).”
Capítulo do livro Para Além da Clínica. Renato Dias Martino - 1. ed. São José do Rio Preto, São Paulo: Editora Inteligência 3, 2011.
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