domingo, 24 de setembro de 2023

EXPECTATIVA E RECONHECIMENTO - Prof. Renato Dias Martino


A maior dificuldade no processo da expansão da maturação emocional, no processo psicoterapêutico, mais especificamente. A maior dificuldade é, sem dúvida a expectativa, porque o sujeito cria um ideal de saúde, o ideal de maturidade, um ideal de do sujeito bem sucedido emocionalmente. E aí, qualquer passo que ele possa dar, ele não fica contente com aquilo, ele não é capaz de reconhecer o passo que ele deu, porque ele tem um ideal já pré-estabelecido do que é um sujeito maduro, do que é um sujeito que tem características evoluídas emocional e afetivamente e acaba menosprezando e muitas vezes até desistindo do caminho a percorrer, dizendo: “Não! Não dou conta disso... Isso não é para mim.” Isso quando não se sente culpado e acaba até se auto punindo porque não seguiu o passo que ele estabeleceu dentro da sua expectativa para cumprir o objetivo de chegar até o “ideal de eu” que ele estabeleceu como perfeito. Quando na realidade, não existe isso! A nossa vida é um uma eterna tentativa e não tem uma chegada, é uma grande ponte e a chegada é a morte. 

Eu tenho uma certa restrição desta coisa de ficar tentando estabelecer a origem de alguma moléstia do funcionamento emocional e afetivo, mas assim... comumente o sujeito que ele tem essa propensão a não reconhecer o seu desenvolvimento, o seu desempenho na sua maturação dentro do processo psicoterapêutico, é um sujeito que não teve isso dos pais. Que na realidade, os pais tiveram uma ação reprobatória, uma ação que reprovava, condenava e punia, internaliza essa reprovação e hoje, já não é mais a palavra do pai, ou da mãe, mas agora é a própria palavra do seu “ideal de eu”, do seu “deveria ser”, do seu superego, que o reprova, o condena e dificulta a possibilidade do autorreconhecimento, do sujeito ser capaz de reconhecer cada passo que ele dá. Não existe crescimento emocional e afetivo que não inclua a necessidade de se reconhecer cada passo que se dá. É como se fosse uma escada. Se você não reconhece o degrau que você está você não consegue galgar o próximo degrau. É fundamental que eu seja capaz de reconhecer até o ponto que eu consegui chegar, para que eu possa ir para além disso. Porque, senão, eu vou acreditar sempre que eu estou um passo atrás e aí esse próximo passo acaba ficando cada vez mais longe. 

O sujeito que tem essa dificuldade de se auto reconhecer e tem uma propensão em se automenosprezar, em se autocondenar e muitas até se autopunir com autosabotagens, ele acaba ficando extremamente vulnerável nas relações porque uma vez que ele se liga um pouco mais intimamente com um possível sujeito que possa se aproveitar dessa vulnerabilidade dele, acontece um estrago. Porque, alguém pode vir e potencializar toda essa dificuldade de autorreconhecimento. Então, se você por acaso começa a se relacionar com alguém que é cruel, dentro dessa perspectiva punitiva, agrava demais a situação. E, isso acontece bastante em alguns modelos de psicoterapia, de psicanálise. Muitas vezes, o paciente ele tem essa propensão a se autopunir e ele encontra um analista que faz isso por ele. E aí, vira uma coisa muito danosa. Isso não só acontece com analistas, mas com amigos também amigos, aí, com aspas bem em negrito e relacionamentos diversos. Isso não está restrito ao desenvolvimento emocional-afetivo isso está restrito a qualquer ideal, por mais que esse ideal seja o contrário da evolução emocional e afetiva. Muitas vezes, num ciclo de amigos ali, numa roda de amigos, você pode ter um ideal do sujeito que é mais beberrão, o sujeito que é mais boêmio e aí você acaba não conseguindo suprir o ideal do grupo. E aí, mais uma vez você é pego de surpresa na sua vulnerabilidade e começa a se condenar e se autopunir, porque você não está sendo capaz de cumprir o ideal que o grupo estabeleceu como perfeição. Quando era criança eu era reprovado pelo meu pai porque eu não conseguia ir bem na escola, fazer as condutas de um bom garoto; hoje eu sou reprovado pela roda de amigos, porque eu não consigo ser o beberrão e boêmio. Em qualquer lugar que eu esteja, eu nunca estou conseguindo cumprir o ideal preestabelecido. 

Na realidade, o problema não é alcançar o ideal, na realidade o problema é renunciar a expectativa. Quando se renuncia a expectativa, você se torna mais autônomo para seguir o teu fluxo do teu desenvolvimento. O crescimento vai acontecer a partir da liberdade para respeitar o seu tempo de desenvolvimento. Mas é uma cilada, na realidade, você fica imaginando que se livrar dessa ansiedade é chegar no objetivo, quando na realidade, é justamente ser capaz de renunciar, ser capaz de apaziguar a expectativa.


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