sábado, 14 de outubro de 2023

FIXAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E REGRESSÃO - Prof. Renato Dias Martino



A palavra gratificante é perigosa, porque nem tudo que é gratificante é saudável. Então, muitas vezes dentro do desenvolvimento emocional afetivo, eu vou precisar viver frustrações para que eu possa aprender a tolerar essas frustrações. E essas frustrações muitas vezes não são gratificantes. O aprendizado para o desenvolvimento, dentro do funcionamento emocional e afetivo, carece da vivência de frustrações para que eu possa desenvolver. Muitas vezes, viver uma experiência gratificante pode obstruir o caminho do desenvolvimento. O que precisa acontecer, é que, as experiências sejam bem-sucedidas. A experiência bem-sucedida é aquela que cumpre três etapas. A primeira é a vivência de uma ilusão, de uma configuração alucinatória de que o mundo é como eu gostaria que ele fosse. Seguida de um tombo, ou de uma frustração, ou de uma dor muito grande por sentir que não é daquela forma. E um acolhimento. A possibilidade de viver a experiência de um agente externo que possa me acolher, para que eu possa aprender a viver sem isso que eu gostaria muito que fosse, mas não é. A partir dessa experiência, eu consigo um passo à frente no desenvolvimento emocional-afetivo. Da mesma forma é a vivência dentro das fases do desenvolvimento libidinal propostas por Freud. Então, cada fase existe uma idealização, um mundo de fantasias de ilusões e alucinações, que vão sendo desfeitas através de frustrações e que carecem da função materna e paterna para que possa dar um amparo, um acolhimento para passar pelo luto dessa decepção quanto à realidade.

DA VONTADE AO DESEJO

Os motivos para que o sujeito fique fixado em uma das fases do desenvolvimento libidinal, ou emocional-afetivo, ou em alguma característica, ou algum elemento das fases, são inúmeros. A fixação, por exemplo, pode acontecer por conta de um trauma. O que que eu chamo de trauma? Uma experiência emocional que aconteça de uma maneira brusca, que traga um susto no sujeito e aí isso traumatiza. Mas também pode acontecer por conta de um ambiente nocivo, um ambiente por exemplo de privação de cuidado e quando eu falo ambiente aqui eu estou falando necessariamente de ambiente emocional-afetivo, não é um ambiente físico. Então, estou falando aqui da privação, da falha no cuidado da mãe e no olhar protetor do pai e provedor do pai, que pode trazer a fixação em algumas características das fases do desenvolvimento da criança. Muitas vezes, quando falta alguma coisa, a criança tem um impulso de buscar um elemento substitutivo. Então, quando ela não tem esse acolhimento e ela se vê decepcionada, frustrada com aquilo que ela gostaria que fosse, ela elege um elemento substitutivo para trazer gratificação. Para que ela possa ser satisfeita substitutivamente. Mas ela vai ser satisfeita, mas não vai ser enriquecida, não vai ser nutrida. Então, é mais do que satisfação, é uma nutrição e quando ela não tem essa nutrição suficientemente boa na necessidade básica, que é o que vai propiciar para ela o desenvolvimento nas fases emocionais-afetivas, ou libidinais, como queira, ela pode eleger um elemento substitutivo. E aí que entra a ideia da vontade e do desejo. Dentro do desenvolvimento natural e saudável das fases do desenvolvimento libidinal, nós temos vontades. Vontades que precisam ser supridas, porque são necessidades básicas, mas na medida em que essas necessidades básicas não são supridas de maneira bem-sucedida, a criança vai eleger um objeto de desejo. Ela vai começar a desejar uma outra coisa. Ela vai investir libido em um objeto que não é da necessidade básica, mas foi eleito como alguma coisa que pode vir para apaziguar esta angústia, ou esta ansiedade, que é gerada pela frustração na constatação de que a realidade não é aquilo que eu gostaria que fosse. Um exemplo disso é a ausência da mãe. Na ausência da mãe, a criança pode eleger por exemplo, a tela, o celular, ou qualquer outra coisa que possa entretê-la, chamar atenção, melhor colocando aí, dentro da linguagem bionana, que possa satura-la no seu aparelho sensorial ao ponto que ela possa apaziguar a ausência da função materna que não foi cumpria suficientemente bem. A necessidade básica da função materna foi substituída pelo contato com a tela, com o celular. A relação com a mãe era baseada na vontade, no suprimento da vontade e o celular passa a ser um objeto de desejo.

FIXAÇÃO E REGRESSÃO

A manifestações das fixações vão acontecer na medida em que o sujeito passe por experiências que se relacionem com aquele ponto do qual ele foi fixado. Então, se a gente está usando aqui o exemplo da falha na função materna, todas as vezes que o sujeito, agora adulto, se depara com uma situação, onde haja a manifestação das características, ou dos fatores da função materna, ele manifestará uma característica infantilizada, ou imatura, lá de trás, onde ele precisaria ter vivido uma experiência bem sucedida e não aconteceu. Então, ele vai manifestar esta característica. Muitos pensadores da psicanálise vão chamar esta manifestação de regressão. “Ele regrediu a um ponto anterior”. Mas, ele não regrediu no ponto anterior, na realidade. Porque ele nunca evoluiu naquele ponto. Então, ele simplesmente acessou aquele ponto que ficou fixado lá atrás e nunca expandiu, nunca se desenvolve.




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