quarta-feira, 4 de outubro de 2023

DA ESCOLHA À INTUIÇÃO - Prof. Renato Dias Martino


É um assunto complexo, mas ao mesmo tempo, extremamente importante. Quanto mais superficial for a experiência, mais passiva de escolha ela vai ser. Porque? Porque, quanto mais superficial, mais próxima da ilusão. Na cultura védica, ou no sânscrito, nós temos a palavra “maya”, que quer dizer ilusão. Maya quer dizer, a junção de duas palavras, que acaba significando “o que pode ser medido”. Então, tudo aquilo que pode ser medido é ilusão dentro da cultura védica, ou dentro da cultura oriental. Ou seja, aquilo que está dentro da materialidade é ilusão. Quanto mais distante da materialidade, mais próximo da realidade, mais próximo da realidade última, onde o sujeito não tem qualquer influência, que não seja aquela que acontece quando ele está integrado ao todo. Dentro da física quântica, tem um pensador chamado Amit Goswami, que fala da “consciência cósmica” e dessa “vontade do Todo”. Essa consciência não individual, mas a consciência não local. Quando estamos integrados ao todo, a vontade do todo não a vontade do sujeito.

DECIDIR É DESCONSIDERAR

Então, eu escolho isso e decido por isso, logo eu excluo o todo. E aí, vem muito convenientemente, a palavra desejo, equivalente a desconsiderar. O oposto de considerar. Com, quer dizer junto e sideral, diz respeito ao cosmos. Eu desconsidero, eu não me importo com o todo e foco naquilo que é o objeto do meu desejo, logo, opto por isso, decido por isso, porque escolhi isso. Todas as vezes que eu decido, eu me aparto do todo, segrego a realidade como um todo, a realidade última.

CILADA DO DESEJO

A realidade última é incognoscível. Eu não posso conhecer a realidade última. Mas para que eu possa escolher e decidir, eu preciso conhecer, logo, eu tenho que retirar isso da realidade, para que eu possa decidir. Eu entendi que isso é o melhor e aí, eu optei por isso, só que aí, já é uma grande cilada, porque na verdade, aquilo que te faz escolher é inconsciente. Primeiro o sujeito deseja alguma coisa e depois ele tenta entender porque que ele desejou aquilo. Mas a gente tem a ilusão de que a gente entende alguma coisa e escolhe aquilo porque entendeu que é o melhor. O marketing trabalha dentro dessa perspectiva, de capturar o consumidor não por aquilo que ele precisa, mas por uma sedução dentro de alguma coisa que ele não tem consciência. Então, ele é atraído a comprar alguma coisa, ou usar de algum serviço, não por alguma coisa que ele entende que é bom, ou não, mas por algo que ele não entende e foi atraído por aquilo.

INTEGRAÇÃO, INTUIÇÃO E UNICIDADE

Quando eu estou integrado à realidade última, quando eu estou uno-á realidade última, usando aí, uma expressão do Bion. Que o Bion sugere at-one-ment, uno-á. Uno a si mesmo, uno-ao paciente, ou uno-à realidade. Quando eu estou integrado ao todo, eu não tenho escolha. Não existe escolha, o que vai acontecer é que, eu vou avaliar a partir da minha intuição. Aquilo que eu sinto. Eu sinto alguma coisa e a minha intuição vai me direcionar para o caminho que é um só. Não tem dois. Não tem opções. A intuição não te dá escolhas. Se você está sendo guiado pela tua intuição, você não tem que decidir, você segue no caminho que a tua intuição te norteia, te direciona. Então, não tem escolha quando você está integrado. Quando você está de acordo com a realidade, quando você está uno-á realidade última o caminho é um só e a tua intuição é o que vai te guiar. Não é a tua visão, não é a tua audição, não é o teu olfato. Não, não, está dentro da perspectiva sensorial, dos órgãos dos sentidos. Mas está dentro da perspectiva da intuição. A intuição é que guia o seu caminho, enquanto você está de acordo com a realidade e não tem escolha, o caminho é único.

EXPERIENCIAS EMOCIONAIS-AFETIVAS E INTUIÇÃO

A intuição está ligada às experiências emocionais-afetivas que eu vivi. De que forma? A partir das experiências emocionais que eu vivi e que foram bem sucedidas, isso vai propiciando a minha maturação emocional-afetiva e a maturação emocional-afetiva te leva a se guiar pela intuição. Não só a maturação emocional-afetiva, mas as reparações. Essas reparações vão trazendo a possibilidade de você ir restaurando a sua relação com a sua própria intuição. Você já não seguia mais por aquilo que foi dito para você, ou que você leu num livro, ou que o professor te orientou, qualquer informação externa possa ter te trazido. Mas você é guiado por aquilo que você sente, você é guiado por aquilo que você percebe, você reconhece, você passa a respeitar isso que reconheceu e passa a se responsabilizar por isso. 

ESTAR SENDO OU SABER SOBRE

A as experiências bem sucedidas sempre iniciam com uma dor psíquica. Elas sempre começam dentro do sofrimento. Uma experiência emocional-afetiva bem sucedida tem início na dor psíquica, na falta. Eu sinto uma falta, eu sinto alguma coisa que me traz um desconforto e a partir daí, se inicia uma experiência que poderá ser bem sucedida, quando ela encontrar no mundo externo o outro que me acolha. Um outro que eu possa estabelecer um vínculo afetivo de confiança e a partir daí conseguir expandir. A expansão depende necessariamente, imperiosamente do outro, do acolhimento do outro. Sozinho não tem como expandir. Eu não consigo aprender a confiar em mim mesmo se o outro não confiou em mim. Isso não tem nada a ver com o verbal, com o que o outro fala, com que o outro diz. Tem a ver com aquilo que eu vivo com o outro. É o estar sendo, não é o saber sobre.



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