domingo, 13 de outubro de 2024

CONJUNÇÃO E GESTAÇÃO - Prof. Renato Dias Martino


DESAPEGO E IGNORÂNCIA

O desapego é a pedra fundamental do desenvolvimento saudável da mente. Uma mente se desenvolve através da capacidade de tolerar o desconforto do desapego e a compreensão é um elemento que está ligado diretamente neste desenvolvimento. O sujeito, ele se apega a compreensão por não tolerar a sua ignorância. A vontade dele faz com que ele se apegue no saber, na compreensão por não estar preparado para tolerar o desconforto de se perceber ignorante. Ignorante da realidade, ignorante do fluxo constante da realidade.

MODELO MÃE BEBÊ 

A psicanálise se utiliza dessa relação mãe e bebê, sobretudo depois da introdução das ideias do Winnicott, como um modelo de toda a elaboração que vai acontecer com outros objetos, com outros elementos do mundo, mas essa relação mãe e bebê é uma relação simbólica e uma relação icônica que transcende essa própria relação. Claro! É importante a gente lembrar que, quando a gente fala da relação mãe e bebê, nós estamos falando, implicitamente da relação mãe e pai. O pai precisa estar presente, desempenhando a sua função paterna para que a relação mãe/bebê seja bem-sucedida. Quando a gente está falando da relação mãe/bebê nós estamos falando, inclusive da relação eu e eu mesmo. Eu sendo a minha mãe. Eu sendo a minha mãe e tendo a minha função paterna em relação a mãe que eu sou de mim mesmo.

RE-CONHECER

Quando a gente fala relação mãe e bebê na psicanálise, implicitamente nós estamos falando, por exemplo da relação analista paciente. É só um exemplo, mas quando a gente fala que é prejudicial para o bebê que a mãe acredite conhecê-lo e que se contente com aquilo que sabe sobre ele, nós estamos falando do sujeito em relação ao mundo. Todas as vezes que você acredita que sabe alguma coisa e que você se contenta sobre isso que você conhece sobre esta coisa, isso te impede de continuar aprendendo. Porque, aquele que acredita que já sabe está obstruído de aprender e quando a gente traz isso no âmbito da mãe e do bebê, isso toma uma proporção extremamente grave, porque a mãe precisa estar aberta o tempo todo a reconhecer o seu bebê a conhecer o seu bebê novamente. Um analista precisa estar aberto a reconhecer o seu paciente. Conhecer o seu paciente novamente a cada encontro.

TRANSFORMAÇÃO

É prejudicial para o sujeito que ele acredite conhecer as coisas do mundo, que ele acredite saber sobre as coisas do mundo e mais, que ele se conforme com isso que ele acredite saber. Assim como a mãe e o seu bebê. A mãe precisa propiciar um ambiente para que o bebê possa se transformar nos seu ritmo. Quando ela acredita que conhece esse bebê, ela pode ficar com estas características do já conhecido e obstruir o desenvolvimento deste bebê. Isso tem a ver também com a experiência do analista e do paciente. Estar abertos para aquilo que é a transformação no paciente.

TOLERÂNCIA 

Saúde mental carece de tolerância. Todo desenvolvimento saudável da mente tem como pressuposto a tolerância. É necessário ter tolerância para se desenvolver emocionalmente e afetivamente. E esse desenvolvimento vai trazer mais tolerância como um desdobramento do processo.

INVARIÂNCIA 

A ideia de invariância, ela é uma ideia extremamente delicada. Por quê? Porque nada é completamente invariante, nada neste plano é completamente invariante, as coisas que podem ser invariantes estão num plano transcendental ao plano material. Por exemplo a divindade é invariante a essência é invariante, a partícula que configura os elementos do mundo pode ser chamada de invariante. Todos nós somos feitos de átomos. O átomo talvez possa ser chamado, talvez possa ser chamado de invariante em cada um de nós. Não só em cada um de nós, mas uma xícara é feita de átomo e o ser humano também é feito de átomos. Esta partícula pode ser chamada de invariante, mas é extremamente delicado tratar da ideia de invariância, porque a invariância é relativa. Já a transformação, não! A transformação é a realidade. Tudo está em transformação. Tudo está se reconfigurando o tempo todo. Cada coisa no seu tempo. Cada coisa dentro da perspectiva particular daquela configuração, mas tudo está em transformação. Nós vamos falar aqui da invariância temporária do colo da mãe em relação ao bebê. Então, o colo da mãe precisa ser invariante para acolher o bebê que é transformação.

AMPARO

A transformação saudável vai ocorrer na medida que possa contar com um acolhimento, um amparo invariante. O paciente está procurando o analista porque está sofrendo de transformação e ele precisa encontrar neste analista uma invariância para que ele possa se apoiar e viver a transformação necessária para o seu desenvolvimento. Você coloca, por exemplo, uma sementinha de qualquer planta num vaso, essa terra que está no vaso, este substrato que está no vaso, precisa estar invariante para que essa sementinha possa germinar e brotar. Se você ficar mexendo essa terra o tempo todo, ela não vai conseguir firmar as raízes para que ela possa crescer, para que possa haver uma transformação saudável. Essa transformação está subordinada ao amparo, ou ao acolhimento invariante. Esta invariância precisa estar também atenta à transformação, porque ela precisa ceder a essa transformação quando essa transformação já estiver num certo ponto de autonomia. Então, a terra que estava ali invariante para que a semente pudesse brotar, passa precisar ceder para que as raízes possam penetrar cada vez mais fundo nessa terra. Porque se ela se mantiver invariante, a raiz não consegue penetrar. Assim também o colo da mãe precisa trazer esta transformação conforme a transformação do bebê.

INVARIÂNCIA DINÂMICA 

Precisa ser uma invariância dinâmica. Então, a terra precisa ser invariante para que a raiz da planta possa se apegar, possa se expandir, mas não invariante ao ponto de obstruir a penetração desta raiz. Porque se ela for extremamente rígida, a raiz não consegue penetrar e não consegue se expandir. Então, esta invariância também é relativa, ela não pode ser efetiva e engessada.

BEBÊ TRANSFORMAÇÃO 

Invariante é aquilo que não muda, que não se transforma. O colo da mãe precisa ser invariante para acolher o bebê que é transformação, que está se transformando o tempo todo e quanto mais esse colo for invariante, mais o bebê vai ter a chance de se transformar. No entanto, esta invariância do colo da mãe precisa estar atenta para o desenvolvimento do bebê. Para quê? Para que possa libertar o bebê na medida em que ele estiver transformado o bastante para ter certa autonomia. Porque esta invariância, quando ela é muito rígida, ela obstrui o desenvolvimento do bebê que é transformação.

VÍNCULOS

Quando uma parte é capaz de sofrer a transformação, a outra parte também é beneficiada. Tudo que diz respeito ao vínculo, quando é saudável para uma parte, também é saudável para outra e vice versa. Quando algo é nocivo para uma parte também é nociva para outra parte dentro do vínculo. O Bion coloca lá em ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, 1970, ele propõe três tipos de vínculos e ele se apoia na biologia para trazer esses três tipos. Então, ele vai falar do vínculo comensal, ele vai falar do vínculo simbiótico e ele vai falar do vínculo parasítico. E aí, ele traz uma ideia muito interessante que vai aí entrar em conflito com a ideia vigente de simbiose. Nós vamos chegar lá. Então, vamos falar do vínculo comensal. O vínculo comensal, ele diz assim, que é um vínculo onde duas partes se unem, onde uma não beneficia a outra, mas também não atrapalha a outra. Convivem harmonicamente, sem que uma atrapalhe a outra, ou também que uma possa trazer benefício para a outra. Vamos chamar esse vínculo de comensal e isso acontece na natureza. O vínculo simbiótico, dentro da natureza é quando uma vida se une a outra vida para que essas duas vidas consigam expandir. Cada uma beneficiando a outra e beneficiando também o vínculo. Então, a mãe tem um vínculo simbiótico com o bebê. O bebê se desenvolve, a mãe se desenvolve e o vínculo dos dois se desenvolve. E ele vai também falar do vínculo parasítico. O vínculo parasítico é quando um se junta com o outro causando um mal para o outro, um mal para si mesmo e o mal para o próprio vínculo.

SIM-BIOSE 

Vínculo simbiótico, onde uma vida se junta com outra vida para que as duas possam crescer e se desenvolver e com isso também propiciar o desenvolvimento do vínculo. Quando a mãe cuida do bebê, quando a mãe é suficientemente boa é dedicada ao bebê, ela propicia o crescimento do bebê o desenvolvimento do bebê e ela também se desenvolve nessa experiência. Não é só o bebê que está se desenvolvendo, ela não é simplesmente um recipiente como um vaso que vai ali, receber o bebê para que o bebê se desenvolva, mas ela é um continente ativo e dinâmico que também está aprendendo com esta experiência e o primeiro aprendizado é a humildade para perceber e reconhecer a sua ignorância frente a esta criatura da qual ela está cuidando.

CONJUNÇÃO CONSTANTE 

O Bion traz a ideia de continente contido no APRENDER COM A EXPERIÊNCIA, mas depois ele retoma essa ideia de uma maneira muito interessante lá no ELEMENTOS DE PSICANÁLISE, onde ele vai eleger a conjunção constante continente contido como o primeiro elemento de psicanálise. Então, o que é conjunção constante continente contido? É onde uma parte está junto da outra, ora uma sendo continente, ora outra sendo continente, ora uma sendo contido, ora outra sendo contido. Um bom exemplo disso é o bebê no colo da mãe. O bebê está contido no colo da mãe que é o continente, mas quando ele começa a mamar o seio da mãe, a boca dele passa a ser um continente e o seio da mãe o contido. Um outro exemplo disso, o analista o analista precisa ser o continente para receber o conteúdo, o contido do paciente, mas ora trabalhado, este conteúdo devolvido para o paciente, o paciente precisa ser capaz de ser o continente para receber este contido. Isso a gente vai chamar de conjunção constante continente contido.

CONSTÂNCIA

Para que haja uma transformação é necessário que haja constância. Constância sugere invariância. Se é constante, não está variando, não pode ser transformação, ou pelo menos dentro de uma boa proporção não pode se transformar. Para que o bebê possa se transformar ou possa viver o processo do seu desenvolvimento ele precisa contar com uma mãe que seja proporcionalmente invariante ela precisa proporcionar um ambiente de constância de invariância até que o bebê possa se desenvolver

GESTAR

O próprio Bion se utiliza da do símbolo feminino como continente e o símbolo masculino como contido, sugerindo aí, a penetração mesmo, do órgão genital masculino no órgão feminino. A cópula em si. Então, esta penetração é uma relação continente contido e essa relação continente contido é tão simbólica que é justamente o que vai gerar o novo gerar, o bebê. Dentro da mente também podemos usar esse mesmo modelo, onde uma ideia penetra um sujeito que vai gestar aquela ideia e gerar uma nova ideia. Não mais aquela ideia anterior, mas uma ideia agora que une as duas partes. Então, o bebê não é só da mãe, o bebê é uma união do pai e da mãe.



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