sexta-feira, 4 de outubro de 2024

DO AUTOEROTISMO AO AMOR PELO OUTRO - Prof. Renato Dias Martino


AUTOEROTISMO

Hoje nós temos aí, pessoas com um dom extremamente elevado de diagnosticar as pessoas, de apontar os dedos e trazer com precisão inúmeros dados, mas nós psicanalistas, precisamos ser humildes o suficiente para admitir que a gente não sabe nada e que a gente precisa viver essas experiências junto com o paciente. A questão é o sujeito que só consegue se satisfazer através da masturbação. Então, a gente está falando aí, da impossibilidade de ter passado do autoerotismo para o narcisismo primário. O que é o autoerotismo? É quando o sujeito se satisfaz consigo mesmo, por mais que seja através do corpo do outro, mas ele ainda tem uma autossatisfação, ele não consegue admitir o outro. Ele não inclui o outro. Então, ele não conseguiu fazer essa transição do autoerotismo para o objeto externo, para o outro. Então, ele ainda ficou fixado nisso.

NARCISISMO PRIMÁRIO

Como se dá a passagem do autoerotismo para o narcisismo primário? Então, Freud vai colocar em 1914, SOBRE O NARCISISMO: UMA INTRODUÇÃO, que, para que possa haver o narcisismo primário, precisa ter havido uma ação a mais. Qual é essa ação a mais? É a apresentação do objeto que é a mãe. A mãe precisa entrar na relação, porque se a mãe não entra na relação ele fica preso no autoerotismo. Para a mãe se apresentar e para que o sujeito possa reconhecer esta mãe, ela precisa chegar de mansinho. Aí, vamos resgatar o Winnicott: ela, primeiro, precisa ter sido o ambiente. Quando ela é um ambiente, o bebê vive o autoerotismo, porque ela não é outra pessoa. Então, ele desenvolve, ele vive a experiência do autoerotismo até o ponto que isso possa se desenvolver e ele passe a ser capaz de reconhecer o outro. Este outro passa a ser um espelho para ele. Quando ele passa a ser um espelho para ele, ele começa a viver o narcisismo primário. Então, agora ele admite a entrada do outro, mas um outro que vive exclusivamente para ele. Quando ele não tem este outro que vive exclusivamente para ele, ele fica fixado no autoerotismo como se não existisse qualquer outra pessoa. Porque essa outra pessoa não foi boa o suficiente para que ele pudesse abrir mão daquela configuração autoerótica para se abrir para o outro.

FUNÇÕES

Quando eu falo aqui da função materna, eu estou falando implicitamente da função paterna. Não há como exercer a função materna de maneira suficientemente boa, ou de maneira bem-sucedida, sem a presença atuante da função paterna não tem como.

INTENSO OU DURÁVEL 

Amor intenso não existe! Amor intenso é paixão e na paixão o elemento fundamental é o desejo. Na paixão eu desejo o outro, no amor eu me dedico ao outro. E a dedicação não é intensa, ela é constante. O amor é constância, a paixão é intensidade. Então, quando a gente está falando de um amor saudável, de um amor verdadeiro, a gente está falando de constância, de continuidade. Quando a gente fala de intensidade, nós estamos falando de paixão. Na paixão o sujeito elege o outro como um objeto de desejo e quando ele percebe que o outro não corresponde ao seu desejo, ele já não quer mais o outro. 

GOSTAR OU AMAR

Nós temos a ideia de que amor é um sentimento, nós temos a ideia de que se sente amor. Eu sinto amor! Não! Eu não sinto amor. Amor não é um sentimento, amor é uma capacidade. Nós tendemos a colocar o amor no super relativo do gostar. Eu gosto tanto que eu amo. Não! Amor é independente de gostar. Amor é dedicação, amor é doação. Gostar é para coisas, amar é para pessoas. Quando a gente ama o outro é quando a gente está aberto a se dedicar ao outro. Por quê? Porque a gente está amando a gente mesmo, porque a gente é capaz de amar a gente mesmo, a gente estende esse amor ao outro. E amar a nós mesmos independente de gostar de nós mesmos. Eu posso não estar gostando de mim, mas eu me amo, eu me dedico a mim mesmo. Isso porque aquele que cuidou de mim, aquela que fez a função materna e aquele que fez a função paterna me amava independente de gostar de mim. Uma mãe não gosta do bebê o tempo todo. Bebê é muito difícil de cuidar e eu não posso esperar que eu goste desse bebê para amá-lo. Gostar é quando o outro me traz um benefício, amar é quando eu me dedico ao outro. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.


DIFERENCIAÇÃO 

A mãe se separou do pai e o menininho de 11 anos, um dia chegou para mãe e falou assim: “Mãe, olha, eu te amo muito, mas o papai é muito mais legal que você”. Na avaliação da criança, o pai é mais legal. Agora, quando a criança não é capaz de amar ainda, porque ela ainda não tem esta capacidade. Uma criança não ama. Crianças não amam! Bebê não ama! Eu não posso exigir de uma criança que ela ame, porque ela ainda não é capaz disso. Ela precisa ser amada, muito amada, muito bem-amada, para que ela possa desenvolver isso. Então, não posso exigir isso da criança. Então, enquanto ela não se torna capaz de amar ela também não é capaz de discernir o que está vindo do outro, se é amor, ou qualquer outra coisa. Mas, a ainda assim, a dedicação é amor e quando ela aprender a amar através dessa dedicação, que hoje ela não consegue reconhecer como amor, ela vai perceber e vai avaliar quem realmente ama. Talvez a criança não seja capaz de diferenciar quem gosta dela e quem a ama, mas isso aí é temporário, é até que ela possa aprender a amar. Aprender a amar através do quê? Através da dedicação que tiveram com ela e não através das pessoas que gostam dela. Porque as pessoas que gostam dela, gostam porque ela pode trazer um benefício. Porque ela é bonitinha, porque ela fala legalzinho, porque ela sabe fazer continha, porque ela faz desenho bonito, isso é gostar, mas isso daí só alimenta um falso eu, porque você vai ficar preso naquilo que você tem que fazer para que o outro possa gostar de você. O amor não! O amor é dedicação. As pessoas que se dedicaram a mim, alimentaram em mim a minha auto-dedicação e hoje eu sou capaz de dedicar a mim mesmo e estender essa dedicação ao outro. Isso é amor! Gostar é outra coisa. O amor se manifesta quando eu não espero nada do outro. Enquanto eu estiver esperando alguma coisa do outro, não é amor. Então, o amor se manifesta quando o sujeito é idoso e quando o sujeito é criança. Por quê? Porque quando ele é criança, ele não pode trazer benefício nenhum para o outro e quando ele é idoso, tanto quanto. Então, a criança pode não estar sendo capaz de reconhecer, ou diferenciar, ou avaliar o que é amor e o que é gostar, mas mesmo que ela não esteja sendo capaz de diferenciar, está acontecendo a nutrição e ela está se alimentando disso e se nutrindo disso.

DEPRESSÃO PÓS 

Depressão é um movimento. O movimento para dentro, para baixo. A depressão pode tanto ser patológica, quanto ser saudável. Todas as duas são desconfortáveis. Então, depressão pós-parto, ela vai acontecer, em alguma medida, em todos os partos, em todos os pós-partos, todo filho que nasce vai gerar na mãe uma certa depressão. Todo sujeito que entra na minha vida, após a entrada desse sujeito na minha vida, vai gerar uma depressão. Por quê? Porque esta entrada do outro vai, de alguma forma sacrificar uma parte do meu narcisismo. Então, o bebê que nasce vai, de alguma forma, suprimir a vida da mãe em alguma medida. A mãe, agora, vai ter que viver para aquela criatura e dizer que você vai lidar com isso de uma maneira: Ah está tudo bem! Não! Não vai lidar com isso, “tudo bem”. Umas estão mais preparadas para isso, outras menos, mas de alguma forma, você vai sentir isso. Ou seja, você, em algum momento, não vai gostar que aquela criança esteja ali, mas você vai amá-la, da mesma forma, mesmo não gostando que ela esteja ali, porque amar é dedicação.

EDUCAR

Você sabe qual que é a semântica da palavra educar? “E” quer dizer fora e “DUCERE” quer dizer colocar. Educar é colocar para fora. Educar é um fator da função paterna, a mãe não educa é o pai que vai preparar para fora. É a função paterna que prepara a criança para que ela possa viver no mundo externo. A mãe não! Quando não tem a função paterna, a mãe tem que carregar esse duro fardo de educar e aí, ela tem que se destituir da sua sensibilidade que é a sua maior virtude para fazer isso.

NÃO DE PAI 

Para o pai, falar um não é uma coisa, para a mãe falar um não é outra. Custa muito para uma mãe falar não. Para o pai é corriqueiro. Então, numa família bem estruturada, o filho pede alguma coisa para mãe e a mãe fala assim: “Vai pedir pro seu pai”. Por quê? Porque para ela custa falar não, mas para ele é simples. “O pai... Não! Não! Não! Não! Não! Já falei que não.” Acabou a conversa! O pai dedicado é o pai que ama, é o pai que se dedica ao filho, é o pai que se dedica à criança. Não é simplesmente aquele que fala não. Não é simplesmente aquele que faz reconhecer o limite, mas é aquele que se dedica. E este pai que é capaz de amar também vai dizer o não e este não é mais um fator da função de dedicação. A dedicação dele inclui o não. Então, o pai que ama não precisa sequer justificar o não, porque o não é uma expressão do amor, da dedicação. Quando ele fala esse não com amor, este não é internalizado como autocuidado e esta criança vai aprendendo a dizer não para ela mesma como um autocuidado e não como uma repressão, como uma castração, ou como qualquer coisa nesse sentido, mas como uma capacidade de respeitar a si mesmo. E a partir daí, ele vai se posicionando e tomando atitudes que incluem esta configuração de limite e amor.

MODELO

O nosso desenvolvimento emocional trabalha através de modelos. Eu preciso de modelos. Modelos que possam me trazer limite e amor. Eu preciso ser amado com limite para que eu possa ver no outro um modelo que eu possa seguir, mas hoje nós estamos extremamente carentes de modelos. Modelos aonde? Dentro de casa. O pai precisa ser um modelo para o menino se tornar um homem. O pai precisa ser um modelo para que a menina possa avaliar qual é o homem que ela vai se envolver. A mãe precisa ser um modelo para menina se tornar uma mulher. A mãe precisa ser um modelo para que o menino possa avaliar a mulher que ele vá se envolver. Mas nós não temos mais isso. O pai não está mais presente. A mãe também não está mais presente. E aí, ou ele desiste de procurar modelos, ou ele busca o modelo externo, o modelo de um ídolo que sabe lá onde é que está. Muitas vezes político, muitas vezes dirigente religioso... Sei lá onde... Um cantor de funk, um artista, ele busca esse modelo onde este modelo não é adequado para que ele possa estruturar a sua própria personalidade.




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