quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O uso do “eu sei”

Surrealismo de Salvador Dali
Por que dizer “eu sei”?
Será porque sabemos realmente?
“Só sei que nada sei”.
Sócrates tomou essa máxima como seu lema e o imortalizou. Mas, se não conhecemos a nos mesmos, o que sabemos então? Estudamos anos a fio certa coisa e um dia nos damos conta que sabemos muito pouco sobre ela. A satisfação que obtemos com a sensação do “saber” é realmente gratificantes, mas penso ser útil encará-la como um domingo de descanso em uma semana de labuta, onde o ponto de interrogação é o norte do desenvolvimento e da expansão. Se não temos duvidas nos acomodamos. As certezas são as maiores ilusões criadas pela mente humana. Contentamo-nos com a certeza quando nos vimos incapazes de continuar a questionar e não porque estamos realmente certos.
Maurice Blanchot (1907 – 2003)
Maurice Blanchot (1907 – 2003) diz: “La réponse est le malheur de la question”, “A resposta é a desgraça da pergunta” (2002). A única certeza é a morte, logo; buscar incessantemente certezas e garantias é o equivalente a buscarmos a morte. A morte da pesquisa, a morte do amor (sentimento rico em incertezas), a morte da busca da vida. "Navigare necesse; vivere non est necesse" no latim, “navegar é preciso, viver não é preciso”, frase de Pompeu, general romano (106-48 AC.), dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra, cf. Plutarco, in Vida de Pompeu. O poeta português Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), ressuscita a idéia com a condição de que “Viver não é necessário; o que é necessário é criar”. A criação parte da falta, criamos aquilo que ainda não existe. Se não existe, logo não sabemos.
Fernando Pessoa (1888 — 1935)
Quando dizemos: “eu sei”, encerramos a busca. Já sabemos, logo; não há nada a aprender. Muitas vezes pronunciamos “eu sei” antes mesmo do outro concluir o que quer dizer. É uma maneira de não dar muita atenção, ou de ignorar alguém. Quando respondemos automaticamente: “eu sei”, o que realmente dizemos é “não estou ouvindo o que você diz”. Assim, tiramos o valor do discurso do outro. É como se parássemos de ouvir por achar que já sabemos tudo o que há para saber.
Sempre que ameaçados nos vemos impelidos a nos defender. Pode-se dizer, “eu sei” quando encontrar-se tomado por ansiedade, enquanto se espera a vez de falar. Também quando, simplesmente não estamos dispostos ou interessados em ouvir. Seja qual for o motivo, essa reação impede que possamos aprender coisas que podem ser importantes. Em um ato de descrédito em si mesmo e na própria capacidade de aprender, criamos um abismo entre o “eu” e o outro.
O “eu sei” pode servir como uma defesa para aquele que se sente ignorante e envergonhado por realmente não saber. Defendendo-se assim, acaba por não aprender.

Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor 
Fone: 17-30113866
renatodiasmartino@hotmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com/

5 comentários:

MeireHelena disse...

Adorei...Se a gente tem duvidas ,incertezas,geralmenteficamos sensiveis, ficamos abertos a novos começos,à mudanças que movem a vida...

Leila Viana disse...

É necessário a humildade de reconhecer que o conhecimento é inesgotável, e que dominar um assunto é totalmente ilusório...Na verdade o nosso próprio ser é infinito, não conhecemos a nossa pessoa por completo, estamos sempre nos surpreendendo com nossas próprias açoes. Achar que sabemos tudo sobre um assunto é limitá-lo, reduzi-lo a finito. Aprendemos sempre com os alunos, pacientes(em terapia), livros e é tão boa a idéia do inesgotável.Adorei o texto.

Jacqueline Ferreira disse...

Aprendi que a coisa mais difícil que existe é mudar. As vezes o ‘eu sei’ brota do fato também, de se achar que se conhece a pessoa que está falando e se antecipa mentalmente tudo que dali possa vir, achando que por ‘conhecer’ tal pessoa, pode-se prever onde ela quer chegar, já saber que sua forma de pensar é assim ou assado.
Acredito que o ‘eu sei’ de quem ouve, é uma cristalização das idéias deste ouvinte que não acredita que do outro possa sair algo novo. Esse ouvinte já tem traçado o perfil do outro e o outro não pode mudar. “Temos a idéia de que compreendemos, porque só temos uma idéia do que ignoramos”.

Carla disse...

Esse texto é realmente muito bom, pois nomeia o sentimento de impotência que nos domina diante de um interlocutor que nos enquadra em suas toscas certezas.
Valeu.

Rogério Xis Nhoato disse...

Realmente é assim mesmo, esse mecanismo de defesa é muito utilizado em conversas francas ou quando você aconselha alguém. O engraçado é que se tu está aconselhando e a pessoa já sabe, por que permanece fazendo os praticando os mesmos erros? Até a gente se pega dizendo o "eu sei" e por isso se tornou um mecanismo de defesa, dizemos isso, ouvimos a pessoa e continuamos a cometer o deslize. Temos que nos policiar e abrirmos mais a guarda é sempre bom ouvir algo de quem a gente ama e geralmente não acontece. O que queremos é permanecer atrás do escudo. Grande abraço Renato e estou sintonizado no seu blog.