sábado, 30 de abril de 2011

A RAZÃO DA CRÍTICA

Se concordarmos que a crítica é o representante do maior grau de racionalidade que se pode ter acesso, pois guarda em si um caráter moral, como que se predispondo em um modelo padrão ou idealizado de existir, então proponho nessas linhas, cogitar sobre a ‘razão da crítica’. 
Qual a real utilidade da crítica? A que tipo de demanda essa qualidade de reconhecimento do qual chamamos crítica, está a serviço? A questão é: que tipo de razão se pode obter na prática da crítica?
A proposta desse ensaio é tentar refletir sobre o grau de contribuição que a ação da crítica pode ter no processo de real expansão da capacidade do pensar. E por outro lado, de que forma a prática crítica pode ser justamente o que impede a capacidade de pensar. Em que medida é real a ajuda do olhar crítico, na capacitação do pensar a maior parte possível do nosso pensamento.
Essa cogitação parte da hipótese do contraste que existe entre aquilo que pensamos e aquilo que ainda está na ordem da imaginação. Em outras palavras, aquilo que reconhecemos e aprendemos a nos responsabilizar, em embate com aquilo que até sabemos, mas não somos capazes ainda, de nos responsabilizar.


Por mais que o sujeito revele sobre si, ainda assim guardará uma grande cota de verdades que não é capaz de declarar. Essa cota de verdade não assumida, sempre guardará outra parte mais secreta ainda e por sua vez, ignorada pelo próprio eu.
O ser humano aprendeu que a crítica ajuda a crescer e é muito comum essa ideia. Entretanto, esqueceu que esse tipo de ação é um esconderijo muito seguro das frustrações e incapacidades daquele que critica.  
Quando Sigmund Freud (1856 – 1939) desenvolveu o modelo da Primeira Tópica, nas tentativas de mapeamento da mente humana, ele fez isso propondo uma área mental denominada inconsciente. Nessa instancia da mente está localizada toda a verdade sobre o eu e também sobre o outro, porém, desconhecida do próprio eu. No inconsciente esta tudo aquilo que foge da parte consciente da personalidade. Sobre essa parte da realidade não se tem conhecimento. É dali que brotam pulsões, impulsos e desejos e é também pra lá que são arremessados os desejos que não são aceitos no mundo externo. Não se pode ter consciência dessa parte do eu, mas nem por isso ela deixa de existir. Muito pelo contrario, os elementos inconscientes fortalecem-se conforme a recusa do reconhecimento. Quanto mais se evita reconhecer algum elemento inconsciente, tanto mais ele se revolta contra o próprio eu e criará recursos para emergir. Mas agora, por não estar disposto ao pensamento (consciência) aparece como atuação (ação não pensada).
Estamos falando sobre o que Freud chamou de ‘reprimido’. O pai da psicanálise escreve sobre um afeto, uma necessidade ou, simplesmente, um impulso primitivo que não teve a chance de evoluir, ganhando sentido de ideia e conquistar o status de características conscientes na totalidade da personalidade. Está então, condenado pelas instâncias críticas e censoras do ‘eu’, a viver nas profundezas do inconsciente. Contudo, amiúde, tenta emergir na personalidade consciente provocando, assim, os sintomas da neurose. É antes de tudo, um motivo de frustração, mas que não está acessível á consciência.
Dessa forma, todo aquele que de alguma forma apresentar certa satisfação que corresponda à frustração reprimida, será veementemente criticado. Não obstante, o sujeito que carrega seu reprimido, critica, mas não é capaz de se desligar do criticado. Isso ocorre por razão obvia: se o fizer terá que carregar com ele toda frustração que através da crítica, projeta no outro. Quero propor com isso que, toda condenação esconde uma frustração latente, daquele que condena, revelada na experiência da inveja. 



Se estivemos de acordo até esse ponto, podemos então afirmar que a crítica é sinal claro da incapacidade daquele que critica. 


A crítica é a primeira manifestação do pré-conceito. Não se conhece muito bem sobre a ideia, porém já se tem um conceito pré-estabelecido sobre o que se critica. Uma tentativa de evacuar elementos não pensados naquele que se dispõe a receber a crítica.

Ora, se isso é verdade então, encontramos uma utilidade para o emprego da crítica. A única justificativa que vislumbramos até agora, para o uso da crítica parece ser a auto-preservação. A crítica é uma boa defesa contra o desconforto emocional gerado no reconhecimento de algo que simboliza uma grande frustração.
Parece-nos claro, nesse ponto da reflexão, que a identificação da crítica, deve conduzir ao afastamento do objeto criticado. De outra forma, existe um objetivo maior e certamente inconsciente em continuar criticando.

Capítulo do Livro - O Amar e o Pensar: Das Perspectivas dos Vínculos no Desenvolvimento da Capacidade Reflexiva, 2013.

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8 comentários:

Jacqueline Ferreira disse...

adorei!

Prof. Renato Dias Martino disse...

Grato , querida Jacqueline!

Unknown disse...

Perfeito...Sim a primeira manifestação do pré-conceito...Obrigado

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Excelente!

Unknown disse...

Excelente!

Unknown disse...

Sábio Professor, muito obrigada!

Cleide Menezes disse...

Professor, amei seu parecer sobre a crítica