Não é difícil encontrar um reclamão, aquele
sujeito que nunca está bem com nada, ou em situação alguma. Um sujeito que
justifica sua constante reclamação dizendo que, se sua vida não é fácil, a dela
pode ser pior ainda. Além de afastar os amigos e as pessoas do seu convívio,
parece usar esse mesmo afastamento para nutrir suas justificativas. Entretanto,
mesmo com tantas justificativas ele é muito pouco consciente do que realmente
incomoda.
Essa condição que poderíamos aqui chamar
de ‘insatisfação crônica’ é na realidade
geradora de inúmeros sintomas, mas todos seguindo uma direção não muito
distinta entre eles. Essencialmente como se algo o degradasse o tempo todo. A
impressão de que a realidade do outro é menos cruel que a sua, pode ser o
resultado de uma experiência, na vida do reclamão, onde realmente isso ocorria.
A predileção por um dos filhos, por exemplo, pode naturalmente gerar um
insatisfeito crônico no filho preterido e essa característica pode persistir
por toda sua vida emocional. Na realidade, o reclamão parece sofrer de uma dor
ligada a algo que faltou a ele num período da vida onde ele não tinha
capacidade de identificar e nem recursos para nomear essa falta. Dessa forma
reclama eternamente por algo que não teve e nunca mais terá.
Então ele afasta os amigos, pois tende sempre a
culpar o outro pelos infortúnios de sua vida. Ele segue reclamando justamente
para tentar evitar sofrer. Isso por que aquilo pelo qual ele reclama já não
existe mais, o que permanece é a incapacidade de compreender isso, daí vem a
recorrente queixa. Como numa situação de melancolia, onde se chorar a morte
daquilo que morreu, assim como Sigmund Freud (1856-1939) escreve em seu texto
‘Luto e Melancolia’:
“No Luto é o mundo que se torna pobre e vazio,
na melancolia, é o próprio ego.” (Freud,
1917)
Podemos dizer que o sujeito descrito aqui é um
melancólico, que não encontra nada de bom no mundo, pois não consegue
reconhecer-se como alguém bom. Isso talvez, por nunca ter sido reconhecido pelo
outro.
O melancólico não permite que morra, ele não se permite sofrer o luto,
contudo amiúde esbarra na realidade da morte e aí reclama. A morte aqui não se
caracteriza só na morte de uma pessoa, mas a perda de qualquer coisa na vida.
Falo aqui de um modelo de vínculo, do eu para o eu mesmo e do eu para o outro.
Tipos melancólicos como esse estão presentes em
todas as esferas da humanidade inclusive no mundo interno de cada um de nós. O
humorista cria personagens a partir do reclamão, os contos de fadas (o anão
Zangado), os desenhos animados (Smurf zangado)...
Com efeito, um reclamão emerge
sempre e logo que se forma um grupo. As maiores vítimas são aquelas que não
puderam ter um ambiente seguro, que fosse possível as reclamações reais de suas
necessidades afetivas em seu tempo. Falo da fase da criança em que ser
reconhecido é uma necessidade básica do desenvolvimento emocional. Aquele da
qual o choro não foi acolhido e compreendido passará a vida toda chorando.
Assim como na colocação de freudiana, quando é
comprometida a autoestima é como se o melancólico reclamão dissesse: sem isto,
eu não consigo viver. Parte do eu parece morrer junto com aquilo que se perdeu
no mundo. E a reclamação recorrente é o sinal daquilo que falta no eu e
reflete-se no mundo externo. Uma parte do eu da qual o próprio eu não é capaz
de se responsabilizar, então passa a ser responsabilidade do outro, que a
partir daí passa a ser o alvo da reclamação.
E não importa o que se faça ou o
que aconteça de bom, a reclamação persiste, pois o que parece morrer não é
apenas aquilo que se deseja, mas, o próprio desejo. Na realidade a reclamação
parece ser gerada da própria incapacidade de criar algo agradável.
O reclamão não para pra pensar no outro, ele
apenas chora aquilo que não pode ter, ou ser. O reclamão é um narcisista que
reclama de tudo que não é espelho. O mito grego de
Narciso só amou a si mesmo;
quando amou o outro, o fez na sua imagem refletida na margem do rio, onde
morreu depois de muito adorar sua própria face. O vínculo que o reclamão faz
com aquilo que se perdeu e que reclama - segundo o modelo melancólico - é muito
mais com aspectos do “eu” projetados no outro, do que o outro real. Isso
ocorre, pois muito provavelmente esse sujeito reclamão não pode viver seu
narcisismo natural em seu tempo e quando bebê foi impossível desfrutar de um
curto período, mas, extremamente necessário, onde sente que ele é o centro do
universo.
Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17-30113866
renatodmartino@ig.com.br
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com
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