Enquanto apoiados num pressuposto
de que a sanidade mental é estabelecida pelo grau de influência mútua que o
sujeito pode ter com a realidade, por meio da consciência dos fatos, então
poderíamos afirmar que o nível de organização mental não pode ser mensurado de
outra maneira que não seja através da capacidade de criação e manutenção dos
vínculos afetivos. Isso concorda com a hipótese de que quanto melhor for a
qualidade dos vínculos que se possa manter, tanto maior será a chance de se
estabelecer uma organização dos conteúdos da mente. No contato com o outro o eu
nutre-se de afeto e sinceridade. Isso tendo afeto e sinceridade como dois
fatores fundamentais na organização mental. Ora, pelo amor verdadeiro do outro
é que se aprende a amar a si mesmo de verdade e da mesma maneira, é pela
verdade afetuosa do outro que descobrimos nossas próprias verdades.
Essa organização mental quando bem estruturada, por sua vez, proporciona a manutenção saudável dos vínculos que se tem, assim como propicia novas vinculações de qualidade. Além disso, uma boa organização mental é o que pode prevenir a incidência de ligações de baixa qualidade, como prováveis estabelecimentos de relações que possam reunir características de alienação, em convites sedutores de satisfação imediata, encobertas por dissimulações e sem propriedades cordiais nutridoras de afeto.
Bem, se esse pressuposto faz
sentido, então poderíamos afirmar que só é possível reconhecer com alguma
clareza as características do funcionamento mental de alguém, através da
qualidade do vínculo de amor e a verdade que se possa ter com ele. Digo “alguma
clareza”, pois, por mais que se possa imaginar saber sobre as coisas que se
encontram para além do corpo físico, ainda assim estaremos diante de um terreno
sempre incerto, cheio de dúvidas. Tratamos da dimensão do ‘ser’ que está em
constante transformação, portanto, ‘estar sendo’. Isso é diferente do saber que necessita de dados precisos.
Ainda assim, as pesquisas nas
ciências psiquiátricas se encontram engajadas na tarefa de desenvolver e
aprimorar modelos de escalas medidoras da saúde mental de adultos e de
crianças, muitas vezes nas mais tenras fases da infância. Dispõem dessas
catalogações psicopatológicas para que sejam utilizadas por profissionais dos
quais, mesmo sem a possibilidade de estabelecimento de vínculo ou mesmo a
mínima convivência com o sujeito paciente, possam se sentir seguros em
diagnosticá-lo.
Entretanto, além disso, essa catalogação que assegurada por um
suposto saber que trás tamanha sensação de precisão, não se reserva
simplesmente ao diagnóstico, mas se estende na administração de medicamentos
que promovem enormes e profundas alterações no funcionamento do organismo e da
mente. Administrações de substancias químicas que provocam alterações de tal
magnitude que instalam grande dificuldade para aquele que por algum motivo
decida deixar de usá-las.
No entanto, por maior que seja a
pretensão que se possa ter, caracterizada nas tentativas de invenção de escalas
medidora e registros do conjunto de informações da saúde mental, ainda assim,
nada pode ser feito para isso através do recurso racional que não terminem um
grande engodo. Equívoco esse que pode gerar inúmeras consequências danosas.
Portanto, o apego que se possa cultivar em métodos de padronização e rotulações
das manifestações emocionais, dificultará a dedicação aos ensaios de
capacitação para se reconhecer, respeitar e acolher as inúmeras diversidades
das experiências emocionais. Isso levando em conta o tempo que cada um de nós
tem no que se refere aos processos do desenvolvimento emocional.
Prejudicada se
encontra a chance de vinculação saudável que possa servir de ambiente tranquilo
o bastante para que haja algum desenvolvimento. Certo ambiente emocional
suficientemente saudável que comporte a transitoriedade dos conteúdos mentais,
que livre de ameaças procurarão expandir-se.
Longe da padronização, aquilo que
se encontra na dimensão emocional, enquanto componente da concepção na
totalidade do sujeito, apresenta uma conjunção com extensões anteriores e menos
evoluídas. Num estado mais bruto, isso que hoje se tem como um pensamento
simbólico se apresentava antes como um elemento desconexo da consciência. Essa
ordem mais imatura de elementos reúne características da intolerância e resolve
sua existência através de certa lei da satisfação imediata das necessidades,
assim como nos ensinou Freud quando propõe o processo primário do funcionamento
mental.
Nessa dimensão a proposta das analogias é impraticável, sendo que nada
é admitido como satisfação se não coincidir de maneira idêntica com a
expectativa que gera desejo. Nesse nível dos processos mentais, a realidade
incide naquilo que se pode alcançar pelos órgãos dos sentidos e existe para
satisfazê-lo de alguma forma, estando excluído do funcionamento mental aquilo
que não se poder confirmar dessa maneira.
Por outro lado a dimensão
emocional tem também uma extremidade de abertura onde a tendência à expansão se
profere. Um ponto de expansão que direciona-se para a busca da concórdia numa
ampliação para o pensamento sublime que encontra-se enriquecido do amor. Amor
esse que ungidos de verdade, liberta.
A astronomia contemporânea propõe
que isso que chamamos o universo é um revezamento de implosões e explosões. Num
constante processo alternado de encolhimento na ordem da contração atômica e de
alargamento no âmbito da amplitude cósmica. Recolhimento e expansão presentes
também nas formulações psicanalíticas da pulsão de vida e pulsão de morte. Na
cultura védica esse movimento se trata da inalação e exalação de Brahman, em
ciclos chamados Yuga, termo que coincide com o conceito grego do aion (eon), e
acontece na ausência de qualquer parcela de tempo (eterno) ou de espaço
(infinito).
A mente se encontra nessa mesma
ordem de movimento e por conta disso não pode estar apegada à modelos
preestabelecidos por muito tempo sem adoecer. Quando a mente busca a expansão
deve se encontrar livre de interferências toxicas e protegida pelo acolhimento
para que isso aconteça de maneira saudável. A verdade de uma mente em expansão
não pode estar catalogada num livro de psiquiatria. Na realidade, a leitura de
livros só pode ajudar quando está sendo uma extensão do trabalho de
reconhecimento do eu, e isso só ocorre através das experiências ocorrentes nos
vínculos afetivos. O processo de psicoterapia pode ser uma excelente
oportunidade para isso, se puder contar com o encontro entre alguém que se
encontre sendo realmente capaz de se dedicar à experiência de expansão da mente
e outro alguém bem capacitado para a colhê-lo nesse delicado processo.
No entanto, temos inúmeras
técnicas seja da medicina ou mesmo da religião para dizer o que um sujeito que
sofre de uma dor psíquica deve fazer ou deixar de fazer, entretanto o
acolhimento que possa trazer um recurso de “fazer juntos” é muito raro.
Prof.
Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
renatodmartino@ig.com.br
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com
2 comentários:
Esse trecho ficou muito bom! [...] Bem, se esse pressuposto faz sentido, então poderíamos afirmar que só é possível reconhecer com alguma clareza as características do funcionamento mental de alguém, através da qualidade do vínculo de amor e a verdade que se possa ter com ele. Digo “alguma clareza”, pois, por mais que se possa imaginar saber sobre as coisas que se encontram para além do corpo físico, ainda assim estaremos diante de um terreno sempre incerto, cheio de dúvidas. Tratamos da dimensão do ‘ser’ que está em constante transformação, diferente do saber que necessita de dados precisos. Abs, Raquel.
Gratidão professor Renato , me fez muito sentido , fazer juntos , sozinho é muito difícil
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