Assim como a comida serve ao corpo físico, proponho aqui cogitarmos o conceito do reconhecimento, quanto a aquilo que nutre o eu, na dimensão do aparelho mental. Vínculos que resultam no reconhecimento trazem a verdade que é, em si, o alimento da alma. É dessa verdade que se retira o substrato da manutenção do funcionamento mental. Depende-se disso para o desempenho do pensar. O reconhecimento é o resultado da simbolização do objeto conhecido e a auto-estima parte daí.
O conceito de símbolo começa a ser observado, com maior cuidado, a partir dos estudos de Melanie Klein (1882 - 1960), pensadora da psicanálise posterior a Freud. em sua obra DA IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS NO DESENVOLVIMENTO DO EGO, de 1930, Klein propõe que a capacidade do bebê em simbolizar o seio nutridor é o protótipo de vínculo que pendurará na vida emocional. Iniciam-se aí as tentativas de novas experiências que possam aprimorar essa capacidade de simbolizar.
A partir desse vértice, cada experiência simbólica com a realidade deve habilitar o “eu” a viver a falta e, assim, sobreviver mesmo na falta. Só depois da experiência da falta é que se pode viver o reconhecimento. Poderíamos sugerir um esquema onde: conhecemos, vivemos o afastamento do que se conheceu e só depois poderemos re-conhecer.
Quando proponho o conceito de reconhecimento, isso não coincide de forma alguma com o ato de elogiar. Não proponho valorizar o conceito efêmero do elogio, que me parece tão pobre em nutrientes e tão inútil para funcionamento saudável da mente quanto a ação da crítica. Aquele que elogia, o faz por não ser capaz de reconhecer. Na realidade, o faz por se julgar incapaz de reconhecer em si mesmo aquilo que elogia no outro. Isso na melhor das hipóteses, pois quando a experiência é muito primitiva, o que temos é a crítica.
A crítica que, como vimos, parte da incapacidade daquele que critica, tem efeitos devastadores na qualidade dos vínculos. O crítico se fortalece criticando o outro. Isso porque despeja o peso de sua incapacidade no objeto da crítica. O elogio, por sua vez, é o falso reconhecimento. Um alimento que, apesar de ser extremamente prazeroso, é extremamente pobre em nutrientes da manutenção da auto-estima. O elogio é gerado por certa impressão superficial da realidade, bem distante de uma visão dedicada quanto à profundidade das pessoas e coisas, justamente onde se abre a dimensão do reconhecimento.
O que tento chamar aqui de reconhecimento está na ordem da capacidade de percepção da realidade dos fatos, independente do que se deseja que a realidade seja. Distante do enaltecimento do elogio, que se encontra na ordem do idealizado, muito afastado do real.
O “re-conhecer” trata da experiência de conhecer novamente, mas agora contando com a imagem internalizada do objeto de reconhecimento. Necessitamos da opinião do outro quanto ao que somos. Isso existe naturalmente como necessidade de reconhecimento. Então, o ego carece disso, pois é daí que se nutre a auto-estima. Contudo, sendo o reconhecimento uma qualidade do funcionamento mental, deve partir de dentro, ou seja, deve emergir do mundo interno.
Quero propor que só é capaz de reconhecer o outro aquele que aprendeu a reconhecer-se a si mesmo. No entanto, isso só se dará a partir da experiência, desse que hoje reconhece, em ter sido, por sua vez, um dia reconhecido. Ser reconhecido é perpassar o conhecimento do eu pela confirmação do outro. Então, para saber quem somos nós, necessitamos transcorrer essa verdade através do olhar do outro. Uma verdade sobre o eu, que só o eu conhece, não pode ser chamada de verdade.
Capítulo do Livro - O Amar e o Pensar: Das Perspectivas dos Vínculos no Desenvolvimento da Capacidade Reflexiva
Prof. Renato Dias Martino
renatodiasmartino@hotmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com.br
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