sexta-feira, 30 de maio de 2025

NEUROSE, PSICOSE, PERVERSÃO E AMOR - Prof. Renato Dias Martino


NEUROSE E PSICOSE

 

A neurose, essencialmente é configurada por um desejo perverso reprimido. Quando se deseja alguma coisa e se é reprimido nesse desejo perverso, isso claro na infância, o sujeito desenvolve um sintoma e esse sintoma é um sintoma neurótico. Existe uma parte do sujeito que não concorda com a realidade. Um pedaço desse sujeito que não concorda com a realidade. E este pedaço gera um sintoma. Esta parte gera um sintoma. Este é o sujeito que tem a predominância neurótica da mente. O psicótico já é o contrário. O psicótico tem só um pedacinho que é ligado na realidade e o resto todo é cindido. Ele não está na realidade. Só um pedacinho mínimo para que ele possa conviver.

 

PERVERSO POLIMORFO

 

O Freud chamava o bebê de perverso polimorfo. Por quê? Porque o bebê se satisfaz de várias maneiras. Com a boca, mamando. Ele se satisfaz evacuando. Perversão é se satisfazer de alguma forma que não seja a cópula. O órgão genital masculino com o órgão genital feminino. Quando a criança é reprimida nesta sua satisfação, que naquele tempo é saudável, ele desenvolve um desejo substitutivo, que vai se configurar num sintoma. Então, todo sintoma neurótico é uma perversão reprimida. O Freud vai dizer assim: "A neurose é o negativo da perversão".

 

SINTOMA NEURÓTICO

 

O bebê não mamou no tempo adequado e desenvolve na vida adulta uma compulsão alimentar que vai levá-lo à obesidade. O desejo perverso que é se satisfazer com a mucosa da boca vai se converter num desejo de comer abusivamente. A necessidade de se nutrir junto com a satisfação sexual da mucosa, que é, a princípio perversa, porque não é uma satisfação dos órgãos sexuais, reprimida vai levar o sujeito a desenvolver um desejo substitutivo com a promessa de que vai trazer essa satisfação que ele precisaria lá atrás. Vai levá-lo a desenvolver um sintoma neurótico e vai gerar a obesidade, vai gerar a compulsão alimentar.

 

O AMAR

 

A maturidade emocional leva o sujeito a renunciar de desejos e se integrar às vontades que são necessidades. Quanto mais maduro emocionalmente o sujeito for, ele vai priorizar as suas necessidades. E esta priorização também inclui a capacidade de adiar estas vontades. Ser capaz de adiar as vontades faz parte da sua maturidade emocional. Ele é capaz de adiar as vontades, renunciar de desejos e com isso ele amplia sua capacidade de se doar que é justamente o amar.



sexta-feira, 23 de maio de 2025

AMAMENTAÇÃO - Prof. Renato Dias Martino


INTERRUPÇÃO

 

Amamentação é um fator da função materna. Se, por acaso a amamentação teve que ser interrompida bruscamente, todos os outros fatores, ou a maior parte dos outros fatores da função materna precisam estar funcionando de maneira bem-sucedida. Se os outros fatores estiverem funcionando de maneira bem-sucedida, a interrupção da amamentação não vai comprometer. O problema é quando a amamentação que é interrompida bruscamente vem com a interrupção de outros fatores da função materna. Porque, a mãe pode continuar cuidando com carinho, com dedicação, mesmo que a amamentação tenha sido interrompida bruscamente, pode lançar mão de outros recursos e continuar nutrindo o bebê de carinho, de cuidado de atenção, de reconhecimento.

 

MAMADAEIRA

 

A mãe, por exemplo, pode ter um problema de não produzir o leite e lançar mão do recurso da mamadeira no lugar do seio. Quando ela está sendo suficientemente boa, quando ela está sendo dedicada comum, como diria Winnicott, ela vai lançar mão da mamadeira e vai cuidar do bebê independente do leite estar saindo do seio. Por outro lado, uma mãe pode dar o seio, pode estar produzindo leite e não conseguir passar o afeto a partir das mamadas. Estar dando mamá para o bebê, desconfortável, fazendo aquilo lá a contragosto. E é pior do que dar a mamadeira.

 

DESMAME

 

O desmame é muito mais difícil para a mãe do que para o bebê. A criança se adapta rapidamente no desmame, a mãe nem tanto. Principalmente se a mãe tiver ali, projetando na amamentação elementos que não foram bem elaborados na vida dela. Aí ela vai estender essa amamentação muito mais do que o necessário, ou vai interromper na medida em que ela esteja se sentindo desconfortável com aquilo. Muitas vezes, a mãe pode manter a amamentação do filho para se defender de alguma situação, por exemplo.

 

OUTRA MÃE

 

Uma mãe que cuida de dois filhos, ela nunca cuida da mesma forma dos dois filhos. Me desculpe! Me perdoe! Essa mãe era uma quando nasceu um filho e ela é outra quando nasceu outro filho. Ela está em desenvolvimento. Ela está passando por situações, por contingências completamente diferentes quando nasceu um e quando nasceu o outro. Pode ter nascido o primeiro filho e ela cuidou desse filho numa fase muito tranquila da vida dela, numa tranquilidade financeira, numa tranquilidade emocional, numa tranquilidade afetiva. Quando chega o segundo filho pode acontecer um monte de problemas e esses problemas podem afetar na criação deste filho. É um papo muito furado esse de falar: "Ah! Eu cuidei dos dois filhos, igual. Eu criei os dois...” Não! Não cuidou! Não! Não criou! E eu não estou tentando culpar ninguém por isso, mas falar isso é uma falácia! É uma mentira! Porque não acontece dessa forma.


sexta-feira, 16 de maio de 2025

DO NARCISISMO PRIMÁRIO AO PSICODIAGNÓSTICO - Prof. Renato Dias Martino



PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO 

Narcisismo primário é uma etapa do desenvolvimento da personalidade do bebê onde ele vê na mãe aquilo que ele necessita. Então, ele se vê na mãe. A mãe é um espelho das suas necessidades. Narcisismo primário é uma fase saudável do desenvolvimento emocional e afetivo. O narcisismo secundário acontece por conta de um insucesso no narcisismo primário. O narcisismo secundário, então não é saudável. O narcisismo secundário é sintomático, vai trazer um desdobramento repetitivo daquilo que não pôde ter sido suprido na época do narcisismo primário. Quando o bebê começa a perceber que existe uma outra pessoa além dele. Esta outra pessoa é a mãe e aí ele começa a viver uma relação com essa mãe por identificação. Relação por identificação é quando o outro não é outro, mas o outro é uma extensão de mim. Esta etapa do desenvolvimento, o Freud chamou de narcisismo primário. Quando acontece resquícios de insucesso desta fase, estes resquícios vão configurar um narcisismo secundário.

SECUNDÁRIO 

Uma parte da experiência que acontece no narcisismo primário não pôde ter sucesso e esta parte vai se desdobrar num narcisismo secundário. A parte bem-sucedida do narcisismo primário é aquela que se desdobra no reconhecimento do outro como outro, o que o Freud vai chamar de relação objetal. O outro não é uma extensão de mim, assim como na relação por identificação, mas o outro é um objeto externo. Então, é uma relação objetal. Algumas experiências não conseguiram passar do narcisismo primário, ou seja, da relação por identificação para a relação objetal e estas experiências que não conseguiram. Isso vão se desdobrar num narcisismo secundário. Dentro do narcisismo primário, o bebê tinha necessidade de ser reconhecido pela mãe. Ele tinha necessidade de se ver na mãe. Quando ele não consegue isso, ele vai desenvolver um desejo substitutivo desta necessidade e este desejo substitutivo a gente vai chamar de narcisismo secundário. E aí, ele vai projetar isso que não pôde ser suprido pela mãe nas outras pessoas, futuramente e também na mãe, futuramente. Vai cobrar da mãe, vai manter uma relação fusionada com a mãe. Isso tudo se configura no narcisismo secundário, ou seja, aquilo que não pôde ser bem-sucedido no narcisismo primário.

RELAÇÃO FUSIONADA

quando o narcisismo primário não é bem-sucedido e não pode ser bem elaborado para se desdobrar naquilo que a gente vai chamar de relação objetal fatalmente os relacionamentos na vida adulta vão se tornar relacionamentos fusionados ou relacionamentos onde um não consegue reconhecer o outro como o outro mas imagina que o outro seja uma extensão do eu e isso a gente vai chamar de narcisismo secundário o outro existe para satisfazer os meus desejos assim como no narcisismo primário a mãe existe para satisfazer as necessidades do bebê quando a mãe não conseguiu existir para satisfazer as necessidades do bebê essas necessidades vão se desdobrar substitutivamente em desejos onde o adulto vai obrigar o outro a satisfazer senão ele vai ficar muito bravinho no

PROPORÇÕES 

Um dos maiores fundamentos do que a gente tem como psicanálise do acolhimento é o desenvolvimento e a reflexão e a expansão da ideia das cotas. A ideia das proporções de tudo que está no humano. Tudo que está no humano está em cada um de nós. Cada um de nós tem um pouco de tudo de saudável e de tudo de nocivo. Uma das maiores contribuições do Freud foi que todos nós somos neuróticos em alguma medida. Uma das maiores contribuições do Bion, foi que todos nós somos psicóticos em alguma medida. Isso deve ser expandido para todas as características presentes nos seres humanos. E aí, a gente volta lá no filósofo Terêncio Afro da época medieval.

PSICODIAGNÓSTICO 


A intolerância quanto a isso, a intolerância de reconhecer essas características e reconhecer essas características vai ser fundamental para que eu possa aprender a respeitar essas características e me responsabilizar por essas características, moldando o funcionamento da minha personalidade. Isso que faz cada um ser de uma forma. A dificuldade de reconhecer isso vai trazer a exacerbação dos psicosdiagnósticos. Então, hoje qualquer manifestação que não seja socialmente aprovada é passiva de ser catalogada pelo CID, pelo DSM e o sujeito vai passar a ser o “laudado”. O laudado na escola, laudado no trabalho, laudado na família. O sujeito que foi caracterizado patologicamente por conta de uma característica que é sua que faz parte da sua personalidade e quanto mais ele é catalogado, quanto mais ele é diagnosticado, menos ele é capaz de se responsabilizar por isso, menos ele é capaz de reconhecer isso como característica sua, aprender a respeitar isso e aprender a se responsabilizar por isso. Porque isso já não é dele. Isso é uma patologia, logo é responsabilidade do psiquiatra, do neurologista, ou sabe lá de quem. E aí, ainda por cima ele pode requerer cotas de benefícios que possa favorecê-lo, porque ele foi laudado com aquele psicodiagnóstico e aí, a gente vai entrar naquilo que o Freud chamou de ganho secundário, ou seja, ele se beneficia da sua moléstia.



sexta-feira, 9 de maio de 2025

TOLERÂNCIA E FORÇA - Prof. Renato Dias Martino Parte 2




TEORIA DOS SELFS

Winnicott contribuiu com a teoria dos selfies. Ele separa a personalidade em dois selfies, self verdadeiro e selfie falso. Eu verdadeiro e eu falso. Dentro da proposta do Winnicott, o sujeito teria uma essência espontânea chamada eu verdadeiro e um eu falso que, de maneira saudável estaria a serviço de proteger o eu verdadeiro. Quando a gente fala de força dentro do âmbito emocional e nas relações afetivas, nós estamos falando essencialmente do falso eu. Só o “falso eu” pode ser forte. A força não pode ser um atributo do “verdadeiro eu”, porque o “verdadeiro eu” é uma essência. O “verdadeiro eu” é a parte mais primitiva do sujeito, é a parte original do sujeito, é a essência do sujeito. Depois ele vai desenvolvendo a parte externa, que ele chamou de “falso self”. Assim como a fruta que tem o seu fruto verdadeiro ali, mais próximo das sementes e o pseudofruto que está mais externo, nós também dentro da personalidade vamos de maneira análoga, encontrar uma essência próximo das nossas sementes, não é isso? Das nossas origens e uma parte mais externa que vai ser chamado de “falso self”, “falso eu” é o eu social, é aquele que se sociabiliza com o outro. Vale lembrar que, quando a gente fala de “eu social” nós não estamos falando de “eu afetivo”. Relações sociais não são relações afetivas. Relações afetivas não são relações sociais.

REALIZAR OU PRODUZIR 

É importante que a gente possa separar realização de produção. Só o selfie verdadeiro é capaz de realizar, porque só o selfie verdadeiro é espontâneo e criativo. O falso self, o “falso eu” pode, na melhor das hipóteses produzir. Ele produz. Produzir não é realizar. Produzir é padronizado e atende exclusivamente à demanda do outro. A criação que vai se desdobrar na realização é uma extensão da verdade do eu. Por mais que a produção seja para atender a demanda do outro, a realização só pode ser realização quando inclui o outro, mas inclui o outro não para atender a sua demanda, mas porque isso afeta o outro. Porque chega até o outro afetivamente. Enriquece o outro, não simplesmente satisfaz uma demanda.

VOCAÇÃO 

Então, o sujeito tem que ser forte, o sujeito tem que ser inteligente, o sujeito tem que cumprir inúmeras demandas que vem do outro e com isso ele vai perdendo a espontaneidade. Com isso ele vai perdendo a possibilidade de criar. Com isso ele vai perdendo a possibilidade de ouvir a voz sutil da sua própria vocação. Porque desde cedo ele precisou trabalhar para produzir e com isso conseguir a aprovação do outro. Ele precisou fazer alguma coisa que o outro queria que ele fizesse, porque senão ele iria perder a atenção do outro. E aí, ele foi obstruindo a sua capacidade de criação. E aí, quando ele chega na idade adulta... O que eu faço? O que eu estou fazendo? Que profissão que é essa que eu estou? Que relações são essas que eu tenho? O que eu estou fazendo aqui? A essência dele não está ali. A Verdade dele não está ali. Ele não consegue ser verdadeiro na sua profissão, ele não consegue ser verdadeiro nas suas relações, porque a vida inteira ele teve que fazer para cumprir a demanda do outro, ou seja, sendo falso.

FORÇA E PRODUÇÃO

Quando o sujeito não consegue elaborar a produção pela demanda do outro, ele não vai conseguir passar para o próximo estágio, por assim dizer, que é a realização, que é a realização espontânea do seu verdadeiro eu. Ele vai ficar ali, dissimulando, retendo ou expelindo, ou soltando as suas produções, conforme a reação do outro. Muitas vezes o sujeito, ele precisa fazer força para reter ou fazer força para expelir. Então a força está ligada diretamente à produção.

ESPONTANEIDADE 

Falta de criatividade, a dificuldade em exercer a sua espontaneidade na criação, na realização pode vir a ser uma exacerbação do falso eu. Uma vida onde o sujeito precisou construir um falso eu para lidar com as questões que vinham da demanda externa pode vir a trazer para ele um prejuízo na vida adulta de déficit na capacidade criativa, na capacidade de realização, na capacidade de espontaneidade. A personalidade dele acabou sendo estruturada com um investimento muito maior no falso eu do que na nutrição do verdadeiro eu, muito mais na elaboração de mecanismos para satisfazer a demanda externa do que na capacidade de nutrir a essência do eu.

FALSA FORÇA 

O falso eu é um constituinte da personalidade, mas de maneira saudável, este falso eu serve para proteger o verdadeiro eu e de uma maneira nociva ele cresce com a impressão de que ele é a verdade do eu. Isso acontece sufocando o verdadeiro eu.

DISSIMULAÇÃO 

Nós estamos aqui criticando a força? Não! Não estamos criticando a força. A força é necessária, quando for necessário defender o verdadeiro eu. Quando for necessário defender o verdadeiro eu através de uma dissimulação. Tem uma borboleta, uma mariposa, não sei se é borboleta ou mariposa, que tem duas bolas nas asas que parecem dois olhos de coruja. Então, quando ela se sente ameaçada ela abre asas e aquelas duas bolas ficam parecendo uma cara de um predador. Então, nós não podemos criticar as asas da borboleta, ou da mariposa, dissimulando um predador, porque ela está se defendendo, mas ela não é um predador.

INVESTIR

Se eu estiver convivendo num ambiente ameaçador, eu preciso parecer forte. O eu falso é importante na medida que eu esteja inserido num ambiente nocivo, ameaçador. Mas a insistência em se manter num ambiente ameaçador faz com que você se torne falso. Faz com que você confunda a sua essência com o falso eu. É claro que é importante, o falso eu, mas quando este falso eu predomina, o eu verdadeiro padece. E quando eu estou insistindo em conviver num ambiente onde eu sou ameaçado o tempo todo, eu acabo investindo energia muito mais na falsidade do que na minha verdade.

FRAGILIDADE

Na medida em que você não se utiliza do falso eu no momento necessário, adequado, para você se utilizar você, adoece, porque o seu eu verdadeiro fica exposto e o eu verdadeiro é frágil e ele é contaminado com muita facilidade, ele é machucado com muita facilidade. Então, é necessário que eu possa lançar mão do meu falso eu no momento adequado.

INSTINTO 

Todas as vezes que o sujeito estiver se defendendo, esta defesa foi ativada pelo seu instinto de autopreservação. Então, o “falso eu” é ativado pelo instinto de autopreservação, tanto no âmbito tóxico, quanto no âmbito saudável. No âmbito tóxico, quando o sujeito, ele desenvolve um falso eu muito enrijecido, muito proeminente, também foi um instinto de autopreservação que despertou. Por conta do ambiente nocivo, foi obrigado a enrijecer esse falso eu de tal maneira que, hoje ele não dá conta mais, ele não consegue acreditar na sua verdade. Mesmo que ele não esteja mais vivendo num ambiente ameaçador.

FORÇA OBSTRUTORA 

A força é algo obstrutor. O sujeito acreditar que é forte é uma obstrução no caminho da transformação. Quando ele acredita que ele é forte, ele está envolvido numa sensação de onipotência que a transformação fica obstruída de acontecer. Não precisa acontecer transformação nenhuma porque eu aguento! Quando ele chega na psicoterapia, ele começa a perceber que ele não aguenta nada, que ele precisa começar a reconhecer a sua fragilidade. Porque nós somos frágeis e dentro desse reconhecimento da fragilidade, ele vai aprendendo a respeitar a sua fragilidade, se responsabilizar pela sua fragilidade e este processo vai fazer com que a transformação aconteça e ele se distancie daquilo que na realidade vem ferindo, vem machucando, vem intoxicando há tempos.

SER FORTE

A principal utilidade de a gente estar vendo essa ideia de força no nosso diálogo diário e cotidiano, nas nossas conversas e sobretudo na nossa prática clínica é que este conceito pode vir a sugerir uma ativação superegóica. Uma promessa de algo que não é real. Uma promessa, em primeiro momento para si mesmo e depois para o outro. Prometer que o sujeito seja forte. Isso é extremamente nocivo na prática clínica. Não só na prática clínica, na nossa vida cotidiana também é nocivo, porque a nossa natureza é frágil. A nossa natureza, sobretudo dentro da perspectiva emocional e dos vínculos, é de fragilidade e quando a gente está se utilizando do conceito de força, de ser forte, nós estamos promovendo uma ilusão, que depois vai ser cobrada. Tanto pelo eu, quanto pelo outro. Tanto pelo “deveria ser” interno do sujeito, daquilo que ele tem como “ideal de eu”, quanto pelo outro, que julga que nós somos fortes.

NATUREZA EMOCIONAL 

A natureza emocional é frágil. Ter a natureza frágil emocionalmente não quer dizer que o sujeito está enfraquecido. Frágil é a concepção. No entanto, quando o sujeito está inserido num ambiente hostil, ameaçador, é importante que ele pareça forte. Ele é forte? Não! Porque, a sua natureza é frágil. Claro que nós estamos falando aqui do âmbito emocional, mas ele precisa parecer forte, porque ele está inserido num ambiente onde ele é ameaçado o tempo todo e parecer forte é uma defesa. A força emocional é uma defesa. Quando o sujeito é forte emocionalmente é porque ele está cheio de defesas e as defesas são essencialmente ilusões, fantasias, ideais, não tem a ver com a realidade, porque quando o sujeito está de acordo com a sua realidade, ele está frágil.

SELF TOTAL

Um selfie total é a integração do falso selfie com o verdadeiro selfie. É quando o falso self, é quando o “falso eu” está num acordo com o verdadeiro eu. Quando a função do falso eu é proteger o verdadeiro eu. Isso é um self integrado, um eu integrado, mas quando o sujeito acredita ser forte, na realidade a falsidade está sendo mais importante do que a verdade.

AMBIENTE DE PAZ

Quando o sujeito consegue conviver num ambiente saudável, de paz, de sinceridade, de amor de dedicação, ele passa a conseguir manifestar a sua fragilidade natural, a sua natureza frágil. Neste ambiente, ele passa a reconhecer a sua fragilidade e o setting terapêutico e o processo psicoterapêutico serve a este intuito. De propiciar um ambiente saudável para que o sujeito possa reconhecer, aprender a respeitar e se responsabilizar por sua fragilidade.

AMBIENTE SAUDÁVEL 

Quando o sujeito está inserido nesse ambiente saudável, quando ele não precisa investir energia no falso eu, ou seja, investir energia para parecer forte ele consegue ter energia para investir no seu verdadeiro eu, logo para expansão e crescimento das suas capacidades. Essencialmente, capacidades emocionais que é a capacidade de se autoconter, de conter as suas emoções, acolher as suas emoções, aprender a respeitar as suas emoções e se responsabilizar por elas e ampliar a sua capacidade afetiva que é a capacidade de se ligar ao outro, de se dedicar ao outro, de abrir mão do seu pelo outro. Mas isso só é capaz, dentro da perspectiva de um ambiente saudável.

AMEAÇAS

Quanto mais ele investe no falso eu, tentando parecer forte, tanto menos ele tem energia para investir na sua verdade para ampliar as suas capacidades emocionais e afetivas. Porque ele está o tempo todo ameaçado, está o tempo todo tendo que se proteger de uma ameaça. Tanto de uma ameaça interna, que o obriga a ser forte, quanto de uma ameaça externa, que a partir dos ataques podem forçá-lo a parecer forte.

ADOLESCÊNCIA 

Um dos grandes desafios de atender um adolescente é que o adolescente acredita que ele é forte. Ele acredita que ele pode encarar qualquer coisa. Ele tem a vitalidade, a virilidade, a jovialidade a seu favor. Então, ele acredita que ele tem força para peitar o mundo na sua revolta e o trabalho psicoterapêutico está completamente subordinado a o reconhecimento da sua fragilidade. Do sujeito perceber que ele não dá conta de tudo. Do sujeito perceber que ele é frágil perante as questões do mundo. Se ele não dá conta de perceber isso. Se ele não é capaz de reconhecer a sua fragilidade, o trabalho psicoterapêutico é inócuo. Porque o trabalho psicoterapêutico tem muito mais a ver com reconhecer fragilidades do que tornar o sujeito forte.


DA SEMÂNTICA 

O conceito de tolerar tem dois radicais na sua semântica. Tem “tolerare”, que quer dizer aguentar, e tem “tollere”, que quer dizer tirar, destituir. Enquanto um radical te leva a se fazer forte, o outro te leva a destituir aquilo que esteja te ameaçando. Enquanto um te obriga a aguentar, o outro te orienta a destituir aquilo que esteja te ameaçando. Então, quando a gente usa a palavra tolerar, nós estamos aqui nos servindo do radical “tollere”, que é destituir, tirar, ou seja, tolerar é tirar alguma coisa que nos ameaça.

DESENVOLVER TOLERÂNCIA 

A criança vai desenvolvendo tolerância a partir da relação bem-sucedida com a mãe e depois com o pai, mas a princípio com a mãe. Ela confia na mãe, ela internaliza a imagem de confiança que ela tem da mãe e ela passa a tolerar a ausência desta mãe que ora foi internalizada. No adulto que nos procura na clínica, esta tolerância vai ser desenvolvida a partir do vínculo com o psicoterapeuta. Essa tolerância vai acontecendo concomitante com o estabelecimento, a expansão e o estreitamento do vínculo com o psicoterapeuta. A internalização da imagem de confiança que o sujeito tem com o terapeuta vai destituindo a influência do “deveria ser”, do “ideal de eu”, do seu superego e introjetando a influência da dupla analítica que vai dissolvendo esta obrigação, esta exigência que o sujeito impunha a si mesmo.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

IMPERMANÊNCIA E INVARIÂNCIA - Prof. Renato Dias Martino



IMPERMANÊNCIA

A realidade é impermanente. Esse termo, impermanência é um termo muito utilizado pelo budismo. No budismo, um dos selos que fundamentam o budismo é que a realidade é impermanente. Ela não permanece muito tempo da mesma forma. Ela se transforma o tempo todo. A realidade é transformação. A realidade está dentro do “estar sendo”, nunca do engessado, nunca do saturado. Quando a gente fala da ideia da realidade, a gente está falando sempre de um processo, sempre de algo que está em transformação, logo não é possível conhecê-la, porque para você conhecer alguma coisa, aquilo precisa estar de alguma forma invariante. Porque senão, o que você conhece agora daqui a pouco já não é do mesmo jeito. A realidade é impermanente aquilo que está dentro da perspectiva do real está em transformação constante. Seja dentro do concreto, do mundo material, ou seja, dentro da esfera mais abstrata e mais subjetiva possível, que seja dentro da esfera emocional, por exemplo, as emoções estão em transformação. O sujeito está em transformação, a personalidade está em transformação, ou seja, dentro da esfera material, um elemento que talvez seja um dos mais duráveis, que é, por exemplo, o diamante, mesmo o diamante, dentro da sua perspectiva, também está em transformação. Seja dentro do âmbito micro, nas partículas menores, elas estão em transformação, seja no âmbito macro, na esfera das galáxias, por exemplo, também está em transformação. Tudo que está configurado na realidade está em transformação.

FLUXO DA VIDA 

A morte como fim é um conceito egoísta. O sujeito que é capaz de transcender o seu egoísmo, ele vai perceber que a morte, na realidade é uma passagem da impermanência, do fluxo da vida. Então, depois que a gente morrer a vida vai continuar, inclusive com aquilo que a gente deixou.

INVARIÂNCIA

Somente duas coisas podem ser invariantes, podem ser consideradas como invariante. Uma delas é Deus. A configuração essencial da realidade, a essência da realidade, o elementar da realidade não se transforma. Então, quando você por exemplo pega uma caneca esta caneca ela é formada por uma partícula elementar igualzinha a partícula que forma o seu corpo. Esta partícula elementar é invariante. A essência, a deidade, é invariante. A alma é invariante. Então, quando Moisés foi cobrado pelo seu povo: qual é o nome desse teu Deus e ele foi lá, perguntar para Deus qual era o nome dele, Deus falou assim: "Eu sou o que sou." “Vai lá e fala para eles que isso, é o bastante.” Só Deus é o que é. E a segunda coisa que é invariante é a ilusão. A ilusão é invariante. Ela não muda. Quando ela começa a sofrer a variância, ou a transformação, ela já começa a ruir e perde a sua conotação de ilusão. Esta mesma ilusão é a que faz o sujeito humano mortal se confundir com Deus. Achar que é Deus. Ele acha que é Deus. Tem a fantasia, alucinação que é Deus, logo, pensa ser em invariante, mas nós estamos em transformação. Nós somos passagem. Nós estamos, o tempo todo nos transformando. Nós estamos sendo, não somos. Sou o que sou é só Deus, ou o ser humano quando está iludido.

RESISTÊNCIA 

A invariância resiste. Ela é resistente. Ela é resistente às transformações. É aquilo que fica da mesma forma e adoece o sujeito por permanecer da mesma forma. O sujeito que evita a transformação, ele adoece. A impermanência é o fluxo da vida.

CONHECER

Você só pode conhecer, você só pode entender sobre algo que é invariante. Se alguma coisa for transformação você já não consegue mais entender isso, porque, cada vez que você for olhar para isso, vai estar de uma forma diferente. Se for transformação, na melhor das hipóteses, você pode reconhecer isso. A cada encontro, conhecer novamente. O conhecimento está subordinado à invariância. Seja a invariância do elemento, ou seja, a invariância do processo. Para que eu possa conhecer, isso precisa estar saturado e quando eu conheço eu tenho a tendência de saturar isso e olhar para isso como invariante.

ANALISTA INVARIANTE 

O analista precisa ser invariante para receber a transformação do paciente. Quando a gente fala sobre a invariância do analista eu me recordo diretamente do filme A VIDA É BELA. O, pai era invariante para que o filho pudesse se desenvolver. A invariância do pai era tolerar o processo. A invariância do analista, muitas vezes é omitir as emoções. Muitas vezes, eu posso estar num processo extremamente doloroso, angustiante na minha vida particular, mas o meu paciente não tem nada com isso. Então, eu preciso recebê-lo de maneira invariante para que ele possa sofrer as suas transformações.

INVARIÂNCIA IMPERMANENTE 

Mesmo a invariância do setting, mesmo a invariância do analista, ao receber o paciente que precisa se colocar no processo de transformação, mesmo esta invariância do analista, também precisa sofrer transformação. Não pode ser saturada e terminada, esta invariância. Vamos trazer a analogia de você colocar uma semente na terra para que ela possa germinar. Esta terra precisa estar invariante. Ela não pode ficar mexendo o tempo todo, senão essa semente não vai conseguir germinar. Ela não vai conseguir se firmar nas suas raízes. No entanto, esta mesma terra, precisa estar em transformação, precisa ser móvel o suficiente para que estas raízes possam penetrá-la. Porque se ela foi invariante, muito invariante e cristalizada, a raiz não consegue penetrar. Então, mesmo esta invariância precisa ser parcial. Quando o paciente chega nos procurando ele está cristalizado, ele chega dizendo: "Eu sou" e ele precisa encontrar este ambiente saudável para que ele possa confiar o suficiente, para se submeter à transformação, mas essa transformação só vai acontecer na medida em que este ambiente também possa acolhê-lo de maneira expansiva e não cristalizada.

TRANSITORIEDADE

Me lembrei agora de um texto muito belo do Freud, chamado SOBRE A TRANSITORIEDADE. 1917 se não me engano. E ali, ele fala sobre o sujeito melancólico. Ele estava desenvolvendo essa ideia da melancolia e ele fala sobre o sujeito melancólico que não tolera a contemplação de uma flor que no outro dia já não vai estar mais ali, que vai murchar, que dura uma noite, por exemplo. Ele não tolera o processo da vida, porque as coisas vão se perdendo. Então, ele não acredita que vale a pena viver porque viver é perder. Amadurecer é aprender a perder. A vida é um processo de perda, é tolerar perder.

MELANCOLIA 

A melancolia se configura num estado que o sujeito entra a partir de ter perdido um objeto do qual ele mantinha uma relação narcisista, ou seja, ele mantinha uma relação fusionada que ele se confundia com o objeto. Quando ele perde esse objeto é como se uma parte do eu se perdesse também. E um recurso para que ele continue vivendo é se transformar num objeto perdido. Porque, na realidade, esse objeto perdido dominava o sujeito. Comandava a vida do sujeito. Por isso que ele não conseguia se distanciar desse objeto perdido. Uma com-fusão com o objeto. E quando o objeto é perdido é como se tivesse perdido uma parte do eu. E aí, ele alucina que ele se transforma no objeto. Assim como o filme Psicose que o Norman Bates se transformava na mãe dele, porque ele vivia uma melancolia muito grande, em relação à mãe.