sábado, 21 de maio de 2011

FUNCIONAMENTO ALIMENTAR



Muitos são os atalhos tomados quando o assunto é sobre as formas que podemos experimentar de angustias ou qualquer que seja a emoção que são potencialmente geradoras de comportamentos. Contudo, a escolha de atalhos talvez não seja o melhor recurso se o assunto é o funcionamento psíquico ou em outras palavras, as vicissitudes da alma. Os ditos Transtornos Alimentares descritos nos compêndios psiquiátricos (CID-10, F 50), como a anorexia e a bulimia, são geralmente diagnosticados focando-se uma distorção na auto-imagem e relacionados à pretensão da beleza estética corporal. Usando unicamente esse ponto de vista, temos então, um quadro que a partir de padrões de beleza corporal pré-estabelecidos, gira em torno do desejo por um corpo belo e as frustrações que surgem então.
Seguindo este ponto de vista, de maneira exclusiva, a prática psicoterapêutica com um paciente dessa ordem, estaria na tarefa de reconstruir o ideal do corpo, ou seja, o que se pretende como forma estética física ideal. Mas, penso que a questão está bem mais profundamente implicada do que na superfície do ser humano, onde se encontra o corpo físico.
Não é novidade alguma que a alimentação é uma das formas mais primitivas de contato, aproximação e vínculo entre os animais mamíferos e sobre tudo o ser humano. Na relação mãe-bebê, o contato feito a partir da amamentação é sem duvida o ponto de partida do contato da nova vida que nasce com o mundo externo.
Para Sigmund Freud (1856-1939), em 1905, as fases do desenvolvimento sexual da criança têm inicio na “fase oral”. Aqui lembrando a importante informação de que, para Freud o sexo é antes de tudo um representante de Eros (deus grego do amor), aquilo que nos liga, ou nos vincula ao outro. A satisfação sexual que primariamente é desvinculada da função genital mas, nessa fase, fundida á satisfação da nutrição. Freud (1905) postula que nessa primeira fase, chamada “oral”, a boca seria a via de comunicação com o mundo externo. 
A relação que a criança faz entre leite (seio) e amor é algo que orienta o rumo de uma boa alimentação e a transição do leite para o alimento sólido. Essa experiência transcende o vínculo primário com a mãe quando é então criado, a partir daí, um modelo de relações afetivas interpessoais posteriores, na sua vida adulta.
Enquanto mama, o bebê não esta simplesmente se alimentando, mas, realizando uma das mais importantes experiências de sua vida. Se até aqui concordamos com essa direção do pensamento, podemos supor que a maneira como o bebê vive essa experiência e a possibilidade de simbolizar esta vivência como boa e prazerosa, servirá de base para toda a vida afetiva e diretamente influenciará na forma da alimentação adulta.
O que seria então um transtorno alimentar se não uma maneira de evitar (mecanismo de defesa) algo que se sente como conflituoso e gerador de ansiedade, depressão, ou certas sensações tão desprazerosas que nunca tivera a chance de ser nomeada?
Penso então, como seria o habito alimentar daquele que quando bebê, a mãe (provavelmente despreparada para a função) sente como angustiante e até doloroso o ato de amamentar, assim como na tão falada depressão pós-parto? Além do que, a percepção de fatos emocionais é particularmente intensa nos bebês, que são particularmente sensíveis à relação mãe-bebê, principalmente nesta fase que é extremamente próxima. Essa relação que tem sua gênese numa ligação fisicamente simbiótica. 
Desse modo, a menor manifestação emocional de um, é logo percebida pelo outro, mobilizando em ambos, mecanismos internos de defesa.
Partindo do principio que, entre amor e alimento existe uma relação especial, perceber a insegurança na mãe, associada ao alimento que o nutre, pode tornar-se um forte gerador de culpa. Dessa forma, percebemos que, o conflito transcende a percepção corporal consciente, daquele que deseja ter um corpo belo. A figura de alguém muito magro é antes de tudo a figura de alguém do qual consumiu pouco alimento. 
Daí repensarmos as patologias alimentares como o bulêmico, que vomita o alimento, por culpa de tê-lo comido e o anorexo que evita a comida, deixaria a problemática da estética corporal reservada num segundo plano. A beleza corporal fica apenas como resultado de um complexo processo onde, quando um se nutre o outro sofre.
Nesse processo se encontraria, de um lado extremo tais transtornos e de outro a obesidade. Enquanto um imagina que só será amado se não comer, o outro procura preencher sua falta afetiva comendo em demasia.
Quero observar a condição poética que se pronuncia nesse material clínico que apresento. Frases recolhidas em minha experiência com pacientes dessa ordem, cujo texto foi minimamente ajustado para apresentar-se como tal.

‘Me sinto nojenta com o estômago cheio’
‘Me vem a culpa e eu vomito’
‘Quanto mais eu como, menos me sinto amada’
‘Quanto menos cheio mais bonito’
‘Para ser amada me privo da comida’
‘Quando estou gorda me sinto má’*
*(Frases retiradas de fragmentos de sessões com pacientes com queixa de transtornos alimentares.)


4 comentários:

Unknown disse...

e o que é pior, ser bulimico vomitando toda comida como raiva de nao ser como gostaria? ou anorexico, privar -se de comida e exibir a tal da magreza, como estatus para sentir bem pro mundo? se falei algo errado , me perdoe, mas desejo aprender tudo que tem a
ensinar, beijo Renato.

Prof. Renato Dias Martino disse...

Olá querida Geisa!
Não se desculpe, não disse nada de errado. Sua colocação é bem coerente. Muito grato pelo comentário. É que são experiências tão dolorosas que ficamos realmente muito confusos quando pensamos. Beijo!

Fátima Marques disse...

Quando estou deprimida tenho uma necessidade imensa e insaciável de comer doces, daqueles de "venda". Sei que não deveria, e bla,bla,bla mas na hora parece que me sinto "protegida" e "acolhida". Deve ser o mecanismo inverso. Mas a balança nunca me perdou...

Fátima Marques disse...

Quando estou deprimida tenho uma necessidade imensa e insaciável de comer doces, daqueles de "venda". Sei que não deveria, e bla,bla,bla mas na hora parece que me sinto "protegida" e "acolhida". Deve ser o mecanismo inverso. Mas a balança nunca me perdou...