sábado, 10 de dezembro de 2011

ALIANÇAS E ALIENAÇÕES

Esse texto é um capitulo do livro “O amor e a Expansão do Pensar - Das perspectivas dos vínculos no desenvolvimento da capacidade reflexiva” publicado em 2013. Ocasião que tento tratar do amor, que durante séculos foi um tema reservado somente aos romancistas, poetas e filósofos, a partir de Sigmund Freud (1856-1939) passou a ser um objeto de estudo das teorias do pensar. Tento, nessa oportunidade, levantar a hipótese de que também na ciência, presentemente admite-se que a capacidade de amar - que se desenvolve, sobretudo, nas mais tenras fases da infância - é fundamental no bom desempenho do aparelho psíquico. 


Aquilo que é responsável por promover a ligação e, além disso, guarda também a função de sustentar duas pessoas ligadas, pode revelar em sua natureza, variações merecedoras de um olhar mais cuidadoso.


A proposta deste ensaio é guiada por essa perspectiva. Um bom motivo para se pensar com mais cuidado essa questão é o fato de que, muitas vezes nos achamos intimamente ligados a alguém, e mesmo assim, somos muito pouco capazes de reconhecer como estamos unidos a essa pessoa, ou ainda, sequer questionamos que função reserva essa mesma ligação, em nossa vida. Se assim acontece, também somo impossibilitados de perceber e atribuir à mesma, as consequências que essa união pode gerar. Desafortunado daquele que se vê ligado profundamente a alguém que muito pouco conhece e mais ainda, sem perceber a dimensão e a qualidade desse vínculo tão importante em sua vida.


Porém, embora tenha sido empregado nesse texto o uso da referencia “alguém”, a proposta desse ensaio não se restringe apenas ao âmbito dos vínculos entre pessoas, mas, de forma mais ampla, refere-se também a ligação que se pode estabelecer nos grupos, no âmbito profissional, na ligação que se pode ter com alguma “coisa”, na forma como ligar-se a um bem adquirido, ou mesmo na relação que se pode ter com o dinheiro, por exemplo. Ainda, é importante colocar que o conceito que aqui chamamos de aliança, não está resguardado simplesmente no domínio micro, onde o eu se vincula de forma individual com outra parte, mas pode se estabelecer em diversos âmbitos, dentro dos modelos macro-sociais, como é o caso da aliança militar, comercial, política, dentre outras esferas prováveis, onde a aliança pode se estabelecer.


A questão que esse ensaio busca tratar é inerente ao tipo de ligação que pode ser construída e então cultivada entre o eu e aquilo que se encontra para além do eu. Logo de antemão já se pode afirmar, e a psicanálise nos ensinou isso de forma essencial, que a qualidade de qualquer que seja o vínculo estabelecido com o outro (além do eu), dependerá da forma como se é capaz de relacionar-se com o si mesmo.


A aliança aqui mencionada encontra-se na dimensão do acordo entre duas ou mais partes. Essa união tratada aqui tem o objetivo concentrado fundamentalmente na realização de fins que coincidem num bem comum. Falamos então, da experiência de aliar-se em nome do desenvolvimento das partes.


Alianças são formadas através de um processo que vai se construindo e devem sagrar certo caminho a percorrer. De inicio a aliança acontece pela identificação das partes. Existe algo no outro que parece coincidir com algo que falta no sujeito. Isso acontece sempre de forma inconsciente, pois dificilmente enxergamos com nitidez aquilo que nos falta. Não é novidade alguma o fato de que nos aproximamos das pessoas e coisas, muito mais pelo que imaginamos que elas sejam, do que por motivos conscientes. Até esse ponto do processo, ainda não foi definida a qualidade desse vínculo. Justamente por essa razão, o processo que conduz a construção da verdadeira aliança, deve contar com um período prévio e essencial dedicado a algum reconhecimento básico das partes. Fase fundamental na construção de qualquer que seja o vínculo e bem por conta disso, fica importante salientar que, falhas nessa fase podem ser fatais. Nessa fase do desenvolvimento da aliança, existe grande fragilidade naquilo que une as partes que se encontram nesse momento severamente vulnerável.

 

A construção e desenvolvimento da verdadeira aliança deve ser sempre um processo lento e que demanda extrema dedicação. A origem da verdadeira aliança é sempre delicada. Carece sempre de grande dedicação, necessita do olhar cuidadoso. Surge pequena e frágil, desenvolve-se devagar e sempre sem pressa.


Por outro lado, muito provavelmente impulsionados pela urgência, por sua vez gerada a partir da fragilidade emocional, nos percebemos em uma aliança perversa que aqui chamaremos de alienação. Adoecido na auto estima, o sujeito se vê incapaz de questionar, duvidar, ou escolher. Dessa maneira, fragilizado, a tendência é estabelecer então, um modelo de vínculo onde o intuito individual só coincide com o do outro naquilo que diz respeito a livrar-se de desconfortos, ou mesmo angariar garantias em nome do comodismo mórbido.


O que move a alienação está muito longe do objetivo (individual e partilhado) de expansão e desenvolvimento das partes, características próprias da verdadeira aliança. Uma pessoa alienada encontra-se implicada numa falsa aliança de caracteristica perversa, onde se vê impedida de ser ela mesma.


É possível dividir dois grandes grupos de alienações: dentro de um modelo parasitário-dependente, incorporar-se ao outro, como uma parte dele. Incapaz de confiar em si mesmo adere simbioticamente no outro. O objetivo dentro desse formato de aliança perversa é o de se tornar parte daquele do qual está vinculado. No modelo oposto de falsa aliança, a ligação toma forma dominio-controladora, tendendo incorporar o outro como parte de si. Incapaz de desenvolver certas funções, o sujeito utiliza-se do outro para isso. Assim como no primeiro modelo, nesse também o sujeito perde o direito de ser ele mesmo, pois, uma parte de si encontra-se sendo desempenhada por outrem.
Guiado pela alienação, o sujeito torna-se cada dia mais carente de si mesmo, se colocando na posição de sua própria negação, onde o eu deve ser suprimido para que o outro exista. A manutenção da aliança perversa, ou alienação, gera certo funcionamento mental que tende a diminuição da capacidade de pensar por si próprio. Isso intensifica a própria alienação, nutrindo o vínculo de desesperança em favor do estado de dependência. Todo e qualquer movimento expansivo que insinue a capacidade de sobreviver fora do estado de dependência é então prontamente atacado e desvalorizado, assim que identificado.


O fruto de ligações como essas, é vulnerável ou ainda deficiente, por carregar o estigma da sua amarga origem. Aquilo que nasceu de uma relação perversa, ausente de cuidados especiais, tenderá repetir o modelo de sua raiz na a próxima geração.


A fragilidade do eu é inevitável na alienação que força o sujeito se tornar algo que na realidade não é, mas é compelido a ser, com a intenção de manter a ligação perversa e assim também se beneficiar dela. Logo, nesse modelo de relação nunca se está sendo o que é na realidade. Esse modelo de ligação acarreta assim, o prejuízo fundamental da impossibilidade do desenvolvimento do pensar. Isso por que só é capaz de pensar aquele que poder ser ele mesmo. Mas para isso é imprescindível o cultivo da aliança verdadeira. É através dela que o sujeito pode reconhecer-se a si mesmo e desempenhar sua capacidade de refletir.


A verdadeira aliança deve partir da capacidade de se conhecer as partes. A partir de então se estabelece certo fio sustentador do vínculo. Esse é um vínculo que requer manutenção cuidadosa do fiar constante. É dai que deve partir a fiança garantidora da aliança. A aliança que por ser verdadeira, deve ser baseada na confiança. A con-fiança que significa fiança compartilhada, mantida pelas partes, nutrida pela fé e assim geradora da fidelidade. O fio que permite, depois do conhecer, ausentar-se para que assim no regresso seja possível o reconhecer.

Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
Fone: 17-30113866
renatodiasmartino@hotmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com  

2 comentários:

Sociedade das Quartas Feiras disse...

Muito bom.

Isabela Martinez disse...

Parece que precisava ler isso hoje.
Estou te seguindo, Professor.
Beijo!