Já tivemos a oportunidade de ensaiarmoscogitações sobre a felicidade e as possíveis maneiras de nomeação dessa experiência emocional. Entretanto, sendo esse um tema de extensão interminável e
que demanda de reflexão constante, me proponho a um novo olhar, bem norteado pela direção proposta no primeiro ensaio.
A ciência do comodismo é algo que tem encontrado grande demanda nesses
tempos contemporâneos. Aquela pesquisa que se iniciou com o intuito de livrar
do mal que poderia estar impedindo o sujeito de caminhar e realizar sua vida,
agora está também a serviço de uma intolerância aos desequilíbrios da vida
humana.
O extremo medo de um possível desequilíbrio tem permeado as escolhas
do sujeito atual, amiúde tem buscado certa perfeição de bem estar. A
psiquiatria, área da medicina que até então tivera o intenção
do diagnosticar e o acompanhar tratamento medicamentoso de uma
suposta patologia mental, hoje também está à serviço de uma normatização do humor
humano, numa estética idealizada de como
o sujeito deveria se sentir ou se comportar. Aquele que não se adéqua a
essa normalidade esperada é simplesmente excluído. Excluído ate que
seja devidamente diagnosticado e enquadrado
nos compêndios psiquiátricos e então retorne com um rotulo muito
bem definido.
A partir de articulações como essa o sujeito contemporâneo cria
seus conceitos e ideais de felicidade. Ora, não estaria equivocado se afirmasse que tanto a
idealização de um padrão de felicidade, quanto a busca de um modelo de
felicidade plena, em qualquer coisa que seja, pode ser algo perigoso, sobretudo
quando nunca se conseguiu arranjar, de outra maneira, qualquer experiência que
possa levar o nome de felicidade.
Isso sempre tendo em mãos o conceito de que certo estado de espírito
denominado felicidade se torna questionável se realmente existe de outra forma
que não seja por períodos breves. E ainda, se não for constantemente nutrido,
tende a ir desaparecendo. Parece-me que felicidade e durabilidade são dois conceitos que vivem se desencontrando. Penso que, se existe
algo que merece ser chamado de felicidade, talvez seja um conceito que defina
um estado de espírito extremamente incerto, indefinível de forma racional.
Sendo assim, é algo que brota de dentro e encontra extrema dificuldade
em se vincular com aquilo que está fora, ao ponto de estabelecer de linguagens
racionais. Assim, a felicidade é sempre o resultado da atividade criativa e se
isso for verdade, então a felicidade passa a ser uma criação humana. Não existirá
se não a criarmos. A felicidade é filha da criatividade, sem uma a outra nunca
será gerada e dificilmente permanecerá. Além disso, não me parece possível ser
feliz com a criatividade do outro.
Sigmund Freud (1856-1939) |
Tendo como base aquilo que pudemos ver até esse ponto do ensaio, me
parece então, que na verdade, não se pode “ser” feliz, mas, é possível nos
encontrar no “estado de felicidade”. Para Sigmund Freud (1856-1939) a busca
pela felicidade contrapõe a busca pela maturidade emocional. O pai da
psicanálise propõe que somente a realização de um desejo infantil é capaz de
proporcionar a felicidade. Ainda para Freud, isso
que chamamos de felicidade é um exercício pessoal, onde nenhuma sugestão
externa é apropriada. Cada um de nós deveria buscar, por si.
“Fazendo uma breve
piadinha: parece que a felicidade é igual aquela frase usada nos cartões de
crédito, “individual e intransferível”. Dessa forma parece possível que você
seja capaz de ajudar o outro a encontrar a felicidade dele, contudo, não será
necessariamente a sua. Muitas vezes, a sua felicidade pode até estar muito
próxima da tristeza do outro.” (Martino. R.D. – Inteligência Três, S. J. R. Preto – 2011)
Longe aqui da tentativa infecunda de indicar um caminho a seguir, ou
aconselhar o leitor, mas, se a proposta é vivermos tendo, pelo menos certa
consciência da realidade, devemos admitir em nossas vidas certa dose de
felicidade, assim como a mesma porção de tristezas. Responsabilizando-nos por
nossa própria tristeza, retiramos das mãos do outro, ou de qualquer que seja o
agente externo, a tarefa de nos fazer felizes.
Dessa forma, todas as pesquisas contemporâneas na busca pela receita da
felicidade, sejam elas aplicadas através da literatura de auto-ajuda, ou mesmo
na proposta da dita “psiquiatria estética”, são grandes ilusões que guardam a
perigosa característica do comodismo. Isso se não incluírem como fator básico,
a capacidade de reconhecer e responsabilizar-se pelas tristezas que jazem na
alma de cada um de nós.
Dentro de uma perspectiva calcada na busca pela consciência do
verdadeiro eu, assim como do reconhecimento da parte falsa e sua ligação com o
mundo que nos cerca, não podemos conceber a existência de certos medicamentos,
palavras, ou o recurso que seja, que possa apagar a história triste que o
sujeito tenha em sua vida. Assim, não me parece absurdo propor que a felicidade
só pode ser realmente experimentada depois de o sujeito se responsabilizar pela
possível história triste de sua vida.
Nossa mente trabalha por estar insatisfeita, buscando através do
pensamento referencias no mundo, isso nos qualifica afirmar que só pensamos
enquanto infelizes. O bebê aprende a pensar quando a mãe (que uma vez que tenha
sido suficientemente boa) não pode atendê-lo de imediato e assim ele sente sua
falta. Por outro lado a mente tende a relaxar seu funcionamento quando
satisfeita, depois da mamada o bebê adormece tranquilo. Então, se concordamos
nesse ponto, aquele que encontra a felicidade plena deve ter seu funcionamento
mental extremamente limitado e sua capacidade de pensar reduzida.
No entanto, essa verdade fica muito complicada aplicada num mundo
contemporâneo cheio de convites para satisfação imediata e receitas de
felicidade plena, como é no nosso tempo. Uma sociedade onde o sujeito entristecido
é muito malvisto. Convites esses que só fazem afastar o sujeito mais e mais do
verdadeiro contentamento e coloca a parte triste de cada um de nós escondida do
mundo.
Dessa forma, a partir da proposta de reflexão dedicada à felicidade
podemos dizer que nada que é real pode trazer certa fonte inesgotável de
felicidade, no entanto a felicidade quando realizada, é o resultado de ações e
construções que tenham proporcionado uma melhor adequação quanto ao verdadeiro
eu e em consequência disso, a melhor adequação no mundo. O verdadeiro
contentamento não pode existir se não construído sem pressa, distante de certa
pretensão de resultado.
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Prof. Renato Dias Martino
Psicoterapeuta e Escritor
São José Do Rio Preto - SP
Fone: 17-30113866
renatodiasmartino@hotmail.com
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