segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

TOLERÂNCIA À FRUSTRAÇÃO COMO CONDIÇÃO DOS VÍNCULOS


A questão da incapacidade de abnegação

Também dentro da perspectiva das experiências que conduzem ao desapego, o campo de reflexão que merece aqui um cuidado especial encontra-se na questão da competitividade e da ambição que é própria do animal humano, ainda mais quando presentes de forma abrasadora na vida do sujeito contemporâneo. Ele conquistou um elevado nível de alternativas eficazes no intuito de libertar-se daquilo que em tempos passados o fazia sentir-se aprisionado. Mudanças foram efetuadas em nome da adequação das leis e normas sociais que assim permitiram maior “liberdade”. Entretanto, seria muito interessante perceber que o grau de capacidade na tolerância às frustrações tem diminuído na mesma proporção em que o sujeito atual torna-se livre. Um ciclo interessante onde a intolerância impele o sujeito à liberdade, que por sua vez sugere um modelo cada vez mais livre de frustrações. O resultado desse ciclo mórbido e sinistro é que geram dessa experiência indivíduos extremamente despreparados na capacidade de tolerar frustrações.

A construção da família, que deve ser o ambiente fundamental para desenvolver bons exemplares desse animal que somos nós, é um bom exemplo disso. Não é surpresa o fato de que, nas últimas décadas, o número de separações e divórcios tem crescido com grande rapidez. O sujeito tem tolerado cada vez menos as frustrações implicadas no vínculo afetivo com o outro e a vida dos relacionamentos têm sido cada dia mais breve. Dessa forma, em curto prazo de tempo a união matrimonial pode ser desfeita. Tendo o resguardo da lei e de certa cultura contemporânea, os compromissos são desfeitos com extrema facilidade e cada vez os processos legais têm se mostrado mais ágeis nessa ordem de eventos. Poderia eu estar sendo pessimista se não fosse um profissional que lida todos os dias com relacionamentos emocionais e se não tivesse eu uma ampla experiência prática dentro disso que me proponho aqui afirmar. Além do mais, a lei (pelo menos no Brasil) diz que a mãe pode deixar numa creche, seu filho de zero a seis anos de idade, o dia todo. Assim sendo, crianças em fases delicadas do desenvolvimento emocional (período que aprende a amar) dificilmente estão em família.


De qualquer forma, não é novidade alguma e não precisamos ser nem um profissional das ciências psicológicas ou sociológicas, para perceber o fato de que o cuidado dedicado dos pais aos filhos têm sido cada dia menos frequente. Ora, sem os cuidados básicos e necessários, de ordem emocional, cresce então, um sujeito inseguro de si mesmo e muito pouco capaz de amar. Dessa forma, um sujeito, que naturalmente (por ser da raça humana) já guardaria características de competitividade e ambição, apresenta então, essas características de forma muito mais acentuada. Cresce percebendo-se sempre em desvantagem, carregando a marca de ter sido privado de algo muito importante ou fundamental, e que o outro provavelmente pôde desfrutar. Isso gera defesas de características narcisistas de quem ambiciosamente, compete o tempo todo.

Tarefa difícil, para não dizer impossível, a de oferecer um prognostico se o que tratamos aqui está no âmbito social, contudo, mesmo assim, fica muito claro que o futuro de um sujeito privado das experiências emocionais de base, parece ser muito incerto e que o mesmo deverá contar com a sorte de encontrar ambientes acolhedores o bastante para viver certas experiências. Isso, já que, quando não foi possível receber os cuidados fundamentais no seio do lar, será muito difícil encontrar isso de qualquer outra forma, ou em qualquer outro lugar que seja.

Segundo essa direção de raciocínio, parece muito pouco provável uma mudança positiva no âmbito social. Isso, por se tratar de certa sucessão corrompida e viciosa, onde os filhos de cada geração tendem crescer cada vez menos preparados para oferecer um ambiente saudável para sua prole.
Assim, a cada dia as crianças têm menos modelos de cuidadores para seguir, sendo instruídas para se tornarem tudo o que seja na vida, menos pais e mães. Mas, apesar disso, dentro de uma proporção de probabilidade estatística, as chances de serem pais e mães, sobrepõem qualquer que seja a oportunidade de desempenhar qualquer que seja outra função.

Essas falhas na disposição de modelos têm inúmeras consequências na estruturação da personalidade.  O sujeito sente que nunca foi desejado (inicialmente pelos pais), não sabe disso com clareza, mas sente de forma muito viva, essa falha afetiva. Isso, pois, realmente sofreu uma severa privação dos cuidados dos pais, que tinham sempre algo mais importante para fazer e não podiam estar com os filhos. Aquele que não pôde ser amado e desejado no período da vida em que não podia produzir nada (quando criança) deve então, encontrar no bem material um recurso para que dessa forma, seja desejado pelo outro.

E então, a partir desse ponto de vista, podemos perceber que esse sujeito, sem escolha, já que ser desejado é uma necessidade emocional, deve trabalhar muito para acumular bens - ou mesmo conseguir isso de forma desonesta - cada vez mais e assim talvez conseguir ser desejado pelo outro. Mas, agora não mais pelo que ele poder “ser”, mas então, pelo que pode “ter”. Um processo que gera sujeitos doentes, estressados e sempre incapazes de amar.



Prof. Renato Dias Martino 
Psicoterapeuta e  Escritor
Fone: 17- 991910375
prof.renatodiasmartino@gmail.com
pensar-seasi-mesmo.blogspot.com.br

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