Num primeiro momento poderíamos levantar a questão de que o sujeito que não é capaz de tolerar perder pode escolher não realizar nada. Aquele que teme perder, pode não querer arriscar e quem não arrisca não pode ser bem sucedido. Isso deve configurar-se como consequência da incapacidade no desenvolvimento do autorreconhecimento. A capacidade de autorreconhecimento só pode ser desenvolvida a partir do reconhecimento vindo do outro. Somos o resultado de elementos inatos transformados pelo contato externo.
No entanto, a questão é bem mais profunda e demanda de uma análise mais cuidadosa, já que na realidade o maior impedimento para a realização parece estar dentro de nós mesmos, ainda que seja a partir do resultado de um vínculo nocivo com o outro. Na impossibilidade de receber a continência suficientemente boa, através de um ambiente acolhedor, a predominância da tendência desitegrativa pode proporcionar a severa fragmentação do eu. Na desintegração da personalidade, uma parte se volta contra a outra impedindo a possibilidade de realização.
Isso acontece quando uma parte consegue algum sucesso; a partir daí logo a outra passa a depreciar desvalorizando a realização e impedindo que se possa alegrar-se como sucesso. O grande problema encontra-se no fato de que é possível proteger-se de um oponente externo, mas nada pode se fazer quanto ao inimigo interno. A pior prisão é dentro de si mesmo.
O complexo de sintomas que formam o transtorno alimentar classificado pela psiquiatria como bulimia, funciona dessa maneira. Essa desordem do funcionamento mental é caracterizada por períodos de compulsão alimentar seguidos por indução de vômito. Uma parte do eu busca satisfação de intenso prazer, obtido pela grande ingestão de comida e outra parte se opõe a essa satisfação, forçando o vomito numa tentativa de desfazer o estado de satisfação no prazer alcançado. Uma condição interna de destrutividade contra si mesmo, como se uma parte invejasse o sucesso da outra. Sigmund Freud (1856 - 1939) em seu texto ALGUNS TIPOS DE CARÁTER ENCONTRADOS NO TRABALHO PSICANALÍTICO, descreve uma ordem de pessoas neuróticas que parecem se sentirem fracassadas justamente quando são bem sucedidas.
Esse funcionamento parece ter sido gerado a partir de um tipo de vínculo onde a culpa permeava a relação.
O sujeito não consegue ser bem sucedido, pois se culpa pelo seu contentamento enquanto o outro esteja sofrendo. Por um dia ter sido oprimido pelo outro e então dirigido sentimentos de ódio a ele, agora não se sente merecedor de alegrias num mecanismo de autopunição, por se sentir culpado.
A autopunição pode chegar ao seu nível máximo no suicídio e sobre isso Freud escreve em seu texto A PSICOGÊNESE DE UM CASO DE HOMOSSEXUALISMO NUMA MULHER, que: “é provável que ninguém encontre a energia mental necessária para matar-se, a menos que, em primeiro lugar, agindo assim, esteja ao mesmo tempo matando um objeto com quem se identificou e, em segundo lugar, voltando contra si próprio um desejo de morte antes dirigido contra outrem.” (Freud, 1920).
Através das reflexões conseguidas até aqui, fica claro que a busca pelo estabelecimento de vínculos que sejam ricos em sinceridade e amor é o que pode trazer a possibilidade de reparação do funcionamento que tenha sido perturbado por relações toxicas. Sem a possibilidade de se estabelecer um bom vínculo de confiança as ilusões podem passar a ser percebidas como fatos da realidade.
FREUD, S. 1920,
A PSICOGÊNESE DE UM CASO DE HOMOSSEXUALISMO NUMA MULHER. In: Edição Standard
brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol.XI. Rio de Janeiro, Imago,
1996.
________1916,
ALGUNS TIPOS DE CARÁTER ENCONTRADOS NO TRABALHO PSICANALÍTICO. In: Edição Standard
brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol.XI. Rio de Janeiro, Imago,
1996.]
MARTINO, R.
D. O LIVRO DO DESAPEGO - 1. ed. -- São José do Rio Preto, SP: Vitrine Literária
Editora, 2015.
Psicoterapeuta
e Escritor
Fone:
17-30113866
prof.renatodiasmartino@gmail.com
http://pensar-seasi-mesmo.blogspot.com.br
4 comentários:
Muito bom ! Amei !
Excelente! Enriquecedor! Gratidão Renato!
Super esclarecedor. Obrigada por compartilhar.
Muito bom!
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