terça-feira, 5 de março de 2024

DO ÉDIPO AO SUPEREGO - Prof. Renato Dias Martino



Quando a gente fala de Édipo, normalmente a gente tem a ideia de que existe ali, uma triangulação onde duas figuras estão unidas e vem uma terceira para cortar esta relação. Esta colocação é extremamente inadequada. 

CORTE, TRANSFORMAÇÃO E ENRIQUECIMENTO 

A entrada do pai não promove corte algum, ele vai promover um enriquecimento, ele vai vir para trazer uma possibilidade de influência para que esta relação, entre o filho e a mãe possa se enriquecer, possa se transformar. É um ponto de transformação e não de corte. Os lacanianos se apossaram dessa palavra corte, castração e trazem uma um empobrecimento na possibilidade de associação do que se tem como teoria, na prática. A entrada do pai é um fator enriquecedor, que vai possibilitar a desobstrução da relação filho e mãe, para que esta relação possa se transformar em algo adequado. Então, quando a gente está falando de triângulo edípico, nós estamos falando de uma configuração que vem para trazer uma possibilidade de transformação e não de ruptura. O vínculo entre mãe e filho se enriquece com a entrada do pai.

NOVA DIMENSÃO E ADEQUAÇÃO

Todas as configurações triangulares que o sujeito virá experimentar no futuro, vão estar de alguma forma subordinadas à elaboração daquilo que o Freud chamou de complexo de Édipo. O Freud trouxe o mito de Édipo, mas você não precisa do mito de Édipo para que você possa entender a configuração triangular. O próprio triângulo, a própria geometria já é o suficiente para que você possa perceber aí, dois pontos e um terceiro ponto que promove, não um corte, mas uma nova dimensão para esta configuração. O ponto não corta, ele traz uma nova configuração. A entrada da função paterna precisa ser algo enriquecedor para relação. Ele traz a possibilidade de enriquecer o relacionamento que o filho tem com a mãe. Ele traz a possibilidade de se esclarecer as possibilidades vinculares entre filho e mãe. A função paterna real e saudável é aquela que traz a possibilidade de adequação da relação filho e mãe.


PARA KLEIN


Irá ganhar uma nova configuração por conta da função paterna que passa a integrar o mundo emocional-afetivo da criança. Para Melanie Klein, o complexo de Édipo já existia dentro daquilo que ela chamou de um Édipo arcaico, de um proto-superego, por assim dizer. Um período pré-edipico que na fase fálica vai tomar uma configuração exteriorizada, por assim dizer. Como é que se dá esta configuração pré-edipico, no que a gente vai chamar de superego arcaico, dentro da configuração kleiniana? Melanie Klein, dentro daquilo que ela chamou de posição esquizoparanóide, divide o bebê. Vai dividir a realidade em duas, cindindo essa realidade em dois. Uma parte é benevolente, uma parte vem para satisfazer e a outra parte está ligada à privação e é um seio persecutório. Então, seio bom e seio mau. O seio bom é aquele que vem e satisfaz e o seio mau é aquele seio que priva da satisfação. Por mais que o sujeito esteja desfrutando do seio bom, ele está o tempo todo com medo da perseguição do seio mau. Então, se a gente está falando de sei o bom e sei o mau e o sujeito, nós estamos falando então, de uma triangulação. O superego primitivo, ou arcaico é um superego persecutório, é aquele perseguidor, é aquele que que vem ameaçar a paz do bebê com o seio bom. Diferente do superego proposto por Freud na fase fálica que é o herdeiro do complexo de Édipo fálico, que é o superego legislador. É aquele que traz a lei, é aquele que vai trazer o que pode e o que não pode. A princípio, o bebê vai viver um superego persecutório e depois ele vai, através da entrada do pai, transformar esse superego num superego legislador. O sujeito que tem a preponderância, ou a predominância da parte psicótica, não conseguiu essa transformação de superego persecutório para um superego legislador. O superego legislador é aquele que vai ser o fiscalizador, ou o fiscal das neuroses, dos sintomas neuróticos e o superego persecutório é aquele que vai atormentar as alucinações psicóticas.

PARA FREUD

Para o Freud, o superego é um herdeiro do complexo de Édipo e para o Freud o complexo de Édipo acontece na fase fálica. Então, na elaboração do complexo de Édipo na fase fálica, para Freud, aparece o superego para ele. Antes não tinha superego e o que que é o superego para o Freud é a possibilidade de elaboração do complexo de Édipo. As questões edípicas. Ideal de eu. O que então, deveria ser. Então, este superego, ao mesmo tempo vai cobrar que o sujeito tem a mãe só para ele e também, ao mesmo tempo, vai negar e proibir que ele possa ter esta mãe para ele. E quando esse pai não exerce uma função suficientemente boa, isso passa a ser um elemento extremamente perturbador na configuração da estrutura mental do sujeito.

PERSEGUIÇÃO E LEGISLAÇÃO

Um sujeito que tem a predominância da parte psicótica da mente, ele não tem a ligação razoável com o mundo externo, logo, as leis para ele fazem muito pouco sentido. Toda figura de autoridade vai significar perseguição e não legislação. Todas as vezes que houver um contato, tanto com a figura externa de autoridade, quanto com a figura interna de autoridade. Este contato será um contato de perseguição de alguém que vem me sondar com um olhar que fica o tempo todo à espreita. A alucinação do psicótico, a miúde, tem esta figura de perseguidor independente de leis ou não. Não tem a ver com lei, tem a ver com perseguição. Estão me perseguindo! E o superego legislador é mais fácil ainda, porque todo o sintoma neurótico acontece por conta de uma proibição, de uma proibição da civilização. Como é que se desenvolve um sintoma neurótico? O sujeito reprime um desejo perverso, por ser proibido civilizatoriamente, dizendo, e a partir dali, ele elege um substituto, que é permitido pela sociedade e ali ele desenvolve o seu sintoma. Todo o sintoma neurótico perpassa por uma proibição civilizatória social.

PARA BION

O Bion observa um uma outra característica do Édipo. Não restrita a ideia do crime sexual e do parricídio, mas ele vai para além. Ele percebe ali, a forma arrogante que o Édipo lida com a verdade. Quando ele manda buscar o Tirésias e pergunta quem foi que matou Laio. Conforme o Tirésias vai revelando ali a verdade, o Édipo vai se enfurecendo, ficando hostil e lidando com arrogância frente essa verdade. Mesmo dentro do Édipo, fora dessa configuração, se estabelece mais um triângulo. Não mais em relação a Laio e Jocasta, mas agora em relação à verdade e o Tirésias. Então, mais um triângulo aí que não tem a ver com sexualidade. Mas o Édipo gostaria que a realidade fosse uma coisa e o Tirésias traz a verdade que não é aquilo que o Édipo gostaria que fosse. Então dentro da história do Édipo se instala um novo triângulo que é uma extensão do próprio triângulo edípico, onde o Édipo deseja que a realidade seja alguma coisa e o Tirésias diz que a realidade não é aquilo que ele deseja.

MODELO EDÍPICO

Quando a gente fala de triângulo edípico, triangulação do Édipo, do complexo de Édipo, nós não estamos falando somente da ideia sexualizada, mas nós estamos falando aqui, de uma experiência onde há um objeto de desejo e algo a ser respeitado na tentativa de conseguir este objeto de desejo. O sujeito, um objeto de desejo e algo que precisa ser respeitado na direção de conseguir este objeto de desejo. Não somente, sujeito, mãe e pai. Ou sujeito, pai e mãe, mas sujeito algo que ele deseja e algo que barra a realização desse desejo. Então, este é um modelo que vai para além da simples triangulação no desejo da criança obter a mãe exclusivamente para ele e excluir o pai desta relação.


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