quarta-feira, 19 de junho de 2024

O DESEJO E AS FUNÇÕES DOS PAIS - Prof. Renato Dias Martino



E se estamos falando de desejo, precisamos tocar aqui na ideia do primeiro e maior desejo do ser humano, que é o de ser desejado e este desejo vai se estruturando vai se alimentando conforme a necessidade de ser reconhecido não for nutrida. Quando a gente fala de reconhecimento, nós estamos falando de necessidade. Existe uma necessidade. Existe uma vontade de ser reconhecido. Isso é básico. Isso é estruturante. O sujeito precisa ser reconhecido. Existe uma necessidade de ser reconhecido e quando esta necessidade de ser reconhecido não é nutrida, não é satisfeita, o que acontece é que vai se alimentando o desejo de ser desejado, o desejo de ser aprovado. E aí, começa a haver uma distorção na relação afetiva, na relação com o outro. Ele tem uma propensão a que o outro olhe para ele com olhares desejosos.

DESEJO CONTEMPORÂNEO 

Na contemporaneidade, existe essa tendência muito evidente aí, nas redes sociais, do sujeito que não pôde ser nutrido na sua necessidade de ser reconhecido e passa a fazer de tudo para atrair olhares que possam aprová-lo, que possam desejá-lo.

SATISFAÇÃO OU NUTRIÇÃO

Um termo é satisfação, ser satisfeito, outro termo é ser nutrido. Muitas vezes eu posso me sentir satisfeito, mas eu não fui nutrido. Então, muitas vezes, o olhar do outro pode trazer uma aprovação, pode trazer um olhar desejoso, que me satisfaz, mas que não me nutre. O olhar nutridor é o olhar reconhecedor. O reconhecimento nutre, a aprovação, ou o desejo, satisfaz. Então, muitas vezes, eu estou com a barriguinha cheia, me sentindo satisfeito, mas sem nenhum nutriente. E muitas vezes, o olhar reconhecedor, ele não te deixa satisfeito, mas ele nutre. Você não se sente satisfeito com aquilo, porque, muitas vezes, o olhar reconhecedor, ele vem com inúmeros elementos que são desprazeroso, que não me satisfazem, mas, que ao mesmo tempo, me nutrem para que eu possa ter um autorreconhecimento real.

O “NÃO” NUTRIDOR

Muitas vezes, o “não” é muito mais nutridor do que um “sim” e quando esse “não” vem irrigado de amor, ele é nutridor e inclusive, não carece de justificativa, porque se esse não vem por amor e com amor, ele não carece de ficar se justificando. Porque ele é uma expansão do reconhecimento e do acordo com a realidade.

RECONHECIMENTO E NUTRIÇÃO

Quando uma mãe está amamentando o bebê e fica olhando no olhinho dele, quando ela está trocando o bebê, quando ela está manuseando, quando ela está fazendo aquilo que o Winnicott chama de handling, manuseando o corpinho da criança, ela está também fazendo o holding, também do Winnicott, que é envolvê-la no ambiente emocional-afetivo, ela faz isso prestando atenção. Esta atenção dedicada vai enriquecendo a criança como se ela passasse a existir a partir do olhar da mãe. E aí, o que acontece é que ela vai sendo reconhecida pela mãe e vai passando a reconhecer a si mesma. Este autorreconhecimento, futuramente vai se desdobrar na capacidade de reconhecer o outro. Mas tudo começa lá atrás, quando falha lá atrás. O que acontece é que existe aí, uma fixação na necessidade do olhar do outro, que passa a não ser mais satisfeita pelo olhar do outro no reconhecimento, mas que agora passa a haver uma compulsão na busca por aprovação do outro, na busca pelo desejo do outro.

FUNÇÕES E FATORES 

Existem consequências diferentes da falha do reconhecimento da mãe e da falha do reconhecimento do pai. Tanto dentro da função materna, quanto da função paterna, existe o fator reconhecimento. Então, o reconhecimento é um fator das funções. Dentro da função materna, existem consequências da falha da privação do olhar reconhecedor, na função paterna existem outras consequências na falha do olhar reconhecedor. No entanto, é muito importante a gente pensar que a falha no olhar reconhecedor da mãe é basal, é o que fundamenta. Falhou o reconhecimento da mãe, dificilmente o sujeito vai conseguir desfrutar do reconhecimento do pai, mesmo que ele vier. É o que abre a porta para a realidade. É o que vai abrindo os terminais para que o sujeito possa receber aquilo que vem do mundo externo. Quando falha essa primeira abertura, todo o resto passa a ser comprometido. Pode haver reparações, pode haver possibilidade de restaurações, mas ainda assim, sempre haverá um prejuízo. A função materna, ela sempre está ligada muito mais a acolhimento, a amor, a dedicação, doação, a cuidado, a nutrição. As características do pai têm muito mais a ver com algo que transcende a isso. Tem a ver com provisão, com proteção, acreditar em si mesmo, autoconfiança. De qualquer forma, a função materna é basal. E aí, vale lembrar, quando a gente está falando aqui de uma função materna bem-sucedida, ela impreterivelmente, precisa contar com a função paterna. Mesmo que não seja diretamente ligada à criança. A mãe precisa ter a função paterna presente ali, para que ela se sinta segura o suficiente para nutrir esta criança daquilo que a criança demanda. Se essa função paterna não estiver ali, mesmo que essa criança ainda não perceba essa função paterna efetivamente. Se esta função paterna não estiver ali, a relação entre a mãe e o bebê será deficitária, em maior ou menor grau. mas será. Uma mãe que não pode contar com um companheiro vai ter uma qualidade de cuidado com a criança e a mãe que tem este companheiro presente, ela pode contar com ele, terá outra capacidade de dedicação a essa criança.

FALHA NAS FUNÇÕES

A falha da função paterna vai comprometer diretamente a relação que essa criança vai estabelecer com o mundo externo. Confiar em si mesmo para se embrenhar nas experiências do mundo externo. A falha na função materna tem muito mais a ver com o comprometimento da relação que o sujeito tem com ele mesmo. Então, se estrutura a relação do sujeito com ele mesmo dentro da função materna e se expande da relação dele com o outro na relação paterna. Porque o pai é o terceiro. O pai é aquilo que vai desfusão entre mãe e bebê e a mãe é fundamental porque a mãe vai dizer assim: “Olha, este cara aqui é confiável, este cara é seu pai, pode confiar nele, porque ele é um cara legal”. E se ela não fizer isso, a relação da criança com o pai vai também, sofrer um comprometimento.

CUIDADO E ESTRUTURAÇÃO

É por isso que é tão complicado deixar uma criança aos cuidados de terceiros antes do terceiro ano e meio, quarto ano de vida. porque é até o terceiro ano ou quarto ano de vida que a criança vai estruturar o seu funcionamento emocional afetivo a sua personalidade de maneira muito sensível. Então, ela precisa estar ali, na presença da mãe e que tenha um pai presente dentro deste período. Pelo menos três anos e meio, quatro anos, até que ela possa ali, criar uma autoconfiança, até que ela possa criar ali, um bom relacionamento com ela mesma, para que depois ela possa se embrenhar aí, nas relações sociais, que são cheias de falsidade, cheias de elementos tóxicos, que ela precisa estar muito bem estruturada e nutrida para que ela possa enfrentar todos esses elementos tóxicos que a vida social traz.

APRESENTAÇÃO DO PAI

É claro que a função paterna presente, o pai, a figura paterna fisicamente presente é de fundamental importância, no entanto, quando o pai não está presente por algum motivo, porque morreu, ou por qualquer motivo, o pai não esteja presente, mas a mãe conta histórias de que o pai era um cara legal, já há uma possibilidade da criança estruturar a imagem paterna dentro dela, de tão importante que é a apresentação do pai, feita pela mãe. Só da mãe dizer: “Olha, teu pai era um cara legal, teu pai fazia isso, teu pai me amava, teu pai fazia aquilo...” Não é o suficiente! Não estou dizendo que é o suficiente, mas a criança vai criando ali, uma imagem do pai como uma pessoa que vale a pena seguir como modelo. Mesmo que ela não tenha tido a vivência com ele. Por outro lado, mesmo com o pai presente, quando a mãe se nega a apresentá-lo como uma pessoa boa e na realidade, muitas vezes, faz um desserviço a isso, dizendo que ele não presta, a criança vai se fechando, vai se embotando na relação com qualquer fator da função paterna e isso vai ter um prejuízo enorme futuramente. Na menina, no momento em que ela for se relacionar com outros homens e no menino, quando ele for se relacionar com o homem que ele vai se tornar.

CUIDAR E PROVER 

A mulher pode ser uma profissional bem-sucedida? Pode ser uma advogada, pode ser uma médica, pode ser uma psicóloga, pode ser uma psicanalista bem-sucedida? Claro que ela pode! Ela não pode precisar ser. Ela deve fazer isso como realização, sem a necessidade de que isso seja o esteio do lar. Ela não pode ter a obrigação de provisão do lar, porque isto é função paterna. Querem me chamar de machista? Fiquem à vontade, mas a natureza ainda fala mais alto. Quando a mãe precisa fazer isso, a relação dela com as crianças, com seus filhos vai ser comprometida. O homem que não pode trabalhar para nutrir a sua casa, para prover a sua casa e permitir que a sua esposa possa cuidar dos seus filhos até o quarto ano de vida, não invente de ter filhos! Não é o momento! E a da mulher mesma coisa... Se ela não pode ficar em casa para cuidar dos seus filhos até o quarto ano de vida, não se meta a besta de colocar um coitadinho no mundo que vai padecer com esta situação. É por isso que o mundo está deste jeito que está. Porque as pessoas vão soltando filhos do mundo sem que esses filhos tenham um espaço emocional-afetivo que possa cabelos no lar.

FUNÇÃO PATERNA

Eu deixo um convite aqui para uma pesquisa breve de sujeitos que trazem fatores nocivos, ou para sociedade, ou para si mesmo, ou qualquer manifestação desestruturando que possa afetar o seu funcionamento emocional, a sua capacidade afetiva e até a sua relação social. Faça uma breve pesquisa na vida desse sujeito. E aí, se estendendo a corruptos dentro da política, assassinos a sequestradores, a ladrões, todo tipo de delinquência. Faça uma breve pesquisa na vida desse sujeito que você não vai precisar ir muito longe para ver que existe uma ausência enorme da função paterna. Unanimemente, em todos os casos, a função paterna não foi cumprida de maneira suficientemente boa.

ESTRUTURAÇÃO

Quando existe uma estruturação do lar, quando a mãe foi dedicada, quando o pai estava presente, existe uma estruturação na personalidade desse sujeito que nenhum convite, seja ele de instituições, seja ele de propagandas, seja ele de programas de televisão, ou de redes sociais, que sejam futilidades, que sejam banalidades, que estejam ali, dentro de uma perspectiva nociva, vai pegá-lo. Não pega! Uma boa estruturação da família, uma boa função paterna bem comprida, uma boa função materna bem comprida, faz com que o sujeito crie uma integração da sua personalidade o suficiente, que porcaria alguma o pega. Por outro lado, quando existe a falha na estruturação do lar esta pessoa vai crescer um adulto completamente inseguro de si mesmo e qualquer promessa vai convencê-lo, vai seduzi-lo. Qualquer promessa um pouco mais convincente vai seduzi-lo e ele vai acabar aderindo à ideologias, à propagandas, à programas inúteis fúteis.


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