quinta-feira, 11 de julho de 2024

O SONHAR E A CESURA - Prof. Renato Dias Martino


SONHO TERAPEUTICO

A mãe sonha o sonho do bebê, até que ele seja capaz de sonhar os seus próprios sonhos. Isso é belíssimo! A mãe sonha o sonho do bebê. Ele não é capaz de sonhar. O psicanalista precisa sonhar o sonho do paciente. Não é sonhar o sonho dele para o paciente, é sonhar o sonho do paciente. Bion chama isso de RÊVERIE. O paciente, muitas vezes, chega obstruído com um “deveria ser”, com uma regra, com normas, com críticas, com exigências, que não permitem que ele sonhe e a partir da vivência com o psicoterapeuta, com o analista, ele começa a desobstruir tudo isso na vida dele e passa a ser capaz de sonhar. É sonhar com ele, não é realizar. É muito importante que a gente seja capaz de pensar isso. O espaço psicoterapêutico não é um espaço de realizar coisas, é um espaço de pensar de sonhar.

RÊVERIE

O Bion traz a ideia do RÊVERIE. O que ele propõe com o rêverie? Rêverie é sonhar. Então, ele diz assim: “o analista sonha o sonho do paciente”. Então, a gente precisa separar a ideia de sonho, com a ideia de sonhar. Sonhar é um processo, sonho é um conteúdo. O sonho é do paciente, agora, o processo é o analista que vai fazer. Precisa haver uma diferenciação dessas duas coisas. O analista reconhece o sonho do paciente e percebe a dificuldade do paciente submeter esse sonho ao processo do sonhar e aí o analista vai entrar para ajudar nesta tarefa. Vai sonhar o sonho do paciente para que o paciente possa entrar no próprio sonho e se tornar protagonista desse sonho e passar a sonhar. Então, uma coisa é o sonho. Este sonho é dele, outra coisa é o processo de sonhar e isso ele está obstruído de fazer.

TRANSFORMAÇÃO 

Toda a transformação funciona de uma maneira processual. Existe um processo para transformação. Nada acontece de uma hora para a outra. Nada pode acontecer de um formato para outro instantaneamente. Tudo, pode ser mais lento, ou pode ser mais rápido. Há ali, um processo e o processo que leva de uma forma para outra forma, nós vamos chamar de “cesura”. A palavra cesura, ela vem da gramática. Uma pausa de uma estrofe para outra. O Bion ainda vai usar a ideia de “mudança catastrófica”. CATA que é virar e estrofe. Virar uma estrofe para outra. É muito usado no teatro grego, onde existia uma parte de uma encenação aí, entrava o couro e depois entrava outro ato, já com tudo mudado. A partir do texto que foi falado pelo couro ali, é esta é a mudança catastrófica. Então, esta fala do couro que tem uma intersecção do primeiro ato para o segundo ato, ou seja, de um ato para outro ato, a gente vai chamar de cesura. Quando a gente fala de dia e de noite a gente precisa falar do entardecer. Este entardecer é a cesura. Eu era uma pessoa ontem e hoje eu sou outra pessoa, mas para aquela pessoa que eu fui ontem e a pessoa que eu sou hoje, houve uma cesura, houve um processo de transformação, que muitas vezes a gente não dá conta de tolerar. A gente prefere não olhar para isso, porque é feio quando a gente está se transformando. A gente não gosta de se transformar. A gente gosta de ser isso, ou aquilo. A gente não tolera a transformação. A transformação é desconfortável, porque quem transforma não sabe no que vai se transformar. A lagarta, quando ela está se transformando em borboleta, ela passa por uma fase horrível. Ela prefere continuar sendo lagarta, porque ela vai ter que ficar presa naquele casulo e é horrível. Vai passar por uma fase extremamente vulnerável. Qualquer bicho vai poder ir lá e comer. Então, esta cesura é muito desconfortável e o processo psicanalítico é pura cesura, a psicoterapia é só cesura. Você está se transformando em outra pessoa por isso é desconfortável e você não sabe que que outra pessoa você vai se tornar isso é desconfortável. O melancólico tem um problema enorme com entardecer. O sujeito que tem uma cota proeminente da melancolia, ele tem um problema seríssimo com o entardecer, ele se desespera conforme o sol vai abaixando. E aí, dá-lhe Rivotril! E o que que acontece? O sujeito toma o medicamento psiquiátrico e se descola da cesura, não vive a cesura e a vida é uma grande cesura. A gente está aqui de passagem, a gente não é, a gente está sendo. Então, a vida é uma grande transformação, é um processo, mas a gente tem uma dificuldade enorme de viver esse processo. É desconfortável! É desconfortável você olhar no espelho e começar a ver que a tua barba está ficando branca, que você está com rugas. E aí, dá-lhe botox, dá-lhe esticar o couro do tamborim.

FANTASIAR, SONHAR, PENSAR

Qual é a diferença entre fantasiar e sonhar. Se a gente for pensar no processo de sonhar, existe a fantasia, o processo onírico e aí, ele está preparado para o pensar. O fantasiar seria um fator da função do sonhar. Então, existe fatores que constituem a função do sonhar, um desses fatores é o fantasiar. O fantasiar é lidar com alguma coisa que não existe, como se existisse. O sonhar já é mais do que isso. O sonhar já é um processo. Eu fantasio e não saio daquilo, quando eu sonho, isso já propõe um processo. E aí, já está em transformação. Quando isso está num processo onírico, isso já está se transformando. Enquanto, quando eu estou fantasiando, aquilo ali está dentro das minhas expectativas, independente do que está acontecendo no mundo externo. o Freud vai propor que, quando ele fala ali, do processo primário para o processo secundário, ele diz assim: “uma cota disso que está dentro do processo secundário ainda se manteve no processo primário, não conseguiu passar para o processo secundário. Ou seja, ainda está dentro do princípio do prazer, ainda está dentro do princípio do prazer/desprazer, ainda está dentro do intuito de satisfações imediatas, ou evitação de frustrações de desconfortos” e esta cota ele chamou de fantasiar. O sujeito que tem a proeminência neurótica, ele tem esta cota do fantasiar e este fantasiar não se submete a processos. Quando esse fantasiar se submete ao processo, ele passa para o nível onírico, que já está sendo transformado e já está sendo preparado para ser pensado. Ou seja, já está dentro daquilo que o Bion vai chamar de função-alfa, transformação.

SONHO E REALIDADE

Para que o sujeito possa realizar o seu sonho, ele precisa ser capaz de tolerar que a realização não coincide com o sonho. A realização é real - me perdoe o pleonasmo - o sonho é ideal. O sonho é uma imaginação, o sonho está no mundo de possibilidades infinitas, a realidade restringe. Então, o sujeito realiza o sonho não como sonhou mas como foi possível realizar.

SONHO, LIMITE E REALIZAÇÃO

Onde está o limite da realização dos sonhos? No outro! É o outro que mostra o limite da possibilidade na realização do sonho. É o outro que mostra esse limite, mas também é o outro que viabiliza a realização. Sem o outro não há realização de nada. Para ser real tem que incluir o outro e não só incluir o outro, mas tem que se doar ao outro. Então, a realização está subordinada à capacidade de amar. Se o sujeito não for capaz de amar, aquilo que ele está fazendo é, na melhor das hipóteses, uma produção. Ele produz alguma coisa, mas não realiza.

PRODUZIR, CONSUMIR OU REALIZAR

Onde está a origem dessa configuração de uma sociedade formada por sujeitos que só produzem e consomem? A dificuldade em confiar em si mesmo! A dificuldade em acreditar em si mesmo, a dificuldade em reconhecer a si próprio. Então, ele vive esperando que o outro acredite nele. Ele vive buscando o emprego, porque ele não acredita nele mesmo. Ele passa anos dentro de uma faculdade, dentro de uma universidade e sai dali procurando um emprego, esperando que o outro acredite nele. Pega o diploma como mais uma prova de que ele pode ser confiável, porque não acredita em si mesmo. E ele sai dali, da faculdade, depois de se dedicar ali, 5, 6, 7, 8, anos aí, incluindo pós-graduações, buscando aprovação do outro. Tentando passar em concursos, tentando passar em testes, porque ele não acredita nele. Esperando que alguém acredite nele. Essa é a sociedade contemporânea. As escolas e muitas vezes, os pais educam os filhos para isso: para buscar um emprego para que ele possa produzir e não realizar. Porque este emprego traz para ele, segurança. Um concurso público te dá segurança. Que segurança? De chegar na velhice, olhar para trás falar: “que que eu fiz na minha vida? O que que eu realizei? Eu trabalhei a minha vida inteira para quê?




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