domingo, 28 de julho de 2024

AJUDAR A QUEM NÃO PEDIU - Prof. Renato Dias Martino


Quando o sujeito não está acreditando nele mesmo ele passa a desejar pelo outro. Ele passa a desejar que o outro fique, ele passa até a tentar convencer o outro que o outro precisa permanecer. Porque, na realidade, ele não é capaz de tolerar a ausência. Por que ele não é capaz de tolerar a ausência? Porque, na ausência do outro, ele precisa encarar a si mesmo. Ele fica com ele mesmo e ele não tem um bom relacionamento com ele mesmo e por conta disso não tolera a ausência do outro. Quando o outro sai, ele passa a se relacionar consigo mesmo e ele não está sendo uma boa companhia para ele mesmo. Por isso não tolera que o outro não esteja ali e aí, ele passa a desejar que o outro fique, desejar que o outro permaneça e tentar através de um grande desrespeito, porque tentar convencer o outro é um grande desrespeito, fazer com que o outro permaneça.

RESPEITAR O TEMPO DO OUTRO

O sujeito, quando ele deseja ajudar o outro, tem muito mais dele do que do outro, a não ser que o outro tenha solicitado esta ajuda. Desejar ajudar o outro diz respeito a questões do sujeito que se propõe a ajudar, mais do que questões do sujeito que esteja sendo ajudado. A ajuda real é aquela que é solicitada. Se não foi solicitada, diz mais respeito ao sujeito que deseja ajudar. Porque, na realidade, muitas vezes, o problema que o outro está carregando está beneficiando esse sujeito de alguma forma. Muitas vezes, o sujeito carrega uma culpa e aquele problema acaba sendo um troféu que ameniza a sua própria culpa. Acaba sendo um elemento de justificar esse sentimento de culpa. “Eu sinto culpa, mas olha como eu padeço!” Se o outro vai lá e resolve esse problema, ele perde este elemento de justificativa da sua culpa. Então, é muito importante que a gente seja capaz de respeitar o tempo do outro.

CHISTE

 Tem até uma brincadeirinha, que o pai era advogado e o filho se formou em direito também e ao conseguir a carteirinha da Ordem dos Advogados, ele foi lá e resolveu um problema e veio todo orgulhoso mostrar pro pai dele: “Olha pai! Resolvia essa causa aqui, que se arrastava há mais de dez anos!” Aí, o pai dele virou para ele e falou assim: “Parabéns! Vamos morrer de fome.” Porque, era justamente aquela causa mal resolvida que estava tocando o escritório do pai. O que você está fazendo tentando ajudar aquele que não te solicitou ajuda?

RESISTÊNCIAS

 Essa coisa de ajudar o outro está desde a configuração filosófica até a formulação religiosa. Jesus não ajudou ninguém porque ele desejava ajudar, ele só ajudou as pessoas que solicitavam ajuda. Muitas vezes, o sujeito, até deseja ser ajudado, mas ele tem uma obstrução interna que não o permite ser ajudado e isso em psicanálise a gente vai chamar de resistência. Então, mesmo o sujeito querendo, mesmo o sujeito desejando, ainda teremos que esbarrar com resistências internas.

RESOLVER PROBLEMAS

 Quando o analista está o tempo todo tentando resolver problemas do paciente e não só o analista, quando um sujeito está o tempo todo tentando resolver o problema do outro, quando o outro abre a boa e o sujeito já tem todas as respostas, ele está, na realidade, denunciando a sua intolerância ao processo, intolerância de estar junto do outro na dor dele. O papel do analista é de estar junto do outro na dor dele e não resolver a dor dele. Resolver a dor dele é um processo interno dele. Se você estiver junto com ele, há uma possibilidade desta dor ser elaborada, mas não é você que vai fazer isso.

DESEJO DO ANALISTA

 Dentro da clínica psicanalítica, isso passa a ser uma regra. O desejo do analista de ajudar o paciente atrapalha o processo psicanalítico. O analista precisa estar pronto a ajudar, mas não desejando isso. Quando o sujeito deseja que o paciente melhore, ele pode criar no paciente uma ilusão de estar melhorando, só para atender ao desejo do analista.

O OUTRO NÃO EXISTE

 Na realidade, na vida emocional, o outro não existe. Tudo aquilo que eu tenho dentro do relacionamento com o outro é uma extensão daquilo que eu tenho comigo mesmo. A forma como eu me relaciono comigo transborda, expande no vínculo que eu tenho com o outro. Quando eu estou de mal comigo, eu estarei de mal com o mundo, não só com o outro, mas com tudo, com a natureza... Tudo vai ser incômodo. Quando eu não estou de bem comigo mesmo, quando eu não estou em concórdia comigo, quando eu não concordo com as próprias ideias que eu tenho, eu não vou concordar com ninguém mais. Para o arrogante discordar é um prazer. Ele alivia o conflito interno quando ele projeta a discordância dele no discurso do outro.


QUEM CURA É DEUS

 Falar um pouquinho de cura. A gente ouve demais isso dentro do meio psicoterapêutico. Cura! Não existe cura, gente! O analista não cura, o psicoterapeuta não cura, o psicoterapeuta no máximo cuida, quem cura é Deus.



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