domingo, 22 de setembro de 2024

ADEQUAÇÃO DOS CONCEITOS - Prof. Renato Dias Martino


COMPREENSÃO

Compreensão. De que compreensão nós estamos falando? Muitas vezes o sujeito diz assim: “eu preciso de alguém que me compreenda, preciso me relacionar com alguém que me compreenda.” Sinto muito ser o porta-voz dessa péssima notícia, ou desta informação da realidade, mas você nunca vai encontrar alguém que te compreenda, talvez, na melhor das hipóteses, você encontre alguém que seja capaz de te respeitar, mas te compreender, não. Toda a compreensão é uma aproximação, é muito limitada. Compreender? Não! Ninguém vai te compreender, talvez alguém possa te respeitar. Respeitar é uma coisa, compreender é outra. Então, a gente precisa separar essas duas coisas. Muito mais importante do que estar junto com alguém que te compreenda, é estar junto com alguém que seja capaz de te respeitar, mesmo que não te compreenda, porque se você for esperar alguém te compreender para depois te respeitar, já houve muito desrespeito. O respeito é a base de qualquer relação.

EQUÍVOCO 

Nós, enquanto psicanalistas, precisamos adequar as palavras às experiências de maneira cuidadosa. Nós precisamos nomear experiências de maneira adequada, porque o equívoco é obstrutor no trabalho da psicanálise. Muitas vezes, a gente usa uma palavra querendo dizer outra, mas essa palavra usada vai ser obstrutora no fluxo do pensamento, já que o pensamento se estrutura através de palavras. Então, quando você diz assim: você precisa me compreender. Não, eu não posso te compreender. Não há possibilidade de compreender uma pessoa, porque uma pessoa é um fluxo. O sujeito está sendo, ele não é. E aquilo que está sendo não pode ser compreendido. Eu não posso saber sobre alguma coisa que está em transformação constante. Aquilo que eu sei agora, daqui a dez minutos já não sei mais. Então, não posso te compreender, mas eu posso te respeitar. É função do psicanalista, o respeito. O respeitar o outro para que o outro seja capaz de aprender a respeitar a si mesmo e estender esse respeito às outras pessoas. Então, esta adequação da palavra a experiência é fundamental dentro da clínica psicanalítica. Então, a gente precisa ter um cuidado enorme quanto as palavras que a gente está dizendo. Ah! Eu não quis dizer isso! Não foi isso que eu quis dizer! Pois é! Você não quis dizer, mas foi isso que você disse. E aí, você está alimentando o equívoco. Sabe o que é equívoco? EQU quer dizer igual e VOCUS quer dizer palavra. Então, se você está usando a mesma palavra para alguma experiência que não é adequada.

ACEITAR

A palavra aceitar dentro da clínica psicanalítica é quase um sacrilégio. Aceitar? Quem aceita o que? Aceitar, talvez assim, na expressão de: você aceita um café? Ah! Eu aceito. Aí sim! Agora, eu aceito você? Não! Ninguém aceita ninguém. Eu aceito a mim mesmo? Não! Eu não aceito a mim mesmo, mas eu me respeito. Eu respeito o outro. Respeitar não é aceitar. Se você aceita, você entra na zona de conforto, você entra numa zona mórbida de pulsão de morte. Então, deixa assim mesmo. Eu aceito assim e aí eu obstruo a possibilidade de transformação, porque eu aceito. Então, são palavras que a gente precisa ter um cuidado redobrado na medida em que elas estão configurando o discurso dentro da clínica psicanalítica.

ESFORÇO

Um outro exemplo disso é o esforço. Esforço não é saudável, talvez a dedicação. Dedicação não é esforço. Se você precisa se esforçar é porque a coisa não está sendo espontânea, é porque não está sendo natural e a gente vai precisar olhar para isso de uma maneira mais cuidadosa. Agora, dedicação é saudável, dedicação é muito saudável. Dedicação não é esforço, a dedicação não requer esforço. Você pode usar até a palavra sacrifício. Sacrifício não é esforço. Sacrifício é o SACRO-OFÍCIO. Você se sacrifica sem se esforçar, porque você se dedica. São várias palavras que a gente vem usando de maneira coloquial, de forma inadequada e que dentro da clínica, continuar fazendo isso vai fazer com que o sujeito estimule um vocabulário que alimenta o “ideal de eu”, alimenta o superego.

VALORIZAR

Você tem que valorizar! Não, você não tem que valorizar. Eu preciso de alguém que me valorize. Não! Eu não preciso de ninguém que me valorize, porque eu já tenho o meu valor. Eu preciso de alguém, talvez que seja capaz de reconhecer o valor que eu já tenho. Ah! Você tem que valorizar a natureza! Não! Eu não tenho que valorizar a natureza. A natureza tem o seu próprio valor. Eu preciso me tornar capaz de reconhecer o valor que a natureza tem. Não sou eu que atribuo o valor às coisas. As coisas já têm o seu valor. Ah, professor, você está sendo chato com isso! Pois é! Mas a clínica psicanalítica carece disso. Porque senão a gente constrói um texto enorme com equívocos, com palavras que não são adequadas às experiências.




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