quarta-feira, 25 de setembro de 2024

PSICODIAGNÓSTICO E TRANSFORMAÇÃO - Prof. Renato Dias Martino


TRANSFORMAÇÃO 

A gente tem a ilusão de que através da nossa intervenção que a transformação acontece. Nós é que mudamos as coisas. Não! Na melhor das hipóteses, a gente vai desobstruir o caminho para que a transformação aconteça naturalmente. Na realidade, a transformação está acontecendo o tempo todo. Somos nós que obstruímos o caminho e não percebemos que a transformação está acontecendo. A gente vai criando ilusões para manter a realidade cristalizada, como engessada, quando na realidade - e me desculpe aí o pleonasmo - a realidade está em franca transformação. Somos nós que não somos tolerantes a essas transformações. A gente deseja ser definido, mas nós somos possibilidades. Nós somos transformações constantes e não pela nossa vontade, pela vontade do todo, pela vontade da natureza, pela vontade da realidade, que vai se transformando por si só. E o trabalho psicanalítico está implicado nisso também. O trabalho psicanalítico não promove mudança, mas propicia a desobstrução para que a transformação possa acontecer e não apenas uma mudança superficial, mas uma transformação profunda. Não apenas uma mudança de comportamento, como promete outras psicoterapêuticas, mas uma transformação de funcionamento. Não é só o comportamento é o funcionamento.

DEFINIDO

Nós somos processo, não somos definidos, mas a gente aprendeu que a gente precisa se definir. Desde pequenininho as pessoas pergunto para você assim: “o que que você vai ser quando crescer?” Quando você é adolescente, você já precisa estar com isso muito seguro, porque você vai prestar o ENEN, você vai prestar o vestibular para ser isso que você falou para todos os adultos que você seria, E ai de você, se você não for isso, você vai ter que fazer um esforço hercúleo para mostrar para todo mundo que aquilo ali não era bem daquela forma.

INTEMPERES 

Hoje você não pode mais ter uma mínima intemperança no seu humor. Sabe essas coisas que a gente vive? A gente tem estudado bastante o movimento da espiral no GEPA. Sabe essa coisa que uma hora você está para baixo, outra hora você está para cima? Não pode mais! Porque, senão você é bipolar. Mas se você foi diagnosticado bipolar, agora você pode desfrutar de tudo o que um título de bipolar, do que o rótulo de bipolar pode te trazer. Por exemplo, agora eu acho isso, amanhã não acho mais, hoje eu estou triste, amanhã eu estou feliz, amanhã eu estou para cima... Agora eu posso, porque eu fui rotulado. Mas se eu não fui rotulado, eu não tenho direito disso. Todo mundo vai me olhar torto.

CONSTÂNCIA 

O sujeito que normalmente é diagnosticado como inconstante emocionalmente, na maioria das vezes é o sujeito que teve a sua estruturação da personalidade num ambiente emocional inconstante. Ele viveu num ambiente emocional que não trazia constância e hoje ele tem a configuração da personalidade inconstante. E o sujeito que reclama do outro ser inconstante é porque também não está tolerando a inconstância. Ou seja, não está sendo capaz de manter a sua constância. Para que um sujeito possa estabelecer uma certa constância no seu funcionamento emocional, ele precisa, antes de qualquer coisa, de um ambiente de constância, um ambiente que seja de paz de tranquilidade, que não ameace destempero, para que ele possa estabelecer um funcionamento saudável e constante, um ambiente saudável. A psicanálise tenta trazer isso o ambiente do setting terapêutico propõe essa constância. Por isso que é importante não ficar mudando móveis de lugar. É por isso que é importante que você, enquanto psicanalista esteja bem, sentindo um bem-estar, para receber o seu paciente, para que você possa trazer essa constância e para que ele possa perceber a sua inconstância em relação ao ambiente emocional que ele está inserido.

PSEUDOCIÊNCIA

A psicanálise carrega o título de pseudociência porque não tem comprovação científica. Eu gostaria de saber que tipo de ciência dá o poder do sujeito, através de uma entrevista de 15 minutos diagnosticá-lo como TDAH, como bipolar, como muitas vezes, esquizofrênico e não só diagnosticá-lo, mas passar a administrar medicamentos extremamente perigosos, que podem causar dependência para o resto da vida do sujeito. Isto é ciência? Isto sim é ciência? A psicanálise não?

PSICODIAGNÓSTICO

Eu tenho muito pouco conhecimento em relação aos psicodiagnósticos psiquiátricos, mas me parece que a maior parte desses psicodiagnósticos dentro da clínica psicanalítica é o que a gente chama de mecanismos de defesa. Aquilo que é um rótulo dentro do psicodiagnóstico, dentro da clínica, a gente vê como uma forma de se defender em relação a alguma outra coisa que está muito mais profunda. E tratar a defesa, só a defesa, não funciona. Você trata uma defesa, aquela defesa pode rebaixar, pode diminuir e outra defesa vai se erguer. Os transtornos alimentares, normalmente tem uma raiz muito mais profunda e dizem respeito ao vínculo que a criança estabeleceu com a alimentação. Me alimentar me trazia culpa. Cada vez que eu me alimentava e estava com a barriguinha cheia, eu me sentia culpado. Ou porque eu percebia que isso era desconfortável para minha mãe, por algum motivo eu me sentia culpado, logo, todas as vezes que eu me alimento e me sinto satisfeito eu vou ter a tendência de regurgitar, ou ainda, vou evitar me sentir satisfeito. E aí, a gente vai falar da anorexia e não da bulimia. Para não me sentir culpado, como eu me sinto. Todo psicodiagnóstico tem uma razão mais profunda. E aí, o que acontece? O sujeito acaba se medicando, essa defesa rebaixa, mas aquilo que realmente estava causando permanece latente e escondido do sujeito.




Nenhum comentário: