segunda-feira, 10 de março de 2025

ESCOLHA, DECISÃO E RESPONSABILIZAÇÃO - Prof. Renato Dias Martino


UMA CONFIGURAÇÃO MAIOR

Vamos refletir então, sobre três conceitos: escolha, decisão e responsabilização. Não existe escolha! Ninguém é capaz de escolher dentro da realidade. Quando a gente está escolhendo, a gente está iludido. Porque existe uma configuração muito maior que nos conduz para aquele caminho que é um só. Você pode se iludir que esteja escolhendo, mas na verdade, aquilo que você está chamando de escolha é uma determinação de uma configuração maior que te levou para aquele caminho. E aí, você vai dizer: “Então, se eu não escolhi, eu não vou me responsabilizar”. É aí que entra a maturidade. Ser capaz de se responsabilizar mesmo não sendo você que escolheu. Se responsabilizar por alguma coisa acreditando que foi você que escolheu é muito fácil.

SEM ESCOLHA

Quando a gente fala de algo maior que determina aquilo que a gente chama de escolha, nós vamos desde a questão do inconsciente que vai nos levando para uma direção sem que a gente tenha ciência de porque nós estamos caminhando nessa direção, até uma configuração do universo que se desdobra e que se articula fazendo com que a gente caminhe numa direção determinada. Então, a realidade é uma só e você está caminhando na realidade, por mais que você não tenha consciência disso. Nós estamos falando desde a configuração do inconsciente, ou seja, fatores que vão se articulando dentro da sua vontade e dos seus desejos que foram vontades reprimidas e que hoje você faz essas escolhas, que você chama de escolha, por conta disso que você não tem total consciência, ou seja, por conta da configuração da natureza, ou do todo que vai se desdobrando, vai se articulando para que você siga um caminho. Desde a coisa mais interna, até a coisa mais externa.

AMOR E ESCOLHA

Muitas vezes, a gente tem essa expressão: “Eu te escolhi”, como uma declaração de amor, mas a real declaração de amor é assim: “Eu me responsabilizo e te amo mesmo sem ter te escolhido”. Amor é aprendizado. Quando eu supostamente escolhi o meu companheiro, eu não tinha qualquer vivência com ele, aí é fácil escolher, mas depois que você convive com a pessoa, que você reconhece as falhas da pessoa, é que é a questão de desenvolver a capacidade de amar esta pessoa.

AVALIAR

Quando você está de acordo com a realidade, não existe escolha, o caminho é um só. Existe uma avaliação avaliar. O caminho que está mais de acordo com a realidade. Não é escolher, é avaliar o caminho que é real, que é verdadeiro. Porque todos os outros são Ilusões.

CAPACIDADE

Quando a gente fala, então do âmbito emocional-afetivo, a gente está falando de capacidade, ser capaz ou não. Se o sujeito é capaz, ele não tem escolha. Amar por exemplo, respeitar por exemplo, o sujeito que tem capacidade de respeitar, ele não escolheu respeitar, ele é capaz de respeitar e se se ele for realmente capaz de respeitar, ele não vai conseguir desrespeitar, porque ele é capaz de respeitar e este respeito faz parte do funcionamento emocional dele. Então, não é uma escolha. Amar é da mesma forma, o sujeito que é capaz de amar, ele não escolheu amar, ele é capaz de amar e se ele for capaz de amar, ele não pode escolher não amar.

FORMULAÇÕES RELIGIOSAS 

Se eu puder me utilizar das formulações religiosas, então fica mais interessante. A vontade é dEle, não é minha. Muitas vezes, quando a gente reza o Pai Nosso e diz assim “seja feita a vossa vontade”, a gente tem a impressão de que nós estamos abrindo mão de nossa vontade para que a vontade dEle possa ser feita. Ou seja, eu deixo de escolher para que a vontade dele seja feita É como se eu tivesse autorizando Deus, para que ele possa exercer a sua vontade, quando na realidade isso, é um absurdo. A vontade dEle já está sendo feita. Quando você acredita que você está escolhendo, você está iludido. Toda escolha é um desvio do caminho de Deus. Toda escolha te conduz ao Karma e obstrui o caminho do Dharma.

O EGO NÃO É SENHOR DA SUA CASA 

O Freud vai dizer lá em UMA DIFICULDADE NO CAMINHO DA PSICANÁLISE 1917: “O ego não é senhor da sua casa”. O ego não escolhe. A escolha vem de alguma coisa que o ego não tem relevância. As escolhas são uma configuração do id e do superego. Ainda assim, a função do ego é se responsabilizar por isso. Aquilo que faz com que eu caminhe em uma direção não vem da minha consciência. Ninguém escolhe aquilo que deseja, o sujeito deseja e depois tenta reconhecer isso que ele desejou.

DE-CISÃO 

Nós adoramos falar que a gente decidiu, que nós tomamos uma decisão. Isso traz para gente assim, uma onipotência, um poder. Eu decidi! Quando você decidiu, você fragmentou a realidade, você dividiu a realidade, você desintegrou a realidade e se desintegrou junto com a realidade. Decisão quer dizer cortar. De quer dizer cortar e cisão reafirma este corte, esta separação. A minha capacidade de reconhecer a realidade não vai me fazer decidir, vai me fazer avaliar. Avaliar qual é o caminho adequado. E aí, não é uma decisão. Na melhor das hipóteses é uma atitude. Tomar uma atitude de caminhar nesse caminho do qual eu avaliei como verdadeiro e não é decidir. Eu não decido nada. Quem decide é a realidade. Se é que a gente pode chamar de decisão, porque quando a gente toma o caminho da realidade, o que acontece é uma integração, não é uma decisão. Eu estou integrado ao todo, eu estou integrado a mim e ao todo, logo não tem cisão alguma.

HUMILDADE

Para que eu possa admitir que não existe escolha, antes eu preciso ter desenvolvido a humildade. A capacidade de tolerar a minha pequenez frente ao universo, frente à configuração da vida. A minha vulnerabilidade frente às experiências da vida, que não existe escolha. A questão a questão mais complicada é essa. A gente se sente extremamente inseguro quando a gente admite que não existe escolha.

AMAR O IGUAL

Então, o sujeito diz assim: “eu escolhi a minha esposa”. Quando você escolhe uma pessoa, você está baseado na superfície. Você está baseado naquilo que aparenta ser, não naquilo que realmente está sendo. Você escolhe por algo que você imagina ser e não por aquilo que realmente está sendo. Se responsabilizar mesmo que não seja aquilo que você imaginou ser. A maturidade é se responsabilizar pelo que está sendo, mesmo que não coincida com aquilo que você gostaria que fosse. Quem ama só o igual ainda não aprendeu a amar.

CRIME

Que o bandido escolheu ser bandido. O ladrão escolheu ser ladrão. O sujeito violento escolheu ser violento. Não! Ele não escolheu ser violento. O fato dele ser uma vítima da contingência, da sociedade, ou da família que falhou, não quer dizer que ele não tenha que ser detido. Ele precisa ser detido. Ele precisa ser preso, porque ele é um perigo pessoas e a ele mesmo. Isso não quer dizer que foi ele que escolheu aquilo. Ele não escolheu! Ninguém escolhe isso. Mas o fato dele precisar ser detido não tem a ver com ele escolher ou não. Foi toda uma configuração que levou esse sujeito a cometer aquele crime. Isso não justifica mantê-lo solto. E não é puni-lo, é detê-lo, para que ele não continue fazendo o que ele fez.

PEDOFILIA

Vou dizer outra polêmica que é a questão da pedofilia. A pedofilia é uma patologia. Ninguém escolhe ser pedófilo. E ao dizer isso não estou passando pano para os pedófilos, pelo contrário defendo a castração química para barrar esse sujeito de continuar fazendo isso. Porque ele não escolheu. Não existe qualquer medida que possa ser aplicada para que ele deixe de fazer este ato perverso que não seja obstruía libido. Mas isso não quer dizer que deixou de ser uma patologia. É uma patologia, não é uma escolha. Ninguém escolhe ser perverso. É uma configuração da personalidade dele, permeada de falhas no suprimento das funções maternas e paternas, que o levou a esta conduta perversa. Não estou defendendo ninguém.

MATURIDADE 

A gente tem essa onipotência de eu escolho, eu decido, eu resolvo e eu só vou me responsabilizar se isso for verdade, porque se não for verdade então não vou me responsabilizar. É justamente o contrário! A maturidade é se responsabilizar pela vida, mesmo não sendo eu que escolho, mesmo não sendo eu que decido, mesmo não sendo eu que resolvo. A maturidade emocional me traz a possibilidade de me responsabilizar pela vida, pela realidade, por mim inserido na realidade, não somente por aquilo que eu acredito que foi a minha escolha, até porque, não existe escolha. A vida não está nem aí para os seus planos, ninguém escolhe a vida que vive, a gente vive aquilo que dá conta de viver, que foi possível.


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