sexta-feira, 2 de agosto de 2024

SEM MEMÓRIA, DESEJO E ÂNSIA DE SABER - Prof. Renato Dias Martino


O Bion propõe que um analista precisa rebaixar ao máximo o resgate dos dados armazenados na memória, ele precisa rebaixar ao máximo a sua expectativa, o seu desejo e também ser capaz de tolerar a sua ignorância, rebaixando assim a ânsia de saber, que na realidade é a ânsia de tentar encaixar o fato presente naquilo que ele supostamente já sabia. Isso nos leva a pensar sobre o passado, futuro e o presente. se a gente está falando de passado nós estamos falando aqui de resgate da memória se a gente está falando de futuro, a gente está falando aqui do desejo, da expectativa do que virá. E se a gente está falando do presente, a gente está falando do conhecimento, do saber. Quanto ao passado, tentamos resgatar com os dados da memória. No entanto, aquilo que passou não corresponde ao que a gente tem na memória. O que a gente tem na memória é um fragmento daquilo que passou, não está de acordo com o que realmente passou. Quanto ao futuro, é a nossa expectativa do que virá. Também não corresponde ao nosso desejo e quanto ao presente, é aquilo que a gente supostamente acredita saber, mas quanto ao presente, não é possível saber. Você, no máximo, pode estar sendo. O Bion propõe esse rebaixamento, mas o Freud já havia cogitado sobre isso lá atrás, quando ele propunha a ideia da “atenção livremente flutuante”. O que é atenção livremente flutuante? É justamente, não estar ligado aos dados sensoriais. É justamente, não estar ligado as coisas que você se lembra. É justamente, não estar ligado àquilo que você gostaria que fosse e muito menos aquilo que você supostamente acredita saber. Esta é a prática da atenção flutuante, atenção livremente flutuante da qual o Bion traz e coloca de uma maneira mais didática. Muito mais importante do que estar entupido de teorias, é ser capaz de praticar este rebaixamento, é ser capaz de, no atendimento com seu paciente, não resgatar os dados da memória. Que dados da memória? qualquer um que seja. Dentro da sua história, seja da história do paciente, ou seja, da história sua com o paciente. Que você seja capaz de rebaixar a sua expectativa em relação ao seu paciente, as coisas que você deseja quanto a seu paciente. Só quanto a seu paciente? Não! Quanto a si mesmo, as expectativas que você tem quanto a si mesmo. Só quanto a si mesmo? Não! Quanto a qualquer coisa. Qualquer tipo de expectativa deve ser rebaixada ao máximo. E o conhecimento, o saber, a pretensão de saber precisa ser rebaixada também. Tolerar a sua ignorância naquilo que o Bion, emprestado lá, do poeta John Keats. Ele chama de “capacidade negativa”. A capacidade de tolerar de manter-se ignorante frente à experiência até que você possa realmente aprender com aquilo. O psicanalista que estiver sendo capaz de exercer estas renúncias, esses rebaixamentos, está sendo muito mais psicanalista do que aquele que está entupido de teorias, sabe lá de que pensador.

ANÁLISE PESSOAL

Puxa, professor! Mas como eu faço para desenvolver a capacidade para esse tal rebaixamento desses três elementos? Através da sua análise pessoal. Não tem outro jeito. É a análise pessoal que vai trazer para você a possibilidade de ampliação da tolerância ao desconforto que vai te levar a buscar os dados da memória, que vai te levar forçar a experiência a se tornar aquilo que você gostar que fosse, que vai fazer com que você force que a experiência se encaixe naquilo que você supostamente já sabia. Muito mais importante do que as teorias, é a sua análise pessoal. Um psicanalista nasce deitado no divã, não nasce sentado numa carteira, ou estudando. E deitado no divã aqui, a saber, eu estou simplesmente simbolizando a capacidade do sujeito de entregar a análise, não é deitado no móvel chamado divã, mas é realmente estar em análise. Se colocar a disposição de pensar o seu funcionamento, ou repensar o seu funcionamento emocional e suas ligações afetivas. É isso que torna um sujeito psicanalista, não é teoria.

NÃO É

O registro daquilo que passou, porque isto é limitado. Porque, aquilo que você se lembra não é a totalidade daquilo que aconteceu e quando você está baseado nisso que você se lembra, você está baseado num fragmento e o fragmento não é confiável. A expectativa do que virá, da mesma forma. Aquilo que virá acontecer não condiz com aquilo que você gostaria que fosse e aquilo que você está conhecendo a agora não tem a ver com aquilo que você supostamente sabe.

DO VÍNCULO

Quando o sujeito é psicoterapeuta, quando o sujeito é psicanalista, ele vai sempre recomendar o processo de análise, o processo de psicoterapia, para desenvolver a capacidade de tolerância. No entanto, aquilo que realmente transforma é a configuração de um vínculo afetivo saudável. O vínculo afetivo saudável é o que traz a possibilidade de nutrir o ego o suficiente para que ele possa tolerar os desconfortos. E a relação psicoterapêutica entre analista e paciente é um recurso que pode trazer um vínculo saudável, na medida em que o analista, ou psicoterapeuta e o paciente consigam isso. Há um ambiente ali, que favorece a formação de um vínculo afetivo saudável. E aí, a partir desse vínculo afetivo saudável, vai abrir a possibilidade de acontecer experiências emocionais e afetivas reparadoras. Essas reparações emocionais e afetivas trazem para o sujeito a possibilidade de ampliação da capacidade de tolerância às frustrações, mas este vínculo afetivo pode acontecer em outros lugares, não é só dentro de um processo psicoterapêutico. O processo psicoterapêutico é favorecido. Ele tem ali um cabedal de elementos que favorecem a formação de um vínculo saudável.





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