domingo, 11 de agosto de 2024

MODELOS EPISTEMOLÓGICOS - Prof. Renato Dias Martino



ABRANGÊNCIA SENSORIAL 

Só podemos ter um contato com a realidade dentro da perspectiva do estar sendo. O que a gente chama de conhecimento, na realidade, é uma aproximação. Aquilo que a gente pode constatar com os órgãos dos sentidos está num plano, mas e aquilo que a gente não pode, deixa de existir porque a gente não está enxergando? Deixa de existir porque a gente não consegue constatá-lo pelo aparato sensorial? Não! Não deixa de existir. Então a realidade vai para além da nossa capacidade da nossa abrangência sensorial.

RECONHECER A PRÓPRIA IGNORÂNCIA

Quanto maior a capacidade de tolerar o desconforto de reconhecer a nossa própria ignorância sobre o mundo, sobre tudo que a gente pode se dedicar a conhecer, tanto maior será a possibilidade de aprender com cada experiência. O que dificulta o sujeito de aprender com a experiência é justamente aquilo que ele acredita que já sabe. Se ele acredita que já sabe, então, ele encerra, ele satura a sua pesquisa quanto à realidade. Por mais que a gente tenha essa capacidade de registrar e armazenar na memória aquilo que a gente sabe, aquele saber adquirido, a nova experiência nunca vai ser igual a experiência anterior.

REALIDADE E PRESENTE 

Reconhecimento da realidade. Esta palavra se adequa muito mais do que o conhecimento. Eu só conheço alguma coisa que já passou. O conhecimento está subordinado ao registro na memória. Acontece alguma coisa, eu tenho conhecimento daquilo e registro na memória, agora eu sei sobre isso e a realidade se configura no tempo presente. O fluxo da realidade está no tempo presente, nunca no passado. Aquilo que está no passado não é realidade. Então, não dá para conhecer a realidade, dá para reconhecer a realidade, dá para admitir que a realidade existe, mas não dá para conhecê-la.

A QUESTÃO DA MEMÓRIA 

A capacidade de registrar alguma coisa, ela já é deficitária, porque você não tem um aparato que abrange tudo que está acontecendo naquele momento. Você registra aquilo parcialmente. Se a capacidade de registrar já é limitada, já é deficitária por si só, quando você vai resgatar, isso que você registrou sofre uma seleção e essa seleção está subordinada à sua condição emocional daquele momento. O seu humor daquele momento. O resgate também vai sofrer este impacto. Quando o sujeito está registrando a memória, ele está, de alguma forma, influenciado não só por emoções, mas também por sensações e tanto as emoções quanto as sensações interferem no processo de registro deste fato que está acontecendo. Então, ele está registrando sob a influência de uma emoção, de uma sensação, de sentimentos. Então, isso tudo vai influenciar o que especificamente ele vai registrar. Não vai conseguir registrar o todo da experiência, ele vai registrar só aquilo que o tiver sensibilizado naquele momento. E até afetos muitas vezes ele é afetado por alguma coisa e este afeto faz com que ele registre isso não como o que está acontecendo, mas como ele imagina que esteja acontecendo. Quando ele vai resgatar esses dados que ele registrou, este resgate vai sofrer mais uma vez a influência de emoções, sentimentos, sensações e afetos. Dependendo da forma como ele está naquele momento que ele está resgatando ele vai selecionar aquilo que ele julga ser importante se lembrar. E mais ainda, quando ele for comunicar isso que ele se lembrou ao outro, ele seleciona mais uma vez e aí, ele vai comunicar não só com todas essas interferências que aconteceram anteriormente, mas ainda com a interferência da intenção que ele tem em comunicar isso para o outro. Isso tudo fica tão nebuloso, tão poluído que eu não posso chamar isso de realidade. A realidade só pode se manifestar no tempo presente, naquilo que a gente está sendo. Assim que aquilo passar, eu já não posso mais chamar isso de realidade.

CONSCIÊNCIA E SENSO COMUM 

O Bion vai usar ali, o senso comum, “common sense”, como um código. A possibilidade de a gente criar um meio de comunicação disso que a gente supostamente sabe. Na verdade, o Bion resgata isso aí do filósofo John Locke, que ele já propôs isso anteriormente e o Bion resgata essa ideia para trazer essa possibilidade de comunicação do que a gente tem como verdade a partir de um senso comum. Que também a gente pode chamar de consciência, a ciência compartilhada. Com + ciência Cria códigos para gente comungar daquilo que supostamente a gente sabe.

PULSÃO EPISTEMOFÍLICA

Lá em 1905, Freud nos TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE, vai levantar a ideia da pulsão epistemofílica. O sujeito tem essa ânsia de saber de maneira instintual. La do grego EPISTEME, “conhecimento” e PHILOS, que é “apreço” ou “atração”. Então, o sujeito tem atração pelo conhecimento, pela exploração. Ele procura. Então, ele nasce com isso. Ele vai dizer que essa tendência de investigação natural do ser humano, ela está ligada... Claro, se a gente está falando em Freud, ele vai dizer que isso está ligada à sexualidade. Ele não busca essa teorização da coisa, mas ele busca esta exploração prática e vivida. Dentro da perspectiva da insegurança. O sujeito vai aguçar o seu instinto epistemofílico a partir da sensação de insegurança. O Freud vai chamar atenção para o momento onde nasce um novo irmãozinho e o sujeito se sente inseguro, imaginando que ele vai deixar de ser amado. Esta experiência aguça a ânsia de saber dele, de conhecer e aí ele começa a explorar cada vez mais as coisas, a partir de experiências de se sentir inseguro. E esse é um problema muito complicado, porque muitas vezes, o sujeito desenvolve uma capacidade grande intelectual, uma capacidade de conhecimento muito grande, através da experiência de não ter se sentido amado, acolhido, ou que não tenha tido atenção dos seus pais. Por conta disso, ele começa a querer saber porque. Por que eu não sou amado? Por que eu não tenho atenção?

O ESTRANHO 

A Melanie Klein vai trazer a ideia da exploração do corpo da mãe. Esse instinto epistemofílico, na realidade, para Melanie Klein, é uma busca por conhecer da onde eu vim, do interior da mãe, da minha origem. A Melanie Klein observou que o bebê tem esse impulso epistemofílico. primeiro a partir dessa coisa de ver, de tocar, de pesquisar o corpo materno e é muito importante que ela possa ter acesso ao corpo materno, para que ela possa desenvolver isso. Porque muitas vezes, ela não tem. E aí, é muito triste. E na realidade, tudo que é estranho gera insegurança. Tudo que a gente percebe como algo que não é comum, gera uma insegurança e a tentativa de conhecer é justamente uma suposta tentativa de controlar isso. Então, quando a gente conhece alguma coisa, a gente está tentando controlar, está tentando dominar isso, porque isso nos gerou insegurança. O instinto epistemofílico vem justamente para aplacar a insegurança frente aquilo que é estranho. Quando o bebê começa a perceber que ele está separado da mãe, que ele não é parte da mãe, ele começa a tentar conhecer isto que é algo separado dele.

PESQUISAR PARA NÃO ATUAR

E se existe alguma função saudável nesta experiência de conhecer, de explorar, de investigar, das crianças, do bebê, isso precisa se desdobrar no adiamento da ação. Ele busca conhecer para que ele seja capaz de adiar a ação motora. Então, através do conhecimento ele cria um arcabouço de dados que vai trazer para ele a possibilidade de não agir sem pensar. Ele vai registrando dados que vão trazer para ele a possibilidade de não atuar.

VÍNCULO K

Lá em 1962, o Bion publica APRENDER COM A EXPERIÊNCIA e ali ele propõe três formas de vínculo. Ele vai propor o “L”, o “H” e o “K”. O “L” é amor, o “H”, ódio e o “K” é o conhecimento. Love, Hate e knowledge. Tem os seus referentes negativos. Menos L, menos H e menos K. O K é justamente oriundo da pulsão epistemofílico. A pulsão de conhecer vai gerar o vínculo K. Eu vou me relacionar, vou me vincular a alguma coisa porque conheci esta coisa.

NÃO SEIO, LOGO PENSO

O Bion traz a ideia de que esse pensamento epistemofílico é anterior ao pensador. Como é que ele justifica isso? Ele vai propor que o bebê tem uma expectativa inata de seio e esta expectativa inata de seio vai gerar uma preconcepção de seio, que vai levá-lo a explorar, a buscar, a querer conhecer isso que ele tem uma expectativa inata. E isso vai gerar o vínculo “K”. Quando manifesta a expectativa inata de seio, gera-se uma preconcepção de seio e ele procura o seio e acha, ele tem uma concepção do seio. E quando essa mesma experiência acontece, manifesta-se a expectativa de seio, ele cria preconcepção do seio e o seio não está, ele desenvolve o pensamento, ele pensa sobre o seio. Não seio, logo penso. Para que eu possa pensar, eu preciso ter uma experiência do “não seio”. A ausência de seio me faz desenvolver o pensar. Para que eu possa aprender a pensar, eu preciso tolerar a ausência do objeto. Para que o bebê seja capaz de pensar a mãe, a mãe precisa estar ausente. Expectativa de seio, que é inata, pré-concepção de seio, encontrou com o seio, concepção do seio. A partir dessa concepção do seio, eu vou experimentar agora a ausência do seio. Expectativa de seio inata, pré-concepção do seio e ausência do seio, pensar. E aí, vou ter a chance de conceitualizar, vou ter um preconceito e a partir dessa experiência renovada, eu vou criar um conceito. O que é o conceito? Saber sobre o seio.

EVOLUÇÃO DOS VÉRTICES

Nós vamos falar de três vértices epistemológicos. Nós vamos falar da ciência e da filosofia, no primeiro vértice, científico-filosófico, nós vamos passar pelo estético-artístico e vamos expandir para o âmbito místico-religioso. Então, são três vértices que, na realidade, não é uma proposta bioniana, na realidade, o Bion resgata isso de outros pensadores, por exemplo de Platão, por exemplo da própria Bíblia que vai trazer e elementos muito próximos disso. E aí, a gente pode ter três configurações aí, de evolução desses três vértices. Então, a gente pode ter em primeiro momento, uma sucessão que vai desde o do mais saturado, que é o científico-filosófico, naquela linguagem unívoca. A ciência precisa ter uma linguagem unívoca que pode ser entendida por todos, por isso é ciência e para isso ela precisa saturar, ela precisa acabar aquele pensamento em si mesmo. Passando pelo estético-artístico, onde a possibilidade se expande na criatividade e na contemplação da beleza e chegando até o místico-religioso, que está no não-sensorial que vai para além do estético-artístico. Então, a gente pode ter este gradiente de evolução, mas a gente também pode começar do estético-artístico, por exemplo. O estético-artístico é aquilo que diz respeito à criação. Talvez o estético-artístico seja o mais primitivo dos vértices epistemológicos, que depois vai passar pelo científico-filosófico, que vai ser a nomeação desta criação e depois vai para o místico-religioso, onde tudo isso é destruído para ir para um mistério, para aquilo que vai para além do conhecimento. Porque que eu falo que o estético artístico talvez seja o mais primitivo? Por que a criação artística parece ser a mais primitiva das linguagens epistemológicas. Porque, por exemplo, uma criança, antes dela falar, ela canta, antes dela ser capaz de verbalizar um discurso, ela é capaz de cantarolar, antes dela aprender a andar, ela dança. Então, parece que o estético-artístico vem antes de qualquer outra coisa. E aí, depois a gente vai falar da nomeação disso, científico-filosófico e depois esse nome vai ser destruído em nome da expansão do mistério da fé, no místico-religioso. Mas a gente pode fazer o inverso também. A gente pode partir da experiência mística, que é algo que é muito mais expansivo, que vem até, antes do próprio ser humano, transformando essa experiência mística em criatividade, em arte, no estético e depois tentando nomear essa experiência artística dentro do âmbito científico-filosófico. Então, nós temos três possibilidades de configuração da evolução dos vértices.

ACORDO COM A REALIDADE

A gente fala de modelo científico-filosófico, estético-artístico e místico-religioso. Qualquer ciência? Qualquer filosofia? Qualquer arte? Qualquer padrão de beleza? Qualquer religião? Não! Não é qualquer! Precisa haver um acordo com a realidade. Precisa haver uma interação com a realidade. Porque, muitas vezes, você tem uma ciência que está intoxicada, comprometida com ilusões com alucinações, com obstruções, menos do que a possibilidade do reconhecimento da realidade. Nós temos inúmeros exemplos aí, de ciências que se dizem ciências, que estão dentro da academia, mas que, na realidade, praticam um desserviço no reconhecimento da realidade. A filosofia, da mesma forma. Pode ser uma filosofia, mas que esteja extremamente contaminada com obstruções do reconhecimento da realidade. A arte, da mesma forma. Você pode pegar, por exemplo, uma música que fala absurdos, que tem uma letra dizendo absurdos. A religião também, está dentro dessa perspectiva. O místico também está dentro dessa perspectiva. O que é o místico? A palavra místico vem de mistério. Isso quer dizer que é necessário o ato de fé. Se você precisa de evidências você já perdeu o místico. O místico é tolerar o mistério sem precisar de buscar evidências. Então, a gente tem aí, teólogos, por exemplo, querendo provar a existência de Krishna no mundo material, provar a existência de Cristo no mundo material. Não é função da religião essa. Não é função do místico isso. O místico é fé. Porque, se você tiver prova material, você não precisa ter fé e aí caiu por água o modelo místico-religioso. Esta religião, esta pseudoteologia não nos interessa.

O BOM, O BELO E O VERDADEIRO

Enquanto psicanalistas aqui, a gente tem esses três modelos, a partir da ideia proposta pelo Bion. Na obra do Bion a gente pode reconhecer pode perceber esses três modelos, de maneira muito clara, mas isso está sendo cogitado na humanidade há muito tempo. Talvez, desde o Mahabarata, desde o Bhagavad Gita, das escrituras védicas, passando pelas escrituras sagradas da Bíblia, outros registros, a gente encontra o Bom, o Belo e o Verdadeiro. Poderíamos chamar de bom aquilo que é filosófico, científico, podemos chamar de Belo aquilo que é estético, artístico e verdadeiro aquilo que está dentro do místico, religioso.

CIENTÍFICO-FILOSÓFICO 

O modelo científico-filosófico. O que a gente está chamando de modelo científico-filosófico? Dentro do modelo científico-filosófico, nós temos uma característica de certa exatidão das palavras. Um cientista tem que tratar das coisas de maneira unívoca, admitindo apenas uma interpretação, um significado, sem muita ambiguidade, sem muita abertura. Porque? Ele precisa que isso seja comunicável a todos. Esta é a vantagem desse modelo, quando você fala de um conceito científico, ou de um conceito filosófico, você trata de alguma coisa que pode ser entendida por todos de maneira unívoca. Este é o benefício, mas tem um grande prejuízo. Qual é o prejuízo? A limitação, a saturação, não permitir grandes expansões.

CIÊNCIA QUÂNTICA

Ainda assim, nós temos a ciência quântica, nós temos a física quântica que se iniciou lá, muito provavelmente pelo Max Planck e dentro da física quântica a gente começa a quebrar este paradigma da saturação. A partir da física quântica a gente começa a perceber que apesar de estarmos tratando de ciência, existe ali, o que o Heisenberg vai chamar de princípio da incerteza. Então, ele vai dizer assim: quando a gente analisa, quando a gente estuda uma partícula, eu não posso ter uma exatidão, porque quando eu vou observar essa partícula, eu preciso jogar uma luz sobre ela, eu preciso jogar uma iluminação. Não dá para examinar essa partícula sem iluminação e quando eu jogo a iluminação nesta partícula, eu comprometo o comportamento dessa partícula, porque a luz trabalha a partir de partículas de fótons e os fótons, ao bater nessa partícula, comprometem a configuração dessa partícula. A partir ali, do estudo do Heisenberg, a gente começa a ter um precedente dentro da ciência, de incertezas. Trouxe até uma frase aqui do Heisenberg, lá no SOBRE O CONTEÚDO INTUITIVO DA CINEMÁTICA QUÂNTICA E MECÂNICA, “É um importante enunciado da mecânica quântica, que revela o fato de que não podemos determinar com precisão e simultaneamente a posição e o momento de uma partícula.”  Então, quando a gente tem um olhar aí, um pouco mais macro a gente pode até assegurar certa precisão, mas quando a gente observa dentro de uma perspectiva micro, isso passa a ser inviável e o próprio Heisenberg vai dizer ali, assim, uma ciência boa precisa estar sendo guiada por uma filosofia boa. “Uma boa física é inadvertidamente prejudicada por uma filosofia ruim”. Então, você pode até ter uma boa ciência, mas se essa ciência estiver sendo guiada por uma filosofia pervertida, será uma ciência pervertida. Então, a qualidade do estudo científico depende da qualidade da filosofia que esteja orientando este estudo.

FUNÇÃO FILOSÓFICA 

A gente pode resgatar o Shopenhauer, dentro da filosofia. Schopenhauer chamou atenção sobre a vontade. Para que eu possa ter um bom reconhecimento da realidade, para que eu possa estabelecer um acordo com a realidade é importante que eu seja capaz de adiar a minha vontade, de rebaixar a minha vontade e aí incluo o desejo também, ser capaz de renunciar ao meu desejo, para que eu possa reconhecer a realidade. Porque a minha vontade, assim como o meu desejo, pode turvar o meu reconhecimento da realidade que existe independente da minha vontade ou do meu desejo. Quando o meu desejo é muito exacerbado, quando a minha vontade está muito grande, eu vou reconhecer essa realidade não como ela está sendo, mas como eu gostaria que ela fosse. a vontade, ou ainda o desejo, contamina o possível reconhecimento da realidade, contaminam o reconhecimento da realidade, ou possível reconhecimento da realidade.

NA PRÁTICA

Vamos então usar o modelo científico-filosófico dentro da configuração da prática clínica. Vamos supor aqui que a gente tem um caso em que a interpretação psicanalítica seria assim: a tolerância quando ausente do reconhecimento do limite converte-se em permissividade. A tolerância é importante, mas ela precisa do limite, porque se o sujeito não reconhece o limite, ela não é simplesmente tolerância, mas ela é um representante da permissividade. Nós podemos transformar essa formulação em matemática. Como? Tolerância menos limite, igual permissividade. Transformamos então esta formulação do âmbito emocional-afetivo nas formulações matemáticas. Um outro exemplo disso? Verdade menos amor, igual crueldade. Outra formulação. O contrário também é verdade. Amor menos verdade, igual paixão. São formulações unívocas. Isso é isso em qualquer lugar. Esta formulação é verdade onde tiver seres humanos. Onde tiver seres humanos se relacionando, isso vai ser verdade. Então, o modelo científico-filosófico cabe muito bem aí. Esse modelo busca certa linguagem unívoca, mas não resolve. O Bion vai colocar lá no ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO: “As matemáticas disponíveis não fornecem formulações adequadas ao analista.”  É um modelo ele vai até certo ponto.

INSTINTO DE AUTOPRESERVAÇÃO 

Expandindo mais a matemática, nós temos aí, nesta formulação nesta função, nós temos o fator de instinto de autopreservação. Quando eu incluo o instinto de autopreservação, eu vou percebendo o limite e a permissividade vai diminuindo. A diminuição da permissividade está subordinada ao acordo com um instinto de autopreservação. Um sujeito que não respeita o seu instinto de autopreservação, muito provavelmente vai passar dos limites. Ou vai permitir que o outro abuse dele, ou vai passar do limite, abusando do outro. Neste âmbito, a regra social, ou aquilo que o Kant chamou de Imperativo Categórico, não resolve a questão, ou aquilo que a gente vai chamar em psicanálise de superego, de ideal de eu, não resolve a questão. Eu preciso acessar, eu preciso estar de acordo com alguma coisa muito mais primitiva, que está na ordem dos instintos. Só isso vai poder resolver o respeito, o reconhecimento do limite, que vai permitir que eu possa perceber o momento que passa, o abuso tanto comigo quanto com o outro.

ESTÉTICO-ARTÍSTICO

Vamos pensar o modelo estético artístico, na linguagem poética, imagética, na abertura polissêmica, nas metáforas. Mas isso tudo é muito perigoso, porque muitas vezes, eu posso tomar como verdade uma poesia alucinada, uma alucinação do sujeito. A utilização do vértice estético-artístico carece muito mais do contexto, do que do texto. Se você estiver analisando o texto de maneira muito precisa, você não consegue se utilizar deste modelo. Precisa inserir este modelo no contexto. O psicanalista precisa ter uma cota artística muito manifesta para que ele possa exercer a sua função de maneira bem-sucedida. Expressão estético-artística parece ser a manifestação mais primitiva das três e aí a gente já falou sobre isso. Uma criança, antes de falar ela canta, antes dela andar ela dança, antes de escrever ela desenha.

MÍSTICO-RELIGIOSO

Você precisa rebaixar os cinco sentidos para que você possa acessar o âmbito místico-religioso. Enquanto você estiver apegado aos seus cinco sentidos, você não consegue se utilizar do modelo místico-religioso. Isso faz com que esse modelo seja o mais difícil. Esse modelo é, sem dúvida o modelo que as pessoas têm maior dificuldade, porque precisa do ato de fé e se o sujeito não tiver o ato de fé, ele não vai conseguir acessar este modelo. O próprio Freud teve grande dificuldade com isso, porque ele não conseguia encontrar nele aquilo que o Rolland, o amigo dele propôs enquanto Sentimento Oceânico. E ele foi humilde o suficiente para dizer: “eu não sinto em mim. Então, não posso falar sobre isso”. Ou seja, Freud pôde ir até certo ponto. Depois do Freud vieram outros que puderam expandir para além daquilo, sem deixar de ser psicanálise. Você precisa ter vivido, você precisa ter experimentado. Requer uma tolerância muito grande. O sujeito, ele pode, na melhor das hipóteses, a partir de um estudo sobre isso, nomear experiências que ele já tenha vivido. Mas qual é esta religiosidade? Qual é esse misticismo? É aquele em que o sujeito fica pedindo as coisas para Deus? É aquele em que o sujeito se utiliza da Bíblia como um catálogo da Natura que ele só abre para fazer pedido? Não! Não é esse. É aquele em que o sujeito se coloca à disposição para que ele possa ser um instrumento de Deus, um instrumento de algo maior, um instrumento da realidade. Então, nós precisamos ser os instrumentos da realidade, aquele que é o porta-voz da realidade, ou representante da realidade. Então, nós estamos aqui para representar a realidade através de um acordo que nós fizemos com ela. A fé pressupõe o rebaixamento da minha vontade. É “seja feita a vossa vontade”, não a minha. E quando rebaixo a minha vontade, eu tenho maior acesso à realidade, eu tenho maior acesso ao reconhecimento da realidade. Por quê? Porque a luz é da realidade, não minha. Então, eu não posso conhecer a realidade. Para que eu conheça a realidade, eu preciso jogar luz na realidade, assim como na física quântica, mas para reconhecer a realidade eu não preciso jogar luz, eu preciso na realidade, rebaixar a minha luz, para que a realidade possa manifestar a sua própria luz. Na clínica isso fica muito evidente, eu não vou iluminar o paciente. Quando eu rebaixo a minha vontade, o meu desejo, aquilo que eu supostamente sei, ou aquilo que eu tenho como dados armazenados na memória, eu rebaixo a minha luz e passo a reconhecer a luz que vem do paciente.

REBAIXAMENTO DA VONTADE E RENÚNCIA DO DESEJO

a proposta da filosofia do Schopenhauer é de rebaixar a vontade e o Bion, depois vai falar: “sem desejo”. Esta proposta está presente muito antes de qualquer colocação filosófica ou psicanalítica, o próprio cristianismo tem dentro dessa perspectiva o Pai Nosso, “seja feito à vossa vontade”. No budismo não é diferente, nas escrituras védicas também não é diferente. O estudo da mecânica quântica, hoje também traz essa ideia do Princípio da Incerteza. Então, a verdade não pode estar subordinada àquilo que eu gostaria que fosse, mas aquilo que ela realmente está sendo.

CONCÓRDIA 

Nós precisamos da concordância dos três vértices. Um vértice não pode disputar com o outro, precisa haver um senso, uma concórdia entre os três vértices. esta concórdia vai fazer com que eu possa reconhecer a realidade de maneira polêmica.



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