quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

ABUSO EMOCIONAL E RECONHECIMENTO DA REALIDADE - Prof. Renato Dias Martino


Dificuldade de reconhecer a realidade, a gente poderia levantar dois grandes motivos. É claro que a gente está abrindo aqui apenas dois, a gente pode ter outros motivos. Mas vamos lá! O primeiro: ter um benefício direto que a ilusão possa estar trazendo para ele que viver na fantasia, ainda possa estar beneficiando e depois a gente pode ver alguns exemplos disso, ou a dificuldade de admitir a realidade. Um é um benefício direto. Eu ganho alguma coisa não reconhecendo a realidade. Eu ganho alguma coisa estando iludido e o outro é: eu não consigo, eu não dou conta desta realidade.

ABUSO

Eu estou convivendo com uma pessoa dentro de uma relação tóxica. Uma pessoa que está abusando de mim. E quando eu falo abusando aqui, eu não estou falando diretamente de algo manifesto, por exemplo um abuso sexual, um abuso físico e muito menos um abuso moral. Eu estou falando de um abuso emocional, de um abuso afetivo, que acontece sem que o sujeito possa perceber. Ele vai perceber o desdobramento disso. Ele vai perceber o prejuízo, mas ele não percebe o abuso. Então, ele não consegue fazer a associação deste prejuízo, deste dano que está sendo causado com o abuso que é gerador disso. Porque este abuso é sutil. Ele é tratado com desrespeito, mas um desrespeito sutil. Ele é tratado com um descaso, mas com um descaso extremamente silencioso e sutil que nem ele consegue perceber e muitas vezes nem o outro que está abusando. Mas quando ele começa a descrever a relação dele com o outro para o analista, o analista começa a perceber isso e vai, sutilmente também, questionando. “Como é que é essa coisa?” “Essa pessoa te trata assim e tudo bem para você?” Mas aí, o que que acontece? Esta pessoa que está ora abusando dele também traz um benefício em outras esferas. Um benefício que pode ser desde a coisa mais material, que seria um suprimento financeiro, um suprimento de um conforto, até a atitude de dominância que traz para o sujeito uma sensação de segurança de estar do lado de alguém que é tão poderoso. Poderoso emocionalmente. Então, existe um benefício ali. Reconhecer essa realidade é inviável, porque ele perderia todo o benefício que ele está tendo. Assim, dentro do profissional, isso acontece com frequência. Um superior que trata um funcionário com um abuso emocional. Eu não estou falando nem um assédio moral, um abuso manifesto, mas um tipo de relacionamento, um molde, um modelo de relacionamento que muitas vezes seria melhor que ele abusasse moralmente, manifesto que aí o outro seria é capaz de se defender percebendo isso e percebendo o prejuízo dele. Mas, aí a gente precisa respeitar o tempo. Porque isso tende a se expandir e em algum momento vai se revelar. A relação analista e paciente vai trazer para este paciente um modelo de vínculo saudável com respeito com amor com carinho, que vai em algum momento vai acabar sendo um referencial comparativo para aquele relacionamento abusivo que ele está vivendo. Por estar ali naquele relacionamento saudável, ele começa a questionar os outros relacionamentos que não estejam sendo saudáveis. A bajulação é um abuso emocional é um abuso afetivo. Bajular o outro é uma forma de abusar do outro. Enganar o outro. Quem bajula, quem fica elogiando o tempo todo é porque, na realidade está tentando tirar um proveito daquilo. A crítica é o polo oposto. Uma crítica velada tem o intuito de: “estou te criticando construtivamente”. Tudo que o sujeito faz tem ali, um olhar crítico e muitas vezes com um embasamento inteligente para justificar esta crítica. Mas que na realidade, é um abuso emocional.


domingo, 1 de dezembro de 2024

NEUROSE, PSICOSE E INCLUSÃO - Prof. Renato Dias Martino



COTAS

Talvez a maior contribuição do Freud para a psicoterapêutica, ou pelo menos dentro da configuração teórica, que vai se desdobrar na prática é que todos nós, em alguma medida somos neuróticos. Por mais que a gente possa estar ali, numa manifestação saudável, ainda assim, nós temos cotas consideráveis de um funcionamento neurótico. E o Bion vai para além. Ele vai dizer assim: “Todos nós somos psicóticos em alguma medida”. Temos partes psicóticas da mente. Então, seria mais adequado a gente falar: “O sujeito que tem a sua parte psicótica proeminente, dominante”. O sujeito que tem sua parte neurótica dominante, ou o sujeito que tem sua parte saudável dominante, ou preponderante. Então, em primeiro momento, seria importante que a gente pudesse ter essa noção de cotas, noção de proporção.

REALIDADE 

Quando a gente está falando de uma configuração neurótica, a gente está falando de uma de um funcionamento onde o sujeito reprime uma parte fantasiosa, reprime uma parte que não está em consonância com a realidade, que não está em concordância com a realidade, para que ele possa viver um relacionamento com a realidade, com as outras pessoas. Então, ele reprime uma parte para conviver com as pessoas. Então, a maior parte dele está convivendo com as pessoas e para que ele possa conviver com as pessoas de uma maneira harmônica ele precisa reprimir uma parte que é absurda, por assim dizer, que é baseada em ilusões, em alucinações, fantasias. O Psicótico é o contrário. O Psicótico tem uma pequena parte que se relaciona com o mundo externo, porque a maior parte dele está cindida do mundo externo e da realidade. Está baseada em ilusões e alucinações. Então, o sujeito que tem a predominância, ou a preponderância do funcionamento psicótico da mente dele, tem a maior parte deste funcionamento cindido da realidade, desconectado da realidade. Ele guarda, na melhor das hipóteses, uma pequena parte que ainda faz com que ele consiga, minimamente se comunicar com o mundo externo.

NEURÓTICO E PSICÓTICO

A maior parte do neurótico está conectada com o mundo externo, com as pessoas, mas existe uma parte que está ali, reprimida e essa parte é estruturada com ilusões, com alucinações. O funcionamento psicótico, ele não tem a ver com o aparato neurológico. O sujeito pode ter um aparato neurológico, pode ter um aparelho neurológico intacto. Ele faz exames neurológicos, não aparece nada, mas ainda assim, ele funciona psiquicamente de forma psicótica.

VÍNCULO 

Quando a gente vai refinando os psicodiagnósticos, a gente vai, automaticamente, concomitantemente, afastando os vínculos. Quanto mais eu vou criando nomes e refinados para diagnosticar o sujeito, mais eu vou me afastando afetivamente deste sujeito. Quanto maior a minha capacidade de acolher o sujeito, quanto maior for a minha capacidade de criar um vínculo saudável com o sujeito, menor é a necessidade de ficar investigando para saber o que é que ele tem. Pouco importa o que ele tem. Se é autismo, se é unha encravada, ou se é caspa. Pouco importa! A minha função é criar um vínculo saudável com esta pessoa que me procurou e até onde é possível isso. Até onde eu estou preparado para isso e até onde esta pessoa está disponível a isso.

A CAMA DE PROCUSTO

A cama de Procusto é um conto grego. Uma pousada de um sujeito chamado Procusto. Então, o sujeito chegava na pensão do Procusto, o Procusto colocava ele numa cama e se a cama fosse menor que o sujeito, ele cortava o pé do sujeito, que sobrava do sujeito ele cortava e se a cama fosse maior que o sujeito, ele esticava o sujeito até o sujeito ficar do tamanho da cama. Então, hoje, dentro do âmbito emocional-afetivo, nós vivemos este Mito de Procusto. A maioria das psicoterapeuticas se dedica a encaixar o sujeito num estereótipo designado pela sociedade. Para que ele possa ter um bom convívio na sociedade ele precisa se adequar a isso que é expectativa social. Então, nós vamos ali, através de terapêuticas de doutrinação, readequação comportamental, isso associado à administração medicamentosa, até que ele consiga atingir uma formatação social aceitável.

INCLUSÃO

Hoje, a gente fala muito de inclusão. O que eles chamam de inclusão hoje? A inclusão hoje precisa anteriormente passar por uma exclusão. Então, primeiro você precisa ser diagnosticado. Apartado do dito sujeito normal. Depois de rotulado, hoje é o termo laudado, aí você é reinserido na escola, no trabalho, ou na sociedade, com este laudo, com este rótulo e a partir daí você pode ser incluído. Mas primeiro você precisou ser submetido por uma diferenciação. Na realidade você não foi incluído, você vai passar para o resto da vida carregando um rótulo, um laudo que foi colocado em você e que, muitas vezes você vai encontrar um benefício em ter aquilo e vai ser muito difícil você conseguir superar aquilo ali.

DOR PSÍQUICA 

O medicamento psiquiátrico obstrui a possibilidade do acordo com a realidade. “Ah! Mas esse o sujeito está muito agitado, ou ele está muito deprimido!” Pois é, ele vai precisar viver experiências para aprender a conviver com aquilo. Aprender a lidar com aquilo que está acometendo a mente dele, ou o aparelho emocional dele. Enquanto administrando substâncias químicas psiquiátricas, isso vai ficar obstruído e eu vou deixar claro isso. Agora, eu não posso dizer para ele para de tomar isso. Eu não tenho essa função. Se para ele, ainda está fazendo sentido, ótimo. E vamos cuidar deste paciente até quando fizer sentido para ele vir. É claro que o sujeito, quando ele está num processo psicoterapêutico e por algum motivo ele é acometido ali, de uma ansiedade aguda, de uma angústia aguda, muitas vezes ele pode procurar um psiquiatra. O psiquiatra vai prescrever para ele medicamentos e quando ele passa a tomar esse medicamento, ele, muito provavelmente, vai começar a se desinteressar pela psicoterapia. Por quê? Porque a psicoterapia funciona através da dor psíquica. Não existe psicoterapia se não houver dor psíquica. E se o sujeito está se medicando e a dor psíquica dele está rebaixando, a psicoterapia passa a não ser tão interessante assim.

OS 3 Rs

Eu sou até meio repetitivo nisso. Dei até um curso sobre isso, mas isso é fundamental, que são os três Rs, que é ser capaz junto com o paciente, reconhecer a sua limitação. Admitir a sua limitação e reconhecer não é conhecer é admitir que existe, independente de saber o que é. O segundo passo é o segundo R, que é aprender a respeitar esta limitação que se admitiu que existe. Respeitar independente de saber o que é. E o terceiro e mais difícil dos três Rs, a responsabilização por isso que se reconheceu, admitiu-se que existe, aprendeu a respeitar e agora precisamos nos responsabilizar por isso. Esta responsabilização inclui uma nova configuração emocional e afetiva, ambiental. Eu não posso mais me manter em ambientes emocionais, em psicosfera que também não sejam capazes de respeitar a minha limitação.