COTAS
Talvez a maior contribuição do Freud para a psicoterapêutica, ou pelo menos dentro da configuração teórica, que vai se desdobrar na prática é que todos nós, em alguma medida somos neuróticos. Por mais que a gente possa estar ali, numa manifestação saudável, ainda assim, nós temos cotas consideráveis de um funcionamento neurótico. E o Bion vai para além. Ele vai dizer assim: “Todos nós somos psicóticos em alguma medida”. Temos partes psicóticas da mente. Então, seria mais adequado a gente falar: “O sujeito que tem a sua parte psicótica proeminente, dominante”. O sujeito que tem sua parte neurótica dominante, ou o sujeito que tem sua parte saudável dominante, ou preponderante. Então, em primeiro momento, seria importante que a gente pudesse ter essa noção de cotas, noção de proporção.
REALIDADE
Quando a gente está falando de uma configuração neurótica, a gente está falando de uma de um funcionamento onde o sujeito reprime uma parte fantasiosa, reprime uma parte que não está em consonância com a realidade, que não está em concordância com a realidade, para que ele possa viver um relacionamento com a realidade, com as outras pessoas. Então, ele reprime uma parte para conviver com as pessoas. Então, a maior parte dele está convivendo com as pessoas e para que ele possa conviver com as pessoas de uma maneira harmônica ele precisa reprimir uma parte que é absurda, por assim dizer, que é baseada em ilusões, em alucinações, fantasias. O Psicótico é o contrário. O Psicótico tem uma pequena parte que se relaciona com o mundo externo, porque a maior parte dele está cindida do mundo externo e da realidade. Está baseada em ilusões e alucinações. Então, o sujeito que tem a predominância, ou a preponderância do funcionamento psicótico da mente dele, tem a maior parte deste funcionamento cindido da realidade, desconectado da realidade. Ele guarda, na melhor das hipóteses, uma pequena parte que ainda faz com que ele consiga, minimamente se comunicar com o mundo externo.
NEURÓTICO E PSICÓTICO
A maior parte do neurótico está conectada com o mundo externo, com as pessoas, mas existe uma parte que está ali, reprimida e essa parte é estruturada com ilusões, com alucinações. O funcionamento psicótico, ele não tem a ver com o aparato neurológico. O sujeito pode ter um aparato neurológico, pode ter um aparelho neurológico intacto. Ele faz exames neurológicos, não aparece nada, mas ainda assim, ele funciona psiquicamente de forma psicótica.
VÍNCULO
Quando a gente vai refinando os psicodiagnósticos, a gente vai, automaticamente, concomitantemente, afastando os vínculos. Quanto mais eu vou criando nomes e refinados para diagnosticar o sujeito, mais eu vou me afastando afetivamente deste sujeito. Quanto maior a minha capacidade de acolher o sujeito, quanto maior for a minha capacidade de criar um vínculo saudável com o sujeito, menor é a necessidade de ficar investigando para saber o que é que ele tem. Pouco importa o que ele tem. Se é autismo, se é unha encravada, ou se é caspa. Pouco importa! A minha função é criar um vínculo saudável com esta pessoa que me procurou e até onde é possível isso. Até onde eu estou preparado para isso e até onde esta pessoa está disponível a isso.
A CAMA DE PROCUSTO
A cama de Procusto é um conto grego. Uma pousada de um sujeito chamado Procusto. Então, o sujeito chegava na pensão do Procusto, o Procusto colocava ele numa cama e se a cama fosse menor que o sujeito, ele cortava o pé do sujeito, que sobrava do sujeito ele cortava e se a cama fosse maior que o sujeito, ele esticava o sujeito até o sujeito ficar do tamanho da cama. Então, hoje, dentro do âmbito emocional-afetivo, nós vivemos este Mito de Procusto. A maioria das psicoterapeuticas se dedica a encaixar o sujeito num estereótipo designado pela sociedade. Para que ele possa ter um bom convívio na sociedade ele precisa se adequar a isso que é expectativa social. Então, nós vamos ali, através de terapêuticas de doutrinação, readequação comportamental, isso associado à administração medicamentosa, até que ele consiga atingir uma formatação social aceitável.
INCLUSÃO
Hoje, a gente fala muito de inclusão. O que eles chamam de inclusão hoje? A inclusão hoje precisa anteriormente passar por uma exclusão. Então, primeiro você precisa ser diagnosticado. Apartado do dito sujeito normal. Depois de rotulado, hoje é o termo laudado, aí você é reinserido na escola, no trabalho, ou na sociedade, com este laudo, com este rótulo e a partir daí você pode ser incluído. Mas primeiro você precisou ser submetido por uma diferenciação. Na realidade você não foi incluído, você vai passar para o resto da vida carregando um rótulo, um laudo que foi colocado em você e que, muitas vezes você vai encontrar um benefício em ter aquilo e vai ser muito difícil você conseguir superar aquilo ali.
DOR PSÍQUICA
O medicamento psiquiátrico obstrui a possibilidade do acordo com a realidade. “Ah! Mas esse o sujeito está muito agitado, ou ele está muito deprimido!” Pois é, ele vai precisar viver experiências para aprender a conviver com aquilo. Aprender a lidar com aquilo que está acometendo a mente dele, ou o aparelho emocional dele. Enquanto administrando substâncias químicas psiquiátricas, isso vai ficar obstruído e eu vou deixar claro isso. Agora, eu não posso dizer para ele para de tomar isso. Eu não tenho essa função. Se para ele, ainda está fazendo sentido, ótimo. E vamos cuidar deste paciente até quando fizer sentido para ele vir. É claro que o sujeito, quando ele está num processo psicoterapêutico e por algum motivo ele é acometido ali, de uma ansiedade aguda, de uma angústia aguda, muitas vezes ele pode procurar um psiquiatra. O psiquiatra vai prescrever para ele medicamentos e quando ele passa a tomar esse medicamento, ele, muito provavelmente, vai começar a se desinteressar pela psicoterapia. Por quê? Porque a psicoterapia funciona através da dor psíquica. Não existe psicoterapia se não houver dor psíquica. E se o sujeito está se medicando e a dor psíquica dele está rebaixando, a psicoterapia passa a não ser tão interessante assim.
OS 3 Rs
Eu sou até meio repetitivo nisso. Dei até um curso sobre isso, mas isso é fundamental, que são os três Rs, que é ser capaz junto com o paciente, reconhecer a sua limitação. Admitir a sua limitação e reconhecer não é conhecer é admitir que existe, independente de saber o que é. O segundo passo é o segundo R, que é aprender a respeitar esta limitação que se admitiu que existe. Respeitar independente de saber o que é. E o terceiro e mais difícil dos três Rs, a responsabilização por isso que se reconheceu, admitiu-se que existe, aprendeu a respeitar e agora precisamos nos responsabilizar por isso. Esta responsabilização inclui uma nova configuração emocional e afetiva, ambiental. Eu não posso mais me manter em ambientes emocionais, em psicosfera que também não sejam capazes de respeitar a minha limitação.
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