domingo, 28 de julho de 2024

AJUDAR A QUEM NÃO PEDIU - Prof. Renato Dias Martino


Quando o sujeito não está acreditando nele mesmo ele passa a desejar pelo outro. Ele passa a desejar que o outro fique, ele passa até a tentar convencer o outro que o outro precisa permanecer. Porque, na realidade, ele não é capaz de tolerar a ausência. Por que ele não é capaz de tolerar a ausência? Porque, na ausência do outro, ele precisa encarar a si mesmo. Ele fica com ele mesmo e ele não tem um bom relacionamento com ele mesmo e por conta disso não tolera a ausência do outro. Quando o outro sai, ele passa a se relacionar consigo mesmo e ele não está sendo uma boa companhia para ele mesmo. Por isso não tolera que o outro não esteja ali e aí, ele passa a desejar que o outro fique, desejar que o outro permaneça e tentar através de um grande desrespeito, porque tentar convencer o outro é um grande desrespeito, fazer com que o outro permaneça.

RESPEITAR O TEMPO DO OUTRO

O sujeito, quando ele deseja ajudar o outro, tem muito mais dele do que do outro, a não ser que o outro tenha solicitado esta ajuda. Desejar ajudar o outro diz respeito a questões do sujeito que se propõe a ajudar, mais do que questões do sujeito que esteja sendo ajudado. A ajuda real é aquela que é solicitada. Se não foi solicitada, diz mais respeito ao sujeito que deseja ajudar. Porque, na realidade, muitas vezes, o problema que o outro está carregando está beneficiando esse sujeito de alguma forma. Muitas vezes, o sujeito carrega uma culpa e aquele problema acaba sendo um troféu que ameniza a sua própria culpa. Acaba sendo um elemento de justificar esse sentimento de culpa. “Eu sinto culpa, mas olha como eu padeço!” Se o outro vai lá e resolve esse problema, ele perde este elemento de justificativa da sua culpa. Então, é muito importante que a gente seja capaz de respeitar o tempo do outro.

CHISTE

 Tem até uma brincadeirinha, que o pai era advogado e o filho se formou em direito também e ao conseguir a carteirinha da Ordem dos Advogados, ele foi lá e resolveu um problema e veio todo orgulhoso mostrar pro pai dele: “Olha pai! Resolvia essa causa aqui, que se arrastava há mais de dez anos!” Aí, o pai dele virou para ele e falou assim: “Parabéns! Vamos morrer de fome.” Porque, era justamente aquela causa mal resolvida que estava tocando o escritório do pai. O que você está fazendo tentando ajudar aquele que não te solicitou ajuda?

RESISTÊNCIAS

 Essa coisa de ajudar o outro está desde a configuração filosófica até a formulação religiosa. Jesus não ajudou ninguém porque ele desejava ajudar, ele só ajudou as pessoas que solicitavam ajuda. Muitas vezes, o sujeito, até deseja ser ajudado, mas ele tem uma obstrução interna que não o permite ser ajudado e isso em psicanálise a gente vai chamar de resistência. Então, mesmo o sujeito querendo, mesmo o sujeito desejando, ainda teremos que esbarrar com resistências internas.

RESOLVER PROBLEMAS

 Quando o analista está o tempo todo tentando resolver problemas do paciente e não só o analista, quando um sujeito está o tempo todo tentando resolver o problema do outro, quando o outro abre a boa e o sujeito já tem todas as respostas, ele está, na realidade, denunciando a sua intolerância ao processo, intolerância de estar junto do outro na dor dele. O papel do analista é de estar junto do outro na dor dele e não resolver a dor dele. Resolver a dor dele é um processo interno dele. Se você estiver junto com ele, há uma possibilidade desta dor ser elaborada, mas não é você que vai fazer isso.

DESEJO DO ANALISTA

 Dentro da clínica psicanalítica, isso passa a ser uma regra. O desejo do analista de ajudar o paciente atrapalha o processo psicanalítico. O analista precisa estar pronto a ajudar, mas não desejando isso. Quando o sujeito deseja que o paciente melhore, ele pode criar no paciente uma ilusão de estar melhorando, só para atender ao desejo do analista.

O OUTRO NÃO EXISTE

 Na realidade, na vida emocional, o outro não existe. Tudo aquilo que eu tenho dentro do relacionamento com o outro é uma extensão daquilo que eu tenho comigo mesmo. A forma como eu me relaciono comigo transborda, expande no vínculo que eu tenho com o outro. Quando eu estou de mal comigo, eu estarei de mal com o mundo, não só com o outro, mas com tudo, com a natureza... Tudo vai ser incômodo. Quando eu não estou de bem comigo mesmo, quando eu não estou em concórdia comigo, quando eu não concordo com as próprias ideias que eu tenho, eu não vou concordar com ninguém mais. Para o arrogante discordar é um prazer. Ele alivia o conflito interno quando ele projeta a discordância dele no discurso do outro.


QUEM CURA É DEUS

 Falar um pouquinho de cura. A gente ouve demais isso dentro do meio psicoterapêutico. Cura! Não existe cura, gente! O analista não cura, o psicoterapeuta não cura, o psicoterapeuta no máximo cuida, quem cura é Deus.



terça-feira, 23 de julho de 2024

DESILUDIR - Prof. Renato Dias Martino


Não é papel do psicanalista, destruir ilusões. Não é papel do psicanalista desiludir o paciente, mas é papel do psicanalista o de acolher o paciente quando o paciente começa a perceber que as suas ilusões estão ruindo, estão se desfazendo. E aí, a partir da insegurança que isso gera, o analista vai estar lá, para estar junto com ele, quando as ilusões já não estiverem sendo garantidoras, por assim dizer, para que ele possa se sustentar caminhando.

SAÚDE E ILUSÃO

Uma pessoa saudável emocionalmente não é aquela que não está iludida, mas é aquela que é capaz de estar consciente e reconhecer que aquilo é ilusão e se responsabilizar por essa sua ilusão. Uma mente saudável não é aquela que não está iludida, mas é aquela que é capaz de reconhecer as suas próprias ilusões. Não só reconhecer, mas aprender a respeitar estas tuas ilusões e se responsabilizar por elas.

ANALISTA DESILUDIDO

Muitas vezes, a gente tem essa idealização de que o analista bem-sucedido é aquele que está completamente de acordo com a realidade e não tem mais ilusão, ele se desiludiu completamente. Isso não existe! Na realidade, o sujeito saudável emocionalmente, o analista bem-sucedido é aquele que é capaz de reconhecer as suas ilusões, aprender a respeitar-se em relação a essas ilusões e se responsabilizar por elas.

LÚDICO 

Na verdade, a ilusão ela é saudável. O sujeito precisa da ilusão, ele precisa da ilusão para que ele possa se preparar para entrar num acordo com a realidade. Qual foi um dos grandes avanços dentro da psicanálise que a Melanie Klein trouxe? A ludoterapia! E “ludo” vem de ilusão. Ou seja, a Melanie Klein propunha um ambiente que a criança pudesse aprender a brincar aprender, a se iludir, porque, muitas vezes, ela foi arremessada em direção à realidade de uma forma tão bruta que ela desaprendeu, ou nunca havia aprendido brincar. Então, a Melanie Klein abriu um espaço lúdico, onde ela brincava com as crianças ali, com inúmeros brinquedinhos, para que ela pudesse aprender o mundo da imaginação. Se envolver com o mundo da imaginação, sem medo de se perder ali. Porque, estava junto com a Melanie Klein de mão dada. É necessário que a gente possa aprender a se iludir, para que a gente possa aprender a sair da ilusão.




quarta-feira, 17 de julho de 2024

SOBRE A MELANCOLIA - Prof. Renato Dias Martino



A melancolia, dentro daquilo que o Freud tentou trazer ali, em 1917, no LUTO EM MELANCOLIA, é um estado de fusão com o outro, ao ponto de que, quando o outro é perdido, o sujeito perde a si próprio. Ele perde uma parte de si mesmo. Ele tende a repetir comportamentos e funcionamentos do objeto perdido para que o objeto não deixe de existir. Então, ele se torna o objeto perdido. 

MELANCÓLICO POSSUÍDO

O sujeito melancólico é um sujeito que está possuído do objeto perdido. O objeto perdido possui essa pessoa, toma conta de parte desta pessoa, da parte mais importante dessa pessoa, que não permite que essa pessoa possa ser ela mesma.

RECONHECIMENTO MELANCÓLICO 

Uma característica fundamental do melancólico é que ele nunca reconheceu o outro como outro. O outro sempre foi reconhecido como uma parte dele mesmo. Existi uma fusão entre ele e o outro. 

MUTILAÇÃO MELANCÓLICA 

O que acontece com o melancólico, quando ele perde o outro é quase que uma mutilação. Como se cortasse um pedaço dele. E aí, ele se sente manco, ele se sente deficitário para continuar caminhando. Por isso ele se torna o objeto perdido, em certa medida, em certas ocasiões.



quinta-feira, 11 de julho de 2024

O SONHAR E A CESURA - Prof. Renato Dias Martino


SONHO TERAPEUTICO

A mãe sonha o sonho do bebê, até que ele seja capaz de sonhar os seus próprios sonhos. Isso é belíssimo! A mãe sonha o sonho do bebê. Ele não é capaz de sonhar. O psicanalista precisa sonhar o sonho do paciente. Não é sonhar o sonho dele para o paciente, é sonhar o sonho do paciente. Bion chama isso de RÊVERIE. O paciente, muitas vezes, chega obstruído com um “deveria ser”, com uma regra, com normas, com críticas, com exigências, que não permitem que ele sonhe e a partir da vivência com o psicoterapeuta, com o analista, ele começa a desobstruir tudo isso na vida dele e passa a ser capaz de sonhar. É sonhar com ele, não é realizar. É muito importante que a gente seja capaz de pensar isso. O espaço psicoterapêutico não é um espaço de realizar coisas, é um espaço de pensar de sonhar.

RÊVERIE

O Bion traz a ideia do RÊVERIE. O que ele propõe com o rêverie? Rêverie é sonhar. Então, ele diz assim: “o analista sonha o sonho do paciente”. Então, a gente precisa separar a ideia de sonho, com a ideia de sonhar. Sonhar é um processo, sonho é um conteúdo. O sonho é do paciente, agora, o processo é o analista que vai fazer. Precisa haver uma diferenciação dessas duas coisas. O analista reconhece o sonho do paciente e percebe a dificuldade do paciente submeter esse sonho ao processo do sonhar e aí o analista vai entrar para ajudar nesta tarefa. Vai sonhar o sonho do paciente para que o paciente possa entrar no próprio sonho e se tornar protagonista desse sonho e passar a sonhar. Então, uma coisa é o sonho. Este sonho é dele, outra coisa é o processo de sonhar e isso ele está obstruído de fazer.

TRANSFORMAÇÃO 

Toda a transformação funciona de uma maneira processual. Existe um processo para transformação. Nada acontece de uma hora para a outra. Nada pode acontecer de um formato para outro instantaneamente. Tudo, pode ser mais lento, ou pode ser mais rápido. Há ali, um processo e o processo que leva de uma forma para outra forma, nós vamos chamar de “cesura”. A palavra cesura, ela vem da gramática. Uma pausa de uma estrofe para outra. O Bion ainda vai usar a ideia de “mudança catastrófica”. CATA que é virar e estrofe. Virar uma estrofe para outra. É muito usado no teatro grego, onde existia uma parte de uma encenação aí, entrava o couro e depois entrava outro ato, já com tudo mudado. A partir do texto que foi falado pelo couro ali, é esta é a mudança catastrófica. Então, esta fala do couro que tem uma intersecção do primeiro ato para o segundo ato, ou seja, de um ato para outro ato, a gente vai chamar de cesura. Quando a gente fala de dia e de noite a gente precisa falar do entardecer. Este entardecer é a cesura. Eu era uma pessoa ontem e hoje eu sou outra pessoa, mas para aquela pessoa que eu fui ontem e a pessoa que eu sou hoje, houve uma cesura, houve um processo de transformação, que muitas vezes a gente não dá conta de tolerar. A gente prefere não olhar para isso, porque é feio quando a gente está se transformando. A gente não gosta de se transformar. A gente gosta de ser isso, ou aquilo. A gente não tolera a transformação. A transformação é desconfortável, porque quem transforma não sabe no que vai se transformar. A lagarta, quando ela está se transformando em borboleta, ela passa por uma fase horrível. Ela prefere continuar sendo lagarta, porque ela vai ter que ficar presa naquele casulo e é horrível. Vai passar por uma fase extremamente vulnerável. Qualquer bicho vai poder ir lá e comer. Então, esta cesura é muito desconfortável e o processo psicanalítico é pura cesura, a psicoterapia é só cesura. Você está se transformando em outra pessoa por isso é desconfortável e você não sabe que que outra pessoa você vai se tornar isso é desconfortável. O melancólico tem um problema enorme com entardecer. O sujeito que tem uma cota proeminente da melancolia, ele tem um problema seríssimo com o entardecer, ele se desespera conforme o sol vai abaixando. E aí, dá-lhe Rivotril! E o que que acontece? O sujeito toma o medicamento psiquiátrico e se descola da cesura, não vive a cesura e a vida é uma grande cesura. A gente está aqui de passagem, a gente não é, a gente está sendo. Então, a vida é uma grande transformação, é um processo, mas a gente tem uma dificuldade enorme de viver esse processo. É desconfortável! É desconfortável você olhar no espelho e começar a ver que a tua barba está ficando branca, que você está com rugas. E aí, dá-lhe botox, dá-lhe esticar o couro do tamborim.

FANTASIAR, SONHAR, PENSAR

Qual é a diferença entre fantasiar e sonhar. Se a gente for pensar no processo de sonhar, existe a fantasia, o processo onírico e aí, ele está preparado para o pensar. O fantasiar seria um fator da função do sonhar. Então, existe fatores que constituem a função do sonhar, um desses fatores é o fantasiar. O fantasiar é lidar com alguma coisa que não existe, como se existisse. O sonhar já é mais do que isso. O sonhar já é um processo. Eu fantasio e não saio daquilo, quando eu sonho, isso já propõe um processo. E aí, já está em transformação. Quando isso está num processo onírico, isso já está se transformando. Enquanto, quando eu estou fantasiando, aquilo ali está dentro das minhas expectativas, independente do que está acontecendo no mundo externo. o Freud vai propor que, quando ele fala ali, do processo primário para o processo secundário, ele diz assim: “uma cota disso que está dentro do processo secundário ainda se manteve no processo primário, não conseguiu passar para o processo secundário. Ou seja, ainda está dentro do princípio do prazer, ainda está dentro do princípio do prazer/desprazer, ainda está dentro do intuito de satisfações imediatas, ou evitação de frustrações de desconfortos” e esta cota ele chamou de fantasiar. O sujeito que tem a proeminência neurótica, ele tem esta cota do fantasiar e este fantasiar não se submete a processos. Quando esse fantasiar se submete ao processo, ele passa para o nível onírico, que já está sendo transformado e já está sendo preparado para ser pensado. Ou seja, já está dentro daquilo que o Bion vai chamar de função-alfa, transformação.

SONHO E REALIDADE

Para que o sujeito possa realizar o seu sonho, ele precisa ser capaz de tolerar que a realização não coincide com o sonho. A realização é real - me perdoe o pleonasmo - o sonho é ideal. O sonho é uma imaginação, o sonho está no mundo de possibilidades infinitas, a realidade restringe. Então, o sujeito realiza o sonho não como sonhou mas como foi possível realizar.

SONHO, LIMITE E REALIZAÇÃO

Onde está o limite da realização dos sonhos? No outro! É o outro que mostra o limite da possibilidade na realização do sonho. É o outro que mostra esse limite, mas também é o outro que viabiliza a realização. Sem o outro não há realização de nada. Para ser real tem que incluir o outro e não só incluir o outro, mas tem que se doar ao outro. Então, a realização está subordinada à capacidade de amar. Se o sujeito não for capaz de amar, aquilo que ele está fazendo é, na melhor das hipóteses, uma produção. Ele produz alguma coisa, mas não realiza.

PRODUZIR, CONSUMIR OU REALIZAR

Onde está a origem dessa configuração de uma sociedade formada por sujeitos que só produzem e consomem? A dificuldade em confiar em si mesmo! A dificuldade em acreditar em si mesmo, a dificuldade em reconhecer a si próprio. Então, ele vive esperando que o outro acredite nele. Ele vive buscando o emprego, porque ele não acredita nele mesmo. Ele passa anos dentro de uma faculdade, dentro de uma universidade e sai dali procurando um emprego, esperando que o outro acredite nele. Pega o diploma como mais uma prova de que ele pode ser confiável, porque não acredita em si mesmo. E ele sai dali, da faculdade, depois de se dedicar ali, 5, 6, 7, 8, anos aí, incluindo pós-graduações, buscando aprovação do outro. Tentando passar em concursos, tentando passar em testes, porque ele não acredita nele. Esperando que alguém acredite nele. Essa é a sociedade contemporânea. As escolas e muitas vezes, os pais educam os filhos para isso: para buscar um emprego para que ele possa produzir e não realizar. Porque este emprego traz para ele, segurança. Um concurso público te dá segurança. Que segurança? De chegar na velhice, olhar para trás falar: “que que eu fiz na minha vida? O que que eu realizei? Eu trabalhei a minha vida inteira para quê?




domingo, 7 de julho de 2024

ADIAMENTOS E RENÚNCIAS NO FUNCIONAMENTO DA MENTE - Prof. Renato Dias Mar...


FUNCIONAMENTO MENTAL
 
O que realmente existe é o processo primário. O processo secundário é simplesmente uma consequência de ser capaz de adiar satisfações imediatas e adiar a evitação de desconfortos. Quando o sujeito tem esta capacidade de tolerar frustrações, ele entra num processo secundário. Ele deixa o princípio do prazer/desprazer em standby, por assim dizer. Ele não deixa de existir, porque ele é um fluxo do inconsciente, da pulsão e ele passa a admitir o outro além da minha satisfação, além da minha evitação de desconforto existe o outro.

ADIAR OU RENUNCIAR

Quando a gente fala de renúncia, a gente está falando necessariamente de desejo. Você não pode renunciar de vontades. O que eu estou chamando de vontades? De necessidades básicas. Não tem como renunciar necessidades básicas. Se você renunciar as necessidades básicas, você morre. Mas você pode adiar e esse adiamento, esta capacidade de adiar necessidades básicas é que faz com que o sujeito se adeque à vida com o outro. O bebê vai amadurecendo emocionalmente, o bebê vai se capacitando emocionalmente, essa capacitação se desdobra na capacitação afetiva, a partir da capacidade de adiar a satisfação imediata, adiar as necessidades básicas. Adiar a necessidade de se alimentar, lá na fase oral. Ele já é capaz de adiar a necessidade de se alimentar, de mamar. Por quê? Porque ele reconhece que existe a mãe e a mãe tem suas vontades, independente dele. Na segunda fase, na fase anal, ele vai aprender a adiar a necessidade de evacuar e a partir daí ele vai desfraldar. E por aí a fora, no desenvolvimento.

DESEJO

Agora, quando a gente fala de renúncia, nós estamos falando de desejo. O bebê não deseja, ele passa a desejar quando, no decurso do suprimento da satisfação desta vontade, acontece alguma falha. Ocorreu alguma falha; desenvolve-se um desejo. O é o desejo? O desejo é um substituto da vontade. Eu tenho uma vontade, que é necessidade básica, essa vontade teve uma falha, não foi suprida de maneira suficientemente boa, então eu elenco, eu elejo um objeto substitutivo para isso. Não é somente aquilo, mas é aquilo, mais alguma outra coisa do mundo externo que eu escolhi. E aí, é uma escolha, porque tem a ver com ilusão. Imaginando que vai dar conta daquilo que falhou, mas aquilo que falhou já ficou lá atrás, já não tem mais jeito. Mas esse objeto de desejo passou a ser uma ilusão de satisfação daquilo que ficou lá atrás, por isso que o desejo é uma grande ilusão e precisa ser renunciado. Porque ele nunca vai trazer essa satisfação, essa satisfação ficou lá atrás. A criança precisa da atenção dos pais. A atenção dos pais é necessidade básica. A criança precisa que os pais prestem atenção nela, deem atenção a ela e ela não consegue isso. Falha esse suprimento da vontade de ser o centro das atenções. No quê? Naquilo que o Freud chamou de “narcisismo primário”. A criança precisa se sentir o centro das observações dos pais, das atenções dos pais. Quando a criança não consegue isso, ela vai procurar no mundo externo, algum objeto substitutivo para isso. Hoje, por exemplo, existe o videogame, o celular, então ela encontra o celular e este celular vai ser, agora, o objeto de desejo dela. Supre aquilo que faltou? Não! Nunca vai suprir e é justamente isso que faz com que ela se torne compulsiva no uso desse objeto substitutivo. Eu estou trazendo um exemplo, mas são inúmeros exemplos que a gente pode eleger como objeto de desejo, que traz a ilusão de suprir aquilo que um dia foi da vontade, ou seja, da necessidade básica, seja ela fisiológica ou emocional-afetiva.

PSICOTERAPIA E DESILUSÃO

O espaço da psicoterapia, do processo psicoterapêutico, traz a possibilidade do sujeito se desiludir a conta gotas, devagarinho, até que ele seja capaz de renunciar daquele desejo. Renunciar daquele desejo que, na realidade só está fazendo com que ele desperdice suas energias e não consiga aquilo que ele imaginava poder conseguir. Por que renunciar desse desejo? Porque é pecado? Porque é proibido? Não! Porque é um desperdício de energia. Então, o nosso papel, enquanto psicoterapeutas é acolher o sujeito para que ele possa entrar num acordo com a realidade. Este acordo com a realidade vai mostrar para ele que, aquilo ali, que ele tá fazendo é uma ilusão e que ele está se auto prejudicando fazendo aquilo. Ele tem que se livrar daquilo? Não! Ele não tem que se livrar daquilo. Não é papel do psicanalista dizer: “você tem que largar disso!” Não! Você não tem que largar disso, pelo contrário, você pode continuar fazendo isso, mas você precisa aos pouquinhos ir reconhecendo que isso é uma ilusão.




quinta-feira, 4 de julho de 2024

DESEJAR OU AMAR - Prof Renato Dias Martino


O PRIMEIRO E MAIOR DESEJO

Para que o bebê possa sobreviver e para que possa ser bem-sucedido o seu desenvolvimento é necessário que a mãe esteja ali, cuidando dele, que a mãe esteja desejando que este bebê esteja ali. E, é claro, que este desejo precisa ser dissolvido aos pouquinhos, porque um desejo cristalizado é um desejo nocivo. A mãe, a princípio, deseja o bebê e aos pouquinhos vai dissolvendo esse desejo, para que o bebê possa existir como ele mesmo e não como aquilo que ela desejava. O maior desejo do ser humano é o de ser desejado. O maior e o primeiro desejo. Então, o bebê deseja ser desejado.

ETAPAS DO AMAR

Não existe outra forma de aprender a amar que não seja a partir do narcisismo. Então, o sujeito, ele é amado pela mãe como se fosse a coisa mais importante do mundo e precisa ser na realidade a coisa mais importante para mãe no momento que o bebê nasce, precisa ser o bebê. E ele se sente amado como se fosse a coisa mais importante do mundo, passa a amar a si mesmo, a partir desse amor, como sendo a coisa mais importante deste mundo e este amor quando bem estruturado, passa a servir como apoio para amar as outras pessoas. Não existe outra forma de desenvolvimento do amor que não siga essas etapas.

O AMOR DO OUTRO

Não existe uma maneira de aprender a amar o outro se eu não fui amado pelo outro antes disso. Ninguém nasce sabendo amar. A gente precisa aprender a amar e a gente aprende a amar pelo amor do outro. Quando a gente é amado pelo outro, a gente cria um vínculo afetivo com aquilo que existe além do eu e passa então, a aprender amar o outro. Mas primeiro, eu preciso ter sido amado. Primeiro eu preciso ter tido atenção do outro, porque senão, eu não vou conseguir prestar atenção em nada mais além de mim mesmo.

AMOR NARCÍSICO 

Tudo inicia-se no narcisismo. Não tem como. Tudo começa no narcisismo. O amor, por mais que ele seja doação, ele nasce do narcisismo e quanto mais ele puder ser narcísico, mais ele vai ter a chance de se expandir para um modelo que inclua o outro.

MEDO DO ABANDONO

Essa é uma experiência que se estende para vida toda. O bebê resiste em reconhecer a mãe como outro, porque quando ele reconhece a mãe como uma outra pessoa, ele passa a ter medo de perdê-la. As relações que tem uma configuração narcisista, elas são fusionadas, são fusionadas, justamente para o sujeito não reconhecer o outro como o outro e passar a ter medo que o outro o abandone. Então, ele ainda acredita que ele domina o outro, ele acredita que o outro é parte dele mesmo, naquilo que o Freud chamou de relação por identificação, onde um é extensão do outro. Quando ele passa a reconhecer o outro como o outro, ele passa a ter medo de ser abandonado. Ele deseja muito o outro e este desejo traz para ele uma sensação de iminente abandono.

DESEJO SAUDÁVEL

Todo o desejo, para ser saudável, ele precisa ter prazo de validade. O desejo saudável tende a se dissolver. Quando o bebê é desejado pela mãe e a mãe vai sendo capaz de dissolver esse desejo em relação ao bebê, para que o bebê possa se tornar ele mesmo e não ser aquilo que ela gostaria que ele fosse. Ele também introjeta esse modelo e ele vai desejar as coisas no mundo da mesma forma. Vai desejar e aos pouquinhos vai dissolvendo esse desejo para que as coisas possam ser aquilo que elas são e não aquilo que ele gostaria que elas fossem. Agora, quando a mãe deseja o bebê e esse desejo não se dissolve e ela continua desejando que ele seja aquilo que ela quer que ele seja, ele também vai fazer assim com o mundo. Ele vai desejar as coisas do mundo e se não for do jeito que ele quer ele vai quebrar tudo, ou ele vai desistir.

DESEJAR OU AMAR

Desejar não é amar desejar, é querer possuir alguém e amar é ser capaz de se doar a este alguém. Então, existe uma diferença gritante entre as duas coisas. No entanto, para que possa haver amor, um dia precisou haver desejo. Então, Freud vai dizer que a primeira forma que o sujeito se relaciona com o outro é numa relação por identificação, onde ele imagina que o outro é uma extensão dele mesmo. Uma extensão daquilo que ele deseja, uma extensão de si mesmo. Só depois, ele vai reconhecendo esse outro como sendo realmente outro. Então, primeiro precisou haver uma relação de necessidade, uma relação de desejo, uma relação que não havia diferenciação entre o eu e o outro, para depois de bem comprida esta fase, ele conseguir aprender a amar o outro. Logo, a capacidade de amar não é inata do ser humano. O ser humano não nasceu sabendo amar. Ele precisa aprender a amar. E como que ele aprende a amar? Através do amor do outro. Sendo amado pelo outro. Aprendendo a Amar a si mesmo a partir desse amor que ele tem do outro e depois através desse amor que ele tem por si mesmo, ele estende para as outras pessoas.

RENÚNCIA DO DESEJO

Eu preciso ser capaz de renunciar desse desejo, para que eu possa amar realmente. Só ama aquele que renunciou do desejo. Enquanto, eu estiver desejando o outro, eu não consigo amá-lo, eu estou obstruído de amá-lo. O amor acontece a partir da renúncia do desejo. Se sentir atraído pelo outro, desejar obter o outro, não é amor. O amor acontece justamente na capacidade de renunciar esta atração, esse desejo de obter o outro, de controlar o outro, de possuir o outro. O desejo é um sentimento, “sentir desejo”, o amor é uma capacidade, “ser capaz de amar”. Porque, nós aprendemos desde pequenininho que praticar o sexo com o outro é fazer amor, no entanto desejo sexual não é amor. O desejo sexual é um desejo de se satisfazer com o corpo do outro, amor é justamente a capacidade de adiar a sua satisfação pelo outro. Uma coisa é o avesso da outra.

INTENSIDADE E DURABILIDADE

O sexo é intensidade, o amor é constância, é durabilidade. A intensidade é inimiga da durabilidade. Tudo aquilo que é muito intenso, tende a não ser durável. Para ter um relacionamento saudável precisa haver constância, precisa haver durabilidade e não intensidade. O desejo é intensidade o amor é durabilidade.

FASE CORDIAL 

Na realidade, eu diria que quando acabar o sexo, aí é que a gente vai ver se realmente tem amor. Então, para além da fase genital, onde dois seres humanos se encontram para proliferar a espécie, existe a fase cordial, onde as pessoas se encontram com os corações e não com os órgãos genitais. CORDES – cordial, esta é a fase real do acordo com a realidade, onde dois seres humanos estão unidos pelo coração e não pelo genital, pode haver completo desentrosado um com o outro o relacionamento é saudável.

NO HOMEM E NA MULHER

Na verdade, o homem, ele procura sexo muito mais pela vontade de satisfação sexual e a mulher procura o sexo muito mais para se sentir desejada. Não estou dizendo que são todos os casos, mas na maioria dos casos é isso. Por quê? Porque o homem tem uma produção seminal constante e a mulher está disponível organicamente para o sexo um ou dois dias por mês e se não coincidirem com uma dor de cabeça, ou alguma outra coisa. Porque aí, nem esses dias ela vai estar disponível fisiologicamente.

MATURIDADE E RENÚNCIA

A maturidade emocional leva o sujeito a renunciar de desejos e se integrar às vontades que são necessidades. Quanto mais maduro emocionalmente o sujeito for, ele vai priorizar as suas necessidades. E esta priorização também inclui a capacidade de adiar estas vontades. Ser capaz de adiar as vontades faz parte da sua maturidade emocional. Ele é capaz de adiar as vontades, renunciar de desejos e com isso ele amplia a sua capacidade de se doar, que é justamente o amor.